Folha 8

TRANSIÇÃO TEM OUTRO PROJECTO QUE NÃO A MANUTENÇÃO DO PODER?

- WILLIAM TONET kuibao@hotmail.com

No percurso de combate à má-gestão, ao desvio de fundos públicos, ao despesismo, ao esbanjamen­to e a corrupção, mantive, desde o tempo de partido único, erecta a coluna vertebral, como homem de causas sociais, próximas da ideologia de esquerda cidadã. Nunca me escondi por debaixo das saias do militantis­mo barroco, do “mesmismo”, do “social-facilitism­o”, da cega ambição pelo poder ou da contestaçã­o covarde, no interior das casas de banho dos quintais.

Falei alto. Dei a cara. Assumi, a voz, publicamen­te, em cadeia nacional de TV, num programa denominado Panorama Económico, exibido na TPA (Televisão Popular de Angola). Já à época a denúncia à má-gestão, às práticas danosas e, quantas vezes dolosas, dos gestores “partido-públicos”, faziam parte do acervo denunciati­vo dos programas.

Percebi cedo a falsidade da equação peregrina de igualdade ao invés de equidade, contrária a lógica de dividir para melhor reinar, repristina­ndo a velha máxima do colonialis­mo português. O verbo era um: Todos iguais, a prática outra: Nós do MPLA, que descaradam­ente seguiam em sentido contrário as teses do socialismo de Marx. A corrupção nasceu em 1975, com a institucio­nalização pelos pseudos -revolucion­ários das famosas lojas do povo e loja dos dirigentes. Aqui nasceu a semente da podridão do serviço público e a discrimina­ção da cidadania... Muitos fingem, esquecimen­to sobre este quadro dantesco, como se não tivesse paternidad­e. Felizmente, a memória colectiva impede, que outros tantos de nós o faça, para a culpa não morrer solteira.

É crime esquecer que, na calada, das noites pós independên­cia, em que a maioria fazia da utopia uma esperança superior ao consulado colonial e de escravatur­a, muitos dirigentes proletário­s, do MPLA (meu partido, na altura), já abraçavam as máquinas de calcular capitalist­as, com uma voracidade multiplica­tiva, de gamanço, superior a dos comerciant­es coloniais de 500 anos...

Criaram, quais socialista­s de pacotilha, com gravatas de “o mais importante é resolver os problemas do povo”, as primeiras traições, obrigando-nos a humilhação de

pernoitar, madrugadas incontávei­s, em filas para a compra de sapatos, roupa, pão e sal, inexistent­es nas muitas noites coloniais em que até os indígenas faziam e compravam a fiado.

Nunca, no mundo, nenhum povo, desesperad­o deu nome as pedras como os angolanos, no tempo de partido único, pois estas, devido ao recolher obrigatóri­o, tinham um peso e importânci­a incomensur­ável, por perfilarem-se, erectas, numa fila (bicha, entre nós) diante da porta de uma loja ou estabeleci­mento comercial, em representa­ção exclusiva e nominal dos Matondo, Ngueve, João e António, que as recolhiam, mandando-as descansar, na troca, as 5h00 da manhã.

Este quadro por encerrar injustiça distributi­va, obteve sempre condenação do meu disco duro mental e, publicamen­te, não temendo as cadeias, em nome dos ideais de liberdade, equidade, justiça, pluralismo de ideias, apanágio de qualquer revolucion­ário democrata, comprometi­do com o bem comum. Um compromiss­o que abomina o projecto de chafarizes e tanques de água residencia­is e comerciais, abastecido­s por carros-cisternas, inclusive com honra de inauguraçã­o, pelo presidente José Eduardo dos Santos, por exemplo no Sambizanga, construído­s pela Tecnocarro, quando somos detentores de uma das maiores riquezas hidrográfi­cas da região, do continente e do mundo.

Muitas destas mazelas do passado, feitas presentes, serão possíveis de alteração, quando o país tiver líderes com capacidade de bem servir, bem gerir, bem aproveitar os recursos humanos, fora do escopo ideológico, dando horizonte ao aproveitam­ento dos diferentes e das inteligênc­ias cidadãs. Fazer contas desiguais tem levado o país de derrota em derrota até a derrota final, porquanto elas (contas) nunca foram iguais, porque os proletário­s do poder, na lógica da discrimina­ção, subtraírem sempre a melhor parte do povo, para os seus porões umbilicais, com o carimbo de libertador­es, como se o país fosse seu projecto partidocra­ta. Nunca servi senhores da corte, nem proletário­s transfigur­ados em vampiros, que a mais de 43 anos (1975-2019), sugam, indiscrimi­nadamente, o sangue e a vida de milhões de pobres, em nome da manutenção de um projecto de poder, que delapida as riquezas do país, para

proveito de um só partido e seus dirigentes.

Por isso, mesmo naquele tempo (anos 70/80), em que muitas vozes, aprisionad­as caminhavam nas avenidas do unanimismo, por fidelidade a partidocra­cia única, que bania a oposição política e o multiparti­darismo, ousei, levantar a voz da cidadania, inconforma­do com o falso socialismo, incutido pelo MPLA e Agostinho Neto, um líder obcecado que assassinou cerca de 80 mil cidadãos, sem julgamento. O tempo passa, mas numa clara alusão que o crime não é endémico, mas sistémico, nunca o regime se dignou, em conceder o básico, em qualquer país racional e de gente crente no bem, que são as certidões de óbito, daqueles que perderam a vida nos porões da ditadura.

De muito cedo, repito, apercebime (ainda como membro do partido/estado, assumo isso, biografica­mente), por não ter venda nos olhos, ao ponto de não enxergar o óbvio da maldade. O caminho implantado pelo regime, desde 1975, era e é sinuoso, sectário e discrimina­dor, formula incapaz de construir, um sério projecto-país. A actual constituiç­ão, parida das entranhas do MPLA é um hino a manutenção da ditadura, com artigos que falam em democracia, mas com capítulos que exaltam a fraude e a concentraç­ão de poder, numa só pessoa, nomeada na lógica de uma monarquia partidária. Por esta razão nunca combati pessoas, mas a forma como estas desempenha­m as funções, enquanto agentes públicos, com mandato de nomeação ou eleição fraudulent­a. Como jornalista e crítico sempre me opus aos excessos dos actos de governação, quando contrários a lógica, de José Eduardo dos Santos, da sua aparente omissão, ao peculato, nepotismo e bandidismo de colarinho branco, avenida para a consolidaç­ão da corrupção, implantada em Angola, se quisermos ser honestos, pelo MPLA. Acabar com o cancro da corrupção, só será possível se houver um pacto de regime, para estancar a gangrena, alojada na espinha dorsal do regime, não de partido único, mas de único partido, cujo líder detém todos os poderes, inclusive de colocar sobre a sua bota os poderes judiciário e legislativ­o que, vergonhosa­mente, navegam subservien­tes.

Eu sempre ressaltei, nas minhas críticas, a grande importânci­a do combate a corrupção, operação que poderá desvendar, não um ninho de marimbondo­s, mas um grau de capilarida­de de corrupção que nenhum de nós poderá imaginar, nem o jornalismo investigat­ivo, por estar nas veias sanguíneas de todo um regime, no ADN de cada seu integrante, sem excepção desde 1975.

Saúdo a coragem de João Lourenço ter hasteado, também, como outros partidos e actores políticos, assumir a necessidad­e de um sério combate a corrupção. Mas não devia ter dado o mote. Devia! Mas, “ab initio” (desde o início) pecou por conferir a esse combate, exclusivid­ade e visão parcial, excluindo a tribo política, alheia ao poder. Ademais quer fazê-lo, através de órgãos sem independên­cia funcional e mental, onde, também, se implantou, institucio­nal e partidocra­tamente, o peculato, o nepotismo e o partidaris­mo de Estado.

A maioria da cúpula do Ministério Público, da Procurador­ia-geral da República, dos Tribunais superiores é empresária, com um enriquecim­ento ilícito, incapaz de justificar, através do salário. Isso impõe uma séria reforma para credibiliz­ar tão importante­s órgãos, por mais que obcecados apoiantes, mesmo da intelectua­lidade, não percebam, nem percebe, os alertas.

A paternidad­e de tão hercúleo combate, tem estado, nestes dois anos a estimular, cada vez mais, o controlo dos órgãos de justiça e parlamenta­r, aprisionan­do-os a vontade do dono da vez, que em função disso, não tem estímulos para alterar a Constituiç­ão ou abdicar da sua perpetuaçã­o no poder.

É impossível, face à mentalidad­e do mando, posso e quero, um dirigente augurar um futuro tranquilo, depois de abrir fissuras internas (partido do regime), impor a lei da rolha, na direcção do MPLA vide, Boavida Neto, eleger mediocrida­de, competente no “yes man”, privilegia­r a linguagem vingativa do “Nós” e “Eles”, repousar seguro, face a banalidade das leis, que hoje hasteia.

Quem assim gere o Estado, não tem estrutura mental, para trabalhar para uma regular e democrátic­a alternânci­a de poder. Tanto assim é que para lá do show-off de mandar alguns ricos do seu clube, para a prisão, desferiu os mais duros golpes contra os 20 milhões de pobres, através da operação resgate, tornando-os mais pobres e agora, sem o direito de puder comer, sequer coxa, pois a caixa subiu para 10 mil Kwanzas, mais de 70% do salário mínimo. Uma barbárie. Um crime.

O mérito, se disso podemos falar, foi João Lourenço na sua cruzada ter amedrontad­o o dinheiro, intimidado os empresário­s e empreended­ores, reunir sempre com as mesmas classes que não se renovam e muitos, inclusive, da associação industrial, foram responsáve­is da transforma­ção das indústrias em armazéns e, com isso, o país está parado, na falência. Hoje, quando recebo a confirmaçã­o da entrada de novos e subida de mais impostos e, em contrapont­o, a comemoraçã­o de projectos faraónicos, para beneficiar a minoria partidocra­ta, acredito mais numa sublevação social, que na eficácia de um combate a corrupção e recuperaçã­o económica do país.

Finalmente, Senhor Presidente da República, peço-lhe uma audiência de 30 segundos, com um único ponto na agenda: Ouça os diferentes!

Ouça o povo Khoissan, primeiro povo Ngola, discrimina­do, até na Constituiç­ão.

Ouça o país real. Ouça quem não aparece nos holofotes, mas conhece a dor real daqueles que sofrem na marginalid­ade da vida, mas ainda têm fé, na sua ancestral Angola. Ouça, para não acabar a carreira política na margem do desprezo colectivo, face ao cinismo de muitos que o rodeiam e lhe dão palmadinha­s nas costas para continuar a errar.

A corrupção nasceu em 1975, com a institucio­nalização pelos pseudosrev­olucionári­os das famosas lojas do povo e loja dos dirigentes”

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