Folha 8

“NÃO HAVERÁ MAIS FOME”

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Olíder do MPLA ( partido que governa Angola desde 1975), presidente da República ( não nominalmen­te eleito), Titular do Poder Executivo e dono de Angola, João Lourenço, não brinca em serviço e não comete os mesmos erros de José Eduardo dos Santos. Comete outros. Ambos pensando que somos todos matumbos.

O mais paradigmát­ico e recente exemplo da estratégia de João Lourenço, embora seja uma espécie de onça escondida com o rabo de fora, foi trazida a público por Rafael Marques: “O presidente da República, João Lourenço, enviou-me uma nota de agradecime­nto pela matéria e os alertas sobre o Bairro dos Mi

nistérios”.

Explica Rafael Marques: “De acordo com a mensagem, transmitid­a pelo seu director de gabinete, Edeltrudes Costa, o presidente ficou sensibiliz­ado com as revelações contidas na minha investigaç­ão. João Lourenço garante de forma inequívoca que, na Chicala II, “não haverá mais Bairro dos Ministério­s”.

Então o Presidente “garante de forma inequívoca que não haverá mais Bairro dos Ministério­s” via Rafael Marques? Hum!

João Lourenço não brinca em serviço mas, isso sim, adora brincar com os angolanos de segunda ( todos aqueles que não pactuam com o regime e que, por isso, passam por aquilo que ele diz não existir no país: fome) e com todos aqueles que vai “comprando” por esse mundo fora mas, cada vez

mais, cá dentro também. Quando há dez anos (7 de Dezembro de 2009) José Eduardo dos Santos exortou os seus súbditos a “não pactuar com a corrupção e com a apropriaçã­o de meios do erário público ou do partido”, mostrou como é fácil e barato enganar meio mundo e comprar o outro meio. João Lourenço usa a mesma estratégia mas com mais diplomacia. As excepções, que são – embora silenciosa­mente – cada vez mais, que se cuidem. Vejam, por exemplo o caso do nosso director, William Tonet. O tempo vai passando e tudo continua na mesma, e até os mais optimistas e ingénuos começam a pensar que nem as moscas mudaram. Só mudou o local de poiso. E, aproveitan­do o balanço, não falta quem se queira juntar à festa. E se os mais cépticos perguntam o que é que andaram a fazer desde 1975 os lacaios do dono do país, os mais realistas continuam a fazer contas com o dinheiro que passa por baixo da mesa.

Recordo que nesse dia, numa intervençã­o sistematic­amente interrompi­da pelos aplausos dos mais de 3.000 delegados ao VI Congresso, num visível e marxista culto da personalid­ade do chefe, José Eduardo dos Santos deixou um lote recheado de recados para o MPLA, para o país e para o mundo ver, aplaudir e venerar.

Se José Eduardo dos Santos teve bons mestres, João Lourenço também os teve e tem. E se tiverem dúvidas, não quanto à corrupção mas à forma de a camuflar, basta pedirem umas lições aos velhos ou novos “professore­s” portuguese­s. Todos eles falam de cátedra e são peritos na matéria.

“Hoje é voz corrente equiparar a pessoa investida em funções políticas a um homem sem palavra, desonesto e sem escrúpulos. É necessidad­e absoluta assumir atitudes positivas que desfaçam essa imagem pálida e inconvenie­nte de forma a dar credibilid­ade, valorizar e repor a nobreza da função dos dirigentes políticos”.

Quem fez esta afirmação foi o então soba do nosso reino, no caso Eduardo dos Santos, mas encaixa que nem uma luva em João Lourenço, só faltando agora mandar Edeltrudes Costa informar disso o Rafael Marques.

João Lourenço ( ou terá sido José é Eduardo dos Santos?) sublinha que o partido “tem dito isto por outras palavras” e adverte que “as nossas palavras e promessas devem correspond­er aos actos que praticamos”. Ou seja, entre inúmeros exemdos Santos?) não explica, mas plos, promete liberdade de todos sabem que a única maimprensa (mesmo mantendo a neira de acabar com a intriga, sua pidesca sucursal – a ERCA, com os boatos e com a maniou o seu Ministério da Comupulaçã­o na comunicaçã­o social nicação Social) e até divulga é acabar com os jornalista­s, os seus “decretos” via Rafael substituin­do- os por funcioMarq­ues, um “opinion maker” nários do regime, mesmo que conotado como independen­te estes tenham de no lugar da e crítico da governação. assinatura colocar a impresÉ uma treta para enganar os são… digital. Se não sabem é só cerca de 70% de angolanos aguardar pela próxima comuque vivem na pobreza, 44 anos nicação de… Edeltrudes Costa. depois da independên­cia e 17 Bem me parecia ( e só não tiapós a paz ter regressado ao nha a certeza porque, recopaís. Eduardo dos Santos ( ou nheço, sou ingénuo) que em será João Lourenço?) pede o Angola a comunicaçã­o social é “fim da intriga, dos boatos e a a fonte de todos os males. Foi manipulaçã­o de factos na coela, a comunicaçã­o social indemunica­ção social para prejudipen­dente, que forçou o MPLA car os outros”. a reconhecer (embora apeJoão Lourenço (ou foi Eduardo nas como medida cosmética) a corrupção e outras grandes enfermidad­es, e é exactament­e por isso que é a culpada de tudo.

“Devemos aperfeiçoa­r o modo de encarar a política, um modo pró- activo e rigoroso de mostrar o nosso empenho e dedicação que sirva para mobilizar milhões para a nossa causa”, diz João Lourenço ( ou terá sido Eduardo dos Santos?), certamente depois de ter tido num só dia o que milhões de angolanos não têm durante muitos dias: refeições. O presidente da República e do MPLA disse também que “em cada 100 angolanos, 60 são muito pobres, não conseguem comer normalment­e todos os dias, não têm acesso fácil a água potável, acesso aos cuidados de saúde nem casa normal para se abrigar”. É preciso ter lata ou, no caso são as duas coisas juntas, um povo submisso tal o estado de subnutriçã­o. O MPLA está no poder há 34 anos, Angola está em paz há 17 anos, e mesmo assim os donos do país não assumem que são o principal, em muitos casos o único, responsáve­l por este descalabro.

O “desemprego, o analfabeti­smo e a pobreza são três problemas muito graves e difíceis de resolver, que atingem especialme­nte as mulheres, as famílias e as crianças”, disse Eduardo dos Santos ( ou terá sido João Lourenço) em mais uma manifesta enciclopéd­ia de hipocrisia que, contudo, foi aplaudida pelos súbditos de sua majestade. Certamente anestesiad­o pelas ovações dos seus vassalos, José Eduardo dos Santos/ João Lourenço dizem também que o MPLA pugna desde 1975 “pela defesa das liberdades direitos e garantias dos cidadãos, e considera o direito à associação como fundamenta­l”.

É mais um atestado de menoridade passado aos angolanos. Mas como foi dito pelo chefe… foi aplaudido. É claro que quem não aplaudir o querido líder sujeita- se – na melhor das hipóteses – a peixe podre, fuba podre e porrada se refilar. Para os problemas que persistem no país, como a pobreza, José Eduardo dos Santos evocava a “pesada herança do colonialis­mo” que foi “agravada pelo período de guerra que o país viveu” até 2002. Como era uma boa explicação, João Lourenço adoptou- a.

Nisto têm razão. Se tantos anos depois da conquista da democracia os portuguese­s continuam também a desculpar-se com a pesada herança do salazarism­o, é legítimo que o MPLA acuse o colonialis­mo, um bode expiatório que aguenta ainda ser utilizado aí por mais uns trinta anos. Acresce que, também como resquício do colonialis­mo, o regime angolano continua – como fazia a PIDE/ DGS – a praticar a tese de que até prova em contrário todos são culpados. E mesmo quando se prova que os culpados são inocentes, os donos do país subvertem as regras e fazem deles culpados.

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JORNALISTA ANGOLANO , RAFAEL MARQUES DE MORAIS
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DIRECTOR DO JORNAL FOLHA 8 , WILLIAM TONET

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