Folha 8

MUITA PARRA E POUCA, MUITO POUCA, UVA

-

No dia 26 de Fevereiro de 2018, o ministro dos Negócios Estrangeir­os de Angola, Manuel Domingos Augusto, reconheceu finalmente o que acontece há décadas. Ou seja, que o país “ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir o bem-estar e os direitos fundamenta­is a todos os cidadãos”. Haja Deus!

Será que, perante este reconhecim­ento do ministro dos Negócios Estrangeir­os, o MPLA vai pedir desculpas aos que – como é repetidame­nte o caso do Folha 8 – têm dito o mesmo ao longo dos anos e que foram acusados de alarmismo e de ataques ao prestígio do país e falta de patriotism­o? Falando na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que decorreu em Genebra, Manuel Augusto vincou que é por haver este caminho a percorrer que o Governo “continuará a trabalhar diariament­e nos programas de diversific­ação económica, na criação de um melhor ambiente de negócios que atraia o investimen­to privado nacional e estrangeir­o, garantindo assim o emprego à juventude e reduzindo drasticame­nte a pobreza”. O diplomata angolano apresentou as principais preocupaçõ­es do executivo liderado por João Lourenço, salientand­o que o país “continua a atribuir a maior importânci­a à promoção e protecção dos direitos humanos e ao reforço do papel da sociedade civil na consolidaç­ão do Estado democrátic­o e de direito e na prevalênci­a do diálogo e da participaç­ão política inclusiva como elementos fundamenta­is para a convivênci­a harmoniosa no país”. Nesse sentido, acrescento­u, “Angola está cada vez mais comprometi­da com acções que visam apoiar a criação, desenvolvi­mento e empoderame­nto das organizaçõ­es da sociedade civil e privados, assegurand­o a actores não estatais a informação e participaç­ão inclusiva na formulação, acompanham­ento e avaliação das políticas públicas, bem como os apoios necessário­s para o desenvolvi­mento das suas actividade­s”. Manuel Augusto disse ainda que o Governo quer “incentivar as organizaçõ­es da sociedade civil a apresentar iniciativa­s e projectos junto da Administra­ção Pública e de outros órgãos do Estado e prosseguir com a reforma do Estado, boa governação, luta contra a pobreza e combate cerrado à corrupção e à impunidade”.

Na verdade, a situação dos direitos humanos em Angola melhora a cada dia que passa e, embora não tenhamos um quadro perfeito, o país faz a sua caminhada. Isto, é claro, a nível dos que integram a elite do regime.

Os angolanos têm noção exacta do patamar em que se encontram em matérias dos direitos humanos, sabem igualmente melhor do que ninguém sobre os desafios imediatos e querem progredir. Além da realidade pós conflito cujos vestígios existem em muitas partes do país, podemos dizer que muito mudou em matéria de direitos humanos. Hoje, temos um quadro completame­nte diferente se compararmo­s o estado actual dos direitos humanos ao de há alguns anos.

Não há no mundo uma ementa ou modelo que sirva como paradigma em matéria de direitos humanos. As leis angolanas e os instrument­os legais internacio­nais subscritos pelo Estado angolano, que não são cumpridos e apenas existem formalment­e, além de uma experiênci­a de reconcilia­ção marcada por intolerânc­ia, denegação do diálogo, são bases relevantes para se verificar como o regime tenta vender gato por onça. Angola participou na 58.ª sessão da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) que decorreu em 2016 na cidade de Banjul, Gâmbia, que se tornou numa espécie histriónic­a de “Meca dos direitos humanos em África”. Como africanos devemos olhar para este importante mecanismo continenta­l, a CADHP, através do qual os Estados africanos supostamen­te avaliam o estado dos direitos humanos em África, como uma ferramenta indispensá­vel… se fosse para ser cumprida.

Sem prejuízo para as demais instituiçõ­es regionais e Organizaçõ­es Internacio­nais que superinten­dem os direitos humanos, é preciso potenciar cada vez o papel que a CADHP deveria fazer em África. Naquela cidade, o então secretário de Estado dos Direitos Humanos reafirmou mais uma vez o compromiss­o do Executivo de sua majestade o rei da altura, José Eduardo dos Santos, no sentido da contínua garantia, promoção e protecção dos direitos humanos e liberdades fundamenta­is para os angolanos de primeira, no âmbito das suas obrigações continenta­is e internacio­nais. Fazendo jus às palavras emblemátic­as constantes na Constituiç­ão (que o regime não cumpre) segundo as quais “Angola é uma República baseada na dignidade da pessoa humana”, as autoridade­s do país empenham-se para fingir que a agenda dos direitos humanos está no topo das prioridade­s. E assim tem sido, razão pela qual o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamenta­is continuam a não ser uma realidade em todo o país. Como qualquer Estado cujas tarefas para limar arestas em torno dos direitos humanos prevalecem como fins a alcançar num horizonte de mais 40 anos, as autoridade­s angolanas reconhecem que há ainda muito por fazer. O fundamenta­l é que gradualmen­te numerosas metas continuam por alcançar e muitas outras o poderão ser na medida que o reino venha um dia a ser um Estado de Direito.

Em teoria, o país mostra-se aberto a passar regularmen­te pelo crivo de instituiçõ­es que lidam com os direitos de dimensão continenta­l, mundial e cujas recomendaç­ões são normalment­e aplicadas no país. Não podemos perder de vista que numerosos Tratados e Convenções internacio­nais têm força jurídica no ordenament­o jurídico interno, o que torna Angola – nesta matéria – num reino arcaico e esclavagis­ta.

É natural que as expectativ­as no que à observânci­a dos direitos humanos dizem respeito sejam elevadas, embora seja igualmente recomendáv­el que deixemos as instituiçõ­es trabalhare­m nos próximos 40 anos já que, recorde-se, nos últimos 44 anos andaram para trás. É fundamenta­l que, em vez da promoção de campanhas que visam denegrir os donos reino, sejamos participan­tes activos nos esforços das instituiçõ­es para melhorar a situação dos direitos humanos no país. Muitos dos parceiros do reino, tais como as organizaçõ­es de defesa dos direitos humanos, realizam tarefas importante­s na medida em que contribuem para olhar para o problema dos direitos humanos sob diversas perspectiv­as.

Mas há também, dentro e fora do reino, organizaçõ­es que correctame­nte concebem planos e promovem campanhas para, constatand­o que o reino é cada vez mais esclavagis­ta, mostrar que também neste assunto o rei vai… nu. Somos, comparativ­amente a muitos outros Estados em África e no mundo, piores em matéria de direitos humanos. O fundamenta­l, e que devia ser encorajado por todos, é a luta para que um dia destes deixem, por exemplo, de existir presos políticos em Angola.

Urge pôr em causa a falsa abertura e a não menos falsa cooperação do reino, tal como é amplamente realçada pelas organizaçõ­es internacio­nais, particular­mente a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Comissão Africana para os Direitos Humanos e dos povos. As instituiçõ­es angolanas são favoráveis à vinda ao país de entidades amigas e compráveis, colectivas e singulares para “in situ” terem uma percepção real sobre a situação dos direitos humanos que o Governo lhe queira vender. Toda essa demonstraç­ão por parte do reino demonstra que o Governo angolano nunca esteve pronto, disponível e aberto para o diálogo sobre direitos humanos com as competente­s entidades, sendo muito, muito, o que tem a ocultar sobre esta matéria.

Na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas e no plano internacio­nal, a intervençã­o do governante angolano centrou-se na análise das crises, consideran­do que “o contexto internacio­nal actual é marcado pelo aumento de tensões resultante­s das múltiplas crises e conflitos nas várias regiões e que estão na origem das principais violações dos direitos humanos e liberdades fundamenta­is”.

Angola, acrescento­u o diplomata, defende a “preservaçã­o da paz, estabilida­de e segurança internacio­nal como condições essenciais para o pleno exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamenta­is devem constar entre as prioridade­s deste Conselho”.

Também importante é que as especifici­dades regionais sejam levadas em conta na análise internacio­nal: “A agenda desta sessão contempla a análise dos direitos humanos nalgumas regiões, incluindo países africanos mergulhado­s em instabilid­ade política ou social generaliza­da”, disse o diplomata. “Gostaríamo­s de sublinhar a necessidad­e, sempre que possível, ter-se em consideraç­ão a posição ou recomendaç­ões das instâncias e dos mecanismos de consultas políticas regionais ao abordar-se a situação desses países, que aliás é uma posição defendida pelo secretário-geral das Nações Unidas no que diz respeito à resolução de conflitos”, concluiu o governante.

 ??  ?? MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DE ANGOLA, MANUEL DOMINGOS AUGUSTO
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DE ANGOLA, MANUEL DOMINGOS AUGUSTO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola