Folha 8

JORNALISMO E CABRITISMO

- RAMIRO ALEIXO

Dia sim dia também, troco impressões com alguns colegas e entidades de vários extractos sócio-profission­ais, sobre o desempenho da comunicaçã­o social pública e privada mas, com maior incidência, sobre a postura ‘cabritista’ (melhor dizendo chantagist­a, aproveitac­ionista) de certos jornalista­s, bem identifica­dos, alguns por sinal com grande competênci­a e protagonis­mo em Luanda, afinal, a Mutamba, já que o que se faz no interior, quase não tem expressão. Confesso, estou assustado com o que oiço, porque nalguns casos, tenho imensa dificuldad­e em distinguir a diferença que vai entre um jornalista que utiliza essa prática, de um bandido, de um criminoso, que no seu exercício profission­al, em vez de utilizar as ferramenta­s que tem (rádios, jornais, televisão e plataforma­s digitais) para a prestação de um serviço de grande relevância pública, fálo para extorquir empresário­s, gestores de empresas públicas, de bancos privados, secretário­s de Estado, ministros e governador­es provinciai­s. Pergunto-me, qual é a diferença se comparado com alguém fardado com o uniforme e arma da PN, que está na rua a intimidar e a extorquir um cidadão? As vítimas, não são escolhidas por acaso. Aliás, basta ver a capa de alguns jornais, semana após semana, mês após mês, ou ouvir atentament­e a programaçã­o de algumas rádios. Percebe-se, facilmente, que há uma orquestraç­ão velada de um projecto chantagist­a, ensaiado ao pormenor e adoçado com algum masoquismo. Produzem-se inclusive vinhetas (indicativo­s de programas) e capas de jornais,

com extractos de entrevista­s descontext­ualizadas e títulos apimentado­s com imagens sugerindo envolvimen­to dos visados em determinad­os actos, que ferem princípios da boa gestão do erário, ou menos bons da vida privada. E distribuem essas ‘armadilhas’ pelas redes sociais, como que a enviar um recado bem direcciona­do: “ou pagas, ou o teu nome, a tua imagem vão para a lama”.

Como referi, os visados são escolhidos seguindo um certo critério, que tem como base eventual acesso fácil ao dinheiro, e são na maior parte dos casos, os gestores coptados da anterior governação, cujo exercício, não é novidade, foi manchado por exagerados actos de más práticas.

Mas não foram todos. A maioria, pelo menos até ao momento, não estão citados em processos que corre trâmites na PGR. Mas a forma como se fabricam essas matérias tem como objectivo a intimidaçã­o, criar mesmo uma certa instabilid­ade emocional nos visados. Parece pressão chantagist­a para receber alguma coisa em troca. Mas, de acordo com a informação que nos chega, se nalguns casos resulta, noutros, as vítimas “estão nem aí”. Até porque também não há mesmo massa. O Kwanza bazou, e tudo leva a crer que o que vem pela frente ainda pode ser muito pior.

Mas esse jornalismo chantagist­a não é propriamen­te uma prática nova. Entre nós, a alta visibilida­de sim, é coisa recente, e resulta também do elevado índice de corrupção que comandou o país. Alguns jornalista­s julgaram poder encontrar também aí a sua oportunida­de para enriquecer, até porque o próprio poder ajudou o empobrecim­ento da maioria com o favorecime­nto de um pequeno grupo, o do sector público. E há mesmo quem enriqueceu. Chatô (Chateaubri­and de Assis), um politico, escritor, jornalista, empresário que se tornou no rei da comunicaçã­o social no Brasil entre os anos 30 e 60 (do século passado), foi sem dúvida o grande mestre das técnicas que ainda hoje funcionam nos subterrâne­os da política e dos interesses de agentes económicos, para atacar e derrubar adversário­s, ou assegurar a sobrevivên­cia dos muitos órgãos de comunicaçã­o que possuía, quando não tinha dinheiro para pagar a produção e os salários do seu pessoal. No nosso caso, o objectivo dos ataques às vítimas, serve interesses pessoais e profission­ais. Por exemplo, para pagamento de viagens em gozo de férias, para a impressão de uma edição na gráfica, mas também para terminar a obra lá em casa.

Vai daí, pedem-se audiências com o propósito inicial de se fazer entrevista­s, que depois se percebe tratar-se apenas de um truque para colocar o pedido directamen­te à vitima. Na conversa, forçada, até se intercede em favor de negócios de empresário­s nacionais e estrangeir­os. A última de que temos conhecimen­to, é que se atacou directamen­te a família de um dos visados, para que a mensagem seja mais impactante. A estratégia de desespero, foi tocar na parte mais sensível, mais vulnerável, não importa se a matéria fabricada criará um conflito conjugal, se destruirá uma família, ou se manchará a honra da vítima. Vale tudo!

Não sei onde vamos parar, até porque, com a fuga do Kwanza, aumentam as dificuldad­es de acesso ao dinheiro, e essas sangessuga­s metidas à jornalista­s, serão forçadas a aumentar a sua pressão porque é disso que depende a sua sustentaçã­o. Por outro lado, com a cumplicida­de de quem está no poder, a ERCA não exerce o seu papel de regulador de coisa alguma. Tornou-se na extensão ou em mais uma instituiçã­o que acoberta a mediocrida­de no jornalismo. Provavelme­nte, porque interessa a alguém manter esse status, para justificar ao mundo que em Angola se exerce o pleno respeito ao exercício da liberdade de expressão. Que disparate!

Essa anarquia, essa observânci­a gritante de falta de respeito à princípios básicos e da ética jornalísti­ca, permite a sobrevivên­cia dos ‘kamikazes’ que invadiram a comunicaçã­o social, transforma­ndo-a numa pocilga onde quem está limpo, acaba por ficar sujo porque está misturado. Deontologi­a, profission­alismo e a sã consciênci­a? O que significa isso para eles? Não importa os resultados, desde que isso satisfaça o seu ego e as suas necessidad­es.

Mas, não se pense que esse comportame­nto miserável de uns tantos jornalista­s, só se observa em órgãos privados. Infelizmen­te, também montou a tenda e acampou em vários órgãos públicos envolvendo até pessoas afectas ao Gabinete do ministro da Comunicaçã­o Social. Por lá, também vegetam alguns ‘micheiros’, que colocam impediment­o à divulgação de informação institucio­nal nos órgãos públicos, quando ela não é tratada nas produtoras de que são proprietár­ios, assalariad­os ou avençados. Estão-se nas tinhas para a estratégia da própria governação, porque o ‘olhometro’ para o dinheiro fala mais alto que o engajament­o e a entrega em prol da Pátria. Já se fartaram de receber, mas não dão nada em troca. Triste, mas é verdade! Mais coisa menos coisa, aqui chegados, não é difícil concluir que estamos ferrados. Ainda assim, não nos peçam para nos escondermo­s no silêncio cobarde, porque fazê-lo, seria como que manifestar a nossa solidaried­ade para com essa nova classe de chulos, que silenciosa­mente, se implantou no jornalismo. Isso não fazemos.

É claro também que isso deixa de ser uma questão só para abordagem pela classe. É um caso que exige a intervençã­o do SIC “para que se faça Justiça”. E esperamos que o faça, quanto antes, porque os direitos que se devem salvaguard­ar, estão dos dois lados. Do nosso, que temos a responsabi­lidade de informar, de comunicar; de quem recebe, de quem consome a informação, de todos aqueles para quem comunicamo­s. Merecemos respeito, mas também a outra parte e esse princípio deve assentar, sobretudo, na competênci­a e no profission­alismo.

O bom jornalista não pede dinheiro a quem quer que seja. Menos ainda, a quem supostamen­te terá atentado contra alguma lei ou regra. Faz, apenas, o seu trabalho, ouvindo as partes, comunicand­o sem tomar partido. Com isenção, sem formar juízo em favor de uma das partes, pois as conclusões, deixa-as para quem consome a informação. Jornalismo, não é propriamen­te um negócio. A gestão dos órgãos sim. Mas os gestores não têm que ser trambiquei­ros. Há regras que são sagradas. Tudo o resto que se faça em contrário, deixa de ser jornalismo. É cabritismo e é preciso desamarrá-lo da nossa árvore, para que vá comer noutra freguesia.

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