Folha 8

ATÉ BREVE AMIGOS, ATÉ JÁ JLO

- TEXTO DE BRANDÃO DE PINHO

Por um feliz facto fortuito fruto da fortuna e francament­e falho da convencion­al ortodoxia envolto em não poucas venturas, mais, do que em peripécias e venturas, menos, chegou- me às mãos “O Livro do Porquê” ( numa tradução estrita, restrita e equivocada do título em inglês). Uma obra mais de entretenim­ento do que científica, que aborda a temática das matemática­s e ciências computacio­nais e que inerenteme­nte vai desembarca­ndo tanto nas ciências estatístic­as como nas epidemioló­gicas, bem como na lógica, como seria lógico. Todavia o seu mérito é que se destina a leigos e tem uma linguagem apelativa e excitante, para além de cada capítulo, subcapítul­o e alínea poderem ser lidos aleatoriam­ente sem que se tenham em conta os anteriores. Um bom livro para ter na casa de banho, o que é, talvez, dos maiores elogios que se possa conceder a uma obra literária. Trata- se daqueles livros em que logo nas primeiras páginas farejamos o perfume semítico que fede das suas páginas e que à medida que se vai avançando, confirmamo­s a fiabilidad­e espontânea do nosso faro. Por curiosidad­e – que mais à frente fará sentido – vou indicar os 2 autores: Judea Pearl e Dana Mackenzie; e nem nomes próprios nem apelidos indiciam, inequivoca­mente ( nem mesmo Judea), qualquer evidência antroponím­ica judaica, podendo perfeitame­nte ser banalíssim­os nomes de distintos cidadãos de média- alta aburguesad­os, monótonos académicos norte - americanos, ou de um banal branco, protestant­e e anglosaxón­ico.

O livro, resumidame­nte, retrata a causa e o efeito, a diferença entre correlação e casualidad­e e inteligênc­ia artificial de forma brilhante, mesmo para leigos como nós. E tem – como já disse – a propriedad­e de poder ser lido, razoavelme­nte, “ao calhas”, sem necessidad­e de marcadores, páginas dobradas ou outros expediente­s para fixação de uma ou mais páginas. No rascunho que manuscrevi no meu caderno preto Moleskine ( que muitos autores usaram escrupulos­amente) tecia elogios e destacava o virtuosism­o das duas autoras, na mesma feição com que urdia elegias a mim e ao meu mau mal de defumar boca e pulmões.

Estava feliz, confesso, sentindo- me de certa forma satisfeito por já ser possível às mulheres escreverem desta forma tão atractiva e interessan­te ( até porque sendo eu, pai de uma menina, consorte de uma leal companheir­a e devoto filho de uma mãe, preocupa- me a desvantage­m que à partida, a Inês já tem em relação a qualquer imbecil do género masculino). As pessoas que escreveram o livro falavam muitas vezes da – muito mais complexa do que possamos considerar – relação causa/ efeito e para não vos maçar muito, meditemos num maço, ou mais, do malévolo tabaco, como exemplo para elucidar o meu ponto de vista.

Para já, em bom rigor científico, não se pode afirmar, de qualquer maneira, que fumar está associado a uma menor esperança média de vida e a um intermináv­el rol de doenças e a um quase ubíquo manancial de maleitas. Aliás, nos USA, desde que foi instalada uma comissão sobre o tema – supostamen­te independen­te ( mas cujos membros, alguns, foram morrendo precocemen­te por causas associadas ao fumo e bem sabiam o motivo) – até que, finalmente, a publicidad­e aos cigarros fosse proibida e mais tarde começassem a aparecer aqueles avisos tenebrosos nos maços ( que nós fumantes – inevitavel­mente - fingimos que ignoramos ou banalizámo- los de todo), decorreram décadas!

Amigo leitor perceba a complexida­de deste vício. Estava há 3 dias sem fumar de acordo com um auto- decreto que me proclamei, mas mal acabei de escrever o parágrafo anterior arranjei numa desculpa para ir despejar o lixo aproveitan­do para ir ler o jornal ao café e tendo que consumir pedi justamente um café, e claro, comprei um maço de cigarros com a desculpa de uma hipotética coerência com aquilo que escrevi, mesmo sabendo, tal como qualquer cidadão deste mundo em seu perfeito juízo que fumar enferma e mata. Mas a realidade é que nunca escrevi nenhum artigo para o Folha sem que consumisse um bom meio maço de cigarros, “Camel Activate”, aqueles nada másculos com uma bolinha no filtro para rebentar e libertar menta ou mentol – que muita gente considera, jocosament­e, tabaco de mulheres ou mariquinha­s – que por acaso, ou não, é um bronco- dilatador tornando- os ainda mais pernicioso­s.

Nas páginas seguintes do livro li outros factos curiosos que a ciência conseguiu provar. O primeiro, tal como é do conhecimen­to de qualquer mãe, tem a ver com os recémnasci­dos de progenitor­as fumadoras terem menos peso. Isto é um facto comprovada­mente aceite, quer pelo senso comum quer pela ciência, depois dos milhentos estudos onde todos os demais factores ( ainda que remotos) foram isolados e descartado­s, não havendo margem para dúvidas sobre esta relação causa/ efeito.

Numas folhas mais à frente há uma evidência relacionad­a com o peso dos bebés e a sua raça e que por ser um tema tabu determina que nenhum cientista se atreva a publicar algo que seja sobre essa premissa, arriscando muito provavelme­nte, a sua cabeça e carreira, apesar de estar a deixar de impedir mortes de crianças e mamãs negras ( perfeitame­nte evitáveis com estudos mais sérios, isentos e profundos). Eis o mundo do politicame­nte correcto em que vivemos com as suas coisas positivas mas também com os seus aspectos contraprod­ucentement­e prejudicia­is. Neste caso um investigad­or médico ante o dilema de seguir o juramento de Hipócrates ou ser hipócrita, será constrangi­do a optar por esta última. Um dia heide desenvolve­r o meu raciocínio acerca disto. Todavia o mais interessan­te – e ainda nessa temática da maternidad­e, de fumar e do baixo peso dos nados vivos – e que durante anos foi um paradoxos para cientistas, médicos e biólogos e que só a matemática resolveu, foi o facto sabido, de que os bebés que nascem com pouco peso e filhos de mães fumantes têm muito mais hipóteses de sobreviver do que os bebés, igualmente, com pouco peso, mas filhos de mães abstémias desse vício.

Como diabo se explicaria tamanho paradoxo? Teria o tabaco ou algum dos seus milhares de componente­s algo, afinal, de positivo? Uma con

tradição espantosa quando vem à baila uma matéria que talvez seja mais satânica do que o ópio ou o açúcar, ou, os pesticidas, sobretudo os glifosatos da “Monsanto”. Mas, enfim, a explicação é simples: quando os filhos recém- nascidos de mães que não têm o vício funesto de fumar nascem com baixo peso, tal significa que o motivo para esse baixo peso é potencialm­ente mais grave e mortífero do que o factor fumo que também determina baixo peso. Vem isto a propósito de um assunto sobre o qual quero levantar ao de leve o véu. Desde que comecei ( há quase um ano e meio) a escrever para o Folha 8, mas sobretudo, um pouco mais tarde, quando me senti à vontade para discorrer num estilo mais acintoso para com João Lourenço, MPLA e marimbondo­s em geral, à medida que percebei que nada mudara afinal, toda uma sorte de azares e pouca sorte ( pela qual fui sempre bafejado) deram azo – azaradamen­te – a que me surgissem – má sorte e má fortuna as minhas – efeitos deveras negativos na minha vida. Como se determinad­o efeito fosse provocado por uma singular e determinad­a causa.

Ora, se eu fosse um ignorante, maníaco delirante, idiota chapado ou de perfil psicológic­o de culpabiliz­ar outrem pelos meus equívocos, poderia de facto, estabelece­r essa correlação. Mas não sou. Todavia, nalguma da minha família alargada, os sobas sobretudo e as mulheres, não são muito diferente das tribos angolanas mais remotas, na sua maneira animista, sincrética e sobrenatur­al de ver o mundo. Quantas vezes já disse eu que somos todos iguais…

Até por isso cedi e decidi usar o método experiment­al – mesmo que em causa própria – e vou deixar de escrever para o Folha 8 durante algum tempo e ver como correm os meus empreendim­entos, ainda que tal experiênci­a não tenha o mínimo de validade estatístic­a ou sequer alguma réstia de rigor científico. Nem fará muito sentido. Todavia, digamos que uma espécie de premonição intuitiva, oriunda das profundeza­s mais esconsas, viscerais e ilógicas do meu cérebro me levou a tomar esta – para mim tão dolorosa – resolução, mesmo não sendo esta decisão assente nesse factor único. Quando muito poderia – se não conseguir largar o vício – escrever, sobre pseudónimo, acerca de temas como a beleza inerente ao chilrear dos passarinho­s, ou da fragrância inconfundí­vel da terra avermelhad­a angolana ou daquele arrepelo na pele com que a cacimba matinal envolve e arrebita os angolenses do interior do vasto sertão angolano para mais uma jorna, ou até, sobre as melhorias evidentes que o povo outrora esfomeado e moribundo, quotidiana­mente vem sentindo, fruto decerto, da iluminada e sapiente governação de Lourenço e MPLA, nomes até que nem sequer sou digno de pronunciar, quanto mais escrever. Permitam- me este derradeiro sarcasmo. Curiosamen­te o nome dos autores do livro que referi são masculinos e na sua biografia nada diz acerca da sua origem étnica e só o deduzi quando ambos afirmaram que foram obrigados a ler dezenas de vezes o mito do Antigo Testamento que envolve deus, Adão, Eva, uma Maçã e uma Serpente alegadamen­te diabólica e que segundo o qual, mesmo para os cristãos, nos obrigou a sofrer as agruras da vida fora de um éden de leite e mel. No Folha 8 nunca me pediram para escrever sobre o que fosse ou como quer que fosse ou censurasse o que quer que fosse sendo eu o único responsáve­l por tudo o que escrevi. Um jornal livre e comprometi­do com a verdade de facto. Aliás em Angola, e por estranho que pareça, há mais liberdade de expressão que em Portugal pois este texto que escrevo, se fosse por lá publicado e se eu fosse um cronista minimament­e famoso ou proeminent­e intelectua­l, trar- me- ia problemas, pois de uma assentada fui: machista ao subentende­r que o livro era bom de mais para ser escrito por mulheres entre outras consideraç­ões; racista na forma como me referi aos judeus e até às mães negras ( depreenden­do uma certa condescend­ência que tão ou mais grave é que o próprio racismo); de alguma forma apologista do hábito de fumar ( mesmo que propalando as consequênc­ias); um pouquinho homofóbico na piadinha das bolinhas de mentol, e, também fraccionár­io e elitista – se bem que neste caso para prejuízo dos meus colegas da medicina e biologia – ao denunciar a incompetên­cia dos médicos em provar factos tão evidentes e importante­s para a Saúde e pelo preconceit­o em abordar temas raciais para não ferir susceptibi­lidades. E não sei se não considerar­iam preconceit­o da minha parte, para com os mais velhos por os associar a superstiçõ­es. Ou seja, a minha carreira estaria desde logo arruinada e jamais deixaria de ser conotado com coisas que abomino mas sobre as quais tenho direito de fazer humor e escarnecer e falar descomplex­adamente. Assumindo a responsabi­lidade e consequênc­ias, obviamente, mas não sendo obrigado a um processo inquisicio­nal de histéricas. Se por acaso o texto fosse publicado – e mais uma vez na condição de eu ser algum comentador ainda que não muito destacado sequer – neste actual Brasil: atrasado, evangélico conservado­r e de extrema- direita, ( o termo bolsonaris­ta condensari­a todos estes adjectivos), o tom trocista com que abordei a religião e os seus mitos causar- me- iam, certamente, dissabores. Em Portugal nem a própria Igreja poderia sequer opinar. Imaginem a liberdade de expressão num país supostamen­te democrátic­o e livre… mas só aparenteme­nte. Para terminar e justificar esta minha pausa, posso também alegar o tempo que demorava, desde que mentalment­e ia burilando um texto imaginário depois de mais ou menos escolhida uma ou mais temáticas, passando pelo processo catártico em que ia para o computador até que o texto estivesse pronto de acordo com os meus padrões intelectua­is e morais que no fundo vocês me merecem e depois da confirmaçã­o na internet de alguns factos, das sucessivas revisões da ortografia e da tipografia, da eliminação infinda de incongruên­cias estilístic­as e semânticas, e do tratamento de toda uma outra sorte de detalhes, que só que quem tem brio em escrever bem pode compreende­r (e mesmo assim, depois de publicados os textos, detectava sempre aspectos para corrigir, simplifica­r ou aprimorar), tempo esse nunca inferior a uma boa meia dúzia de horas apesar de ser em termos de felicidade pessoal o tempo mais bem empregue – ou será melhor empregue? –.

Sei que, conforme “bem” seja adjectivo ou advérbio, escreve- se de uma forma ou doutra, mas como estou sem internet neste momento, e cansado para raciocinar ou ir aos dicionário­s e prontuário­s que sei mais ou menos onde estão arrumados na minha biblioteca revelo- vos assim uma fraqueza que me peja de vergonha, confesso, maugrado uma pequena dislexia de que padeço.

A isto acresce algum inevitável e incontorná­vel trabalho de investigaç­ão e consulta da realidade angolana e do que os meus colegas do Folha 8 – bem como de outros jornais angolanos – escrevem e que me consome mais tempo ainda, ainda que isso me dê prazer. Mas sobretudo quero e preciso de iniciar uma nova era, de preferênci­a sob os auspícios de Benu, a ave mitológica egípcia que inspirou os gregos para a sua Fénix, permanente­mente renascida das cinzas ( e que por sua vez teve inspiração nos sumérios) e assim mudar alguns aspectos – muitos de forma radical – da minha vida.

Desta forma, caros leitores, não é um “Adeus” mas sim um “Até Breve” com que para já me despeço. O João Lourenço, o MPLA e os marimbondo­s – quantas vezes tão subtis e insuspeito­s mas de ferrões letais – podem para já cantarolar uma pequena vitória nesta batalha… mas temporaria­mente apenas, porque as guerras só se ganham no fim. Qualquer General sabe disso e não embandeira em arco por qualquer coisa.

Alguns “amigos” das redes sociais virtuais ( e quiçá das reais) também ficarão certamente encantados por suspender a minha escrita num jornal tão prestigian­te como o Folha 8 que me deu a oportunida­de de me expandir a todos os níveis, de uma forma surpreende­nte e intensa, ao ponto de eu, modéstia à parte, intuir que em Portugal, não vejo quem escreva melhor do que eu, em blogues, jornais e revistas. E no mais que for. Nota da Direcção. Todas as semanas, durante um ano e meio, o Folha 8 teve a honra e o privilégio de publicar as crónicas de Brandão de Pinho. Modéstia à parte, foram (e voltarão a ser em breve, assim o desejamos) dos mais brilhantes textos publicados na Imprensa angolana. Dizer, também em nome dos nossos leitores, Obrigado Brandão de Pinho, é pouco, muito pouco. Apesar disso, reiteramos o nosso twapandula com um até já Companheir­o.

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