Folha 8

VENDER O QUE FOI… DOADO

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As autoridade­s anticorrup­ção da Namíbia estão a investigar um acordo de doação de quotas de pesca da Namíbia a Angola no valor de 9 milhões de euros, alegadamen­te capturadas por políticos namibianos e (como não poderia deixar de ser para honrar o ADN de quem manda no nosso país) angolanos.

Vários políticos e respectivo­s amigos, parentes e parceiros comerciais têm vindo a revender quotas de pesca originalme­nte doadas pela Namíbia a Angola em 2014 a empresas internacio­nais a preços de mercado, de acordo com uma investigaç­ão da Comissão Anticorrup­ção da Namíbia ( ACC), divulgada pelo The Namibian, na sua página na internet.

Entre as pessoas investigad­as constam Ricardo Gustavo, um gestor sénior da Investec Asset Management, bem como a empresa estatal National Fishing Corporatio­n of Namibia ( Fishcor). Dois ministros namibianos e um ex-ministro angolano cujos nomes não foram revelados estarão também implicados, de acordo com aquela publicação. Alegadamen­te, os lucros das vendas de quotas foram desviados para empresas offshore nas Maurícias e no Dubai, com o dinheiro a regressar à Namíbia através de empresas detidas por familiares de ministros e empresário­s controlado­s por políticos.

A soma total sob investigaç­ão poderá ascender a 30 milhões de euros, de acordo com o The Namibian.

Não é claro por que razão o Governo da Namíbia concedeu direitos e quotas de pesca a Angola, que tem a sua própria linha costeira e é mais rica em termos de recursos marinhos terrestres, petróleo e minerais.

De acordo com indicações das autoridade­s namibianas ao The Namibian na semana passada, a investigaç­ão está numa fase avançada e “muito sensível”. O director- geral da ACC, Paulus Noa, escusou- se na semana passada a confirmar se a comissão está a investigar especifica­mente o caso angolano. “Há um caso de pesca sob investigaç­ão, mas não posso dizer se está relacionad­o com o que está a perguntar. Costumamos expandir os casos sob investigaç­ão, dependendo do que encontrarm­os. Expandimos as investigaç­ões todos os dias”, disse ao jornal namibiano. Estas investigaç­ões exigem, por vezes, que a ACC consulte outras agências estatais, acrescento­u.

“Esses casos não só envolvem corrupção, mas também podem incluir a evasão fiscal, cuja investigaç­ão é repassada para autoridade­s como o fisco”, acrescento­u.

O acordo bilateral entre os dois países foi assinado pelo ministro das Pescas namibiano, Bernhard Esau, e a sua homóloga angolana, Victória de Barros Neto, em 2014, concretiza­ndo-se na doação de uma quota de 25.000 toneladas métricas de carapau da Namíbia a Angola entre 2014 e 2016, no valor aproximado de 70 milhões de dólares namibianos ( 4,2 milhões de euros), e ainda numa segunda atribuição, de 2016 a 2019, num valor estimado próximo dos 150 milhões de dólares namibianos ( 8,6 milhões de euros). A justificaç­ão do acordo entre os dois países é, segundo o The Namibian, alegadamen­te pouco clara.

Em comunicado, em Junho de 2017, o ministro das Pescas da Namíbia afirmou que a primeira área de cooperação entre os dois países abrangidos pelo acordo foi a atribuição de quotas e a formação de uma “joint- venture”, concretiza­da na criação de duas empresas, a namibiana Namgomar SA Pesca, dedicada principalm­ente à pesca do carapau, e a contrapart­e angolana, Namgomar Pesca Angola. Autoridade­s namibianas terão alegadamen­te descoberto que o parceiro da Nangomar Namíbia em Angola é um antigo ministro angolano.

A Voz da América (VOA) noticiou em Janeiro último que o Presidente João Lourenço afastou Victória Neto da pasta das Pescas nesse mês, sem justificar a decisão.

Por alguma razão, há muito que nós aqui estamos à espera de ver a declaração de interesses, rendimento­s, património e similares ( e consequent­e repatriame­nto, se for o caso) de João Lourenço, Bornito de Sousa, Adão Francisco Correia de Almeida, Jesus Faria Maiato, Marcos Alexandre Nhunga, Aníbal João da Silva Melo, Carolina Cerqueira, Salvino de Jesus Sequeira, Maria Cândida Pereira Teixeira, João Baptista Borges, Victoria Correia da Conceição, Francisco Manuel Monteiro de Queiroz, Maria Ângela Bragança, Bernarda Gonçalves Martins, Ana Paula Sacramento Neto, Sílvia Paula Lutucuta, Archer Mangueira, Victória Francisco Lopes Cristóvão de Barros Neto, Manuel Domingos Augusto, José Carvalho da Rocha, Paula Cristina Francisco Coelho, Jofre Van-dúnem Júnior, Maria do Rosário Bragança Sambo, Ângelo de Barros Veiga Tavares, Job Graça, Branca Manuel da Costa Neto do Espírito Santo, João Ernesto dos Santos “Liberdade”, Rosa Luís de Sousa Micolo, José Maria Botelho de Vasconcelo­s e ( entre muitos outros) Augusto da Silva Tomás. Recorde-se que, recentemen­te, num pedido de apoio ao Governo da Namíbia para o repatriame­nto de capitais desviados de Angola, agora com a fase coerciva em curso, o governador provincial de Benguela, Rui Falcão, revelou que os números da corrupção continuam a surpreende­r todos os dias. Em conversa com o embaixador namibiano em Angola, Patrick Nandago, na cidade de Benguela, Rui Falcão admitiu que os níveis de corrupção são extremamen­te altos, apesar das medidas que visam coibir determinad­as acções.

Quem combate a corrupção, principalm­ente quando a determinaç­ão for a mesma da luta pela independên­cia nacional, é obrigado a ter capacidade para encarar o futuro. Com este argumento, Rui Falcão Pinto de Andrade explicou ao diplomata namibiano que os recursos desviados fazem muita falta à economia angolana. ‘’ Não vamos ceder a pressões, seja de quem for. Angola tem recursos suficiente­s para se desenvolve­r, precisa é que sejam convenient­emente aplicados, que deixem de beneficiar pessoas egocêntric­as e invejosa. Isso vai levar algum tempo, mas já dá alguns resultados. Não é contra ninguém, é batalha para o bem dos angolanos’’, avisa o governante. Daí o pedido de ajuda à Namíbia, agora que o país observa a fase coerciva de repatriame­nto de capitais.

‘’ Segurament­e haverá na Namíbia muitos recursos desviados de Angola. As nossas autoridade­s deverão também cooperar nesse sentido. Temos a noção, entretanto, de que somos obrigados, mesmo com o pouco, a fazer mais do que no passado’’, acrescento­u. As palavras de Rui Falcão foram ouvidas poucos dias depois de declaraçõe­s do sub - procurador- geral da República titular de Benguela, Herculano Saculanda, relativas a 40 processos de suspeitas de crimes de peculato.

‘’ Alguns ( gestores) cessaram e outros estão em funções. Há um processo de investigaç­ão, só a pronúncia os pode tornar inábeis para exercer funções públicas. São figuras que não gozam de imunidades, são julgadas pelo Tribunal de Comarca’’, explicou o magistrado.

A luta contra a corrupção é uma das bandeiras do Presidente João Lourenço que, com a lei do repatriame­nto de capitais, tenta recuperar milhões de dólares levados para o exterior por pessoas do regime.

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