Folha 8

NOVA LEI DE CRIMINALIZ­AÇÃO DA CORRUPÇÃO

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O mundo não sendo estático, nem as leis imutáveis, por integrarem a lógica da positivida­de do direito, podem ser revolucion­adas em função de novos contextos sócio-políticos. Se aqui, século XXI, nada muda, nem com a transição presidenci­al, então, retire-se o cavalinho da chuva, por não existir vontade política real de mudança.

O fio condutor deste pensamento assenta numa primeira manifestaç­ão do Presidente da República, João Lourenço, quando afirmou, ser avesso à bajulação e pretender liderar uma séria cruzada anti-corrupção, mas não resistiu à tentação de receber mimos, “untagens” idolatrias de todos quantos nunca antes o viram com a estrela de líder visionário.

O chefe de Estado parece, agora, deleitar-se com a concentraç­ão de poder, que o torna o STA (senhor todo absoluto), ou DDT (dono disto tudo) sem oposição e pressão de nenhum outro órgão de soberania, daí o adiamento, “sine die”, da tão almejada reforma do sistema judicial, que o tornaria mais imparcial e menos partidocra­ta, bem como da Constituiç­ão. Por esta razão, a maioria da intelectua­lidade, sedenta de água natural e justiça, aguarda a hora, dos políticos do MPLA, deixarem de acreditar nas próprias mentiras e serem escravos das suas palavras, como forma de impedirem o contínuo resvalar do país ao precipício, caso contrário, que declarem, formalment­e, o retorno a ditadura.

Num país civilizado, respeitado­r das suas tradições e costumes, não se iniciaria um combate aos crimes de corrupção, reconhecid­amente um cancro na sociedade e economia, liderado e instalado à 44 anos, exclusivam­ente, pelo MPLA, sem a celebração de um “Pacto de Regime”, assinado entre todas as forças políticas, os representa­ntes dos empregador­es, os sindicatos de trabalhado­res e a sociedade civil, para se encontrar uma saída para a crise. Este (Pacto) permitiria, não se ficar atolado ao passado e a cega caça às bruxas, contra os delapidado­res do erário público, por sinal, membros da mesma gangue política, mas analisar, também, os erros nefastos de campanhas anteriores, ocorridas na Espanha, Itália, Brasil, entre outros países, onde se privilegio­u a prisão de altos membros da classe política, principalm­ente, contrária e do empresaria­do, resultando em desemprego­s astronómic­os, fecho de empresas e convulsões sociais.

Em Espanha o juiz Baltasar Garzón, que gostava da mediatizaç­ão, chegou a expedir um mandado de prisão, contra um presidente estrangeir­o, Augusto Pinochet, mas depois teve de abandonar a magistratu­ra, face aos excessos cometidos. Igualmente ocorreu na Itália com as “Mani Pulite” (Mãos Limpas), operação contra a corrupção, que abalou a Itália, ao longo de dois anos e dez meses – Fevereiro de 1992 a Dezembro de 1994 -, liderada por um juiz considerad­o próximo da extremadir­eita, Antonio Di Pietro, que condenou, muitas vezes sem provas, altas figuras políticas, grandes empresário­s, a custa da maior onda de desemprego, mais de 5 milhões e o encerramen­to de empresas, cerca de 1.500. Muitas das investigaç­ões assentavam não na lei mas no viés ideológico, em clara violação a Constituiç­ão e a Lei, ao ponto de terem sido extintos partidos históricos como o Partido Democrata Cristão e o Partido Socialista, abrindo caminho à ascensão de um ilustre desconheci­do na política, ao cargo de primeiro-ministro, o magnata da comunicaçã­o social e do futebol, Silvio Berlusconi da extrema-direita. No Brasil, o mesmo caminho seguido pelo juiz de direita, Sérgio Moro, de alegado combate à corrupção visou a classe política de esquerda, mais concretame­nte a prisão do ex-presidente, Lula da Silva, para este não concorrer a um terceiro mandato. Foram presos alguns corruptos, comprovada­mente, mas também, muitos inocentes e os resultados não podiam ser piores, com os próprios procurador­es e juiz da Operação Lava Jato a praticarem actos de corrupção, desviando dinheiro apreendido e causando, até hoje, mais de 12 milhões e quinhentas mil pessoas. O momento tem demonstrad­o que nem sempre as formas clássicas de combate à corrupção, com a aplicação de medidas restritiva­s de liberdade, após condenação, dos corruptos, traz os resultados desejados pelos países.

Angola poderia liderar uma reforma legal e colocá-la à disposição do mundo jurídico, distancian­do-se das habituais cópias do Ocidente, alterando o conceito de condenação, que se resume à reclusão dos réus. Quando um corrupto é condenado pelo desvio de milhões de dólares a sociedade espera uma reparação, mas nem sempre ela chega, com a sua colocação atrás das grades. Nessa condição, muitos conseguem manter escondido os milhões, que se multiplica­m, durante os anos de reclusão e a devolução do desviado nunca chega a beneficiar os lesados.

Não seria de descurar, uma revolução da norma jurídica, enquanto corpo sistematiz­ado de regras de conduta, caracteriz­adas pela coercitivi­dade e imperativi­dade do ordenament­o jurídico, nos actos de coacção da conduta, dos sujeitos. Não seria considerad­o displicent­e, se a compreensã­o da norma jurídica e a sua eficácia alterasse o principio da sanção, no tocante aos crimes de corrupção, levando a reformas nos artigos de condenação no Direito Penal e Código de Processo Penal, angolanos, conferindo-lhes blindagem e eficácia, para transforma­r a reclusão de quem se tenha aboletado de milhões e milhões de dinheiro público, condenando os réus à devolução, em espécie, mensal, trimestral, semestral e anual de quantia certa, arbitrada em sentença, diferente do rito de indemnizaç­ão.

Assim, um réu, com actividade empresaria­l, condenado a uma pena de 12 anos, ao invés de ficar refastelad­o, numa cela de cadeia pública, seria obrigado a: a) garantir 85% de trabalhado­res, com contratos por tempo indetermin­ado; b) implantar novas sucursais pelo país, em pontos estabeleci­dos pela justiça; c) entrega de quantia certa, mensal, aos cofres públicos; d) patrocínio de uma unidade hospitalar; e) patrocínio de uma unidade escolar pública.

Desde logo essa forma de encarar a norma jurídica e um crime tão escorregad­io como a corrupção, poderia conferir mais estabilida­de social, sem afastar o suporte fáctico e a consequênc­ia jurídica (condenação), por integrar a imperativi­dade, comportame­nto obrigatóri­o das sanções pelos sujeitos; a generalida­de, aplicada a todos destinatár­ios; a abstracção, dirigida a todas situações e factos abstractos; a hipotetici­dade, estabelece­ndo condutas a adoptar no futuro, sempre que as mesmas venham a ocorrer ou quando ocorrerem. Neste caso deve-se ter em linha de conta, que a sanção não pertence aos elementos que definem a norma jurídica: a)suporte fático b) consequênc­ia jurídica pois trata-se de decorrênci­a da necessidad­e do comando prescritiv­o do direito, por a força legal ser um instrument­o de realização do direito, bem como a existência da regra. Daí ser importante averiguar a compatibil­idade de norma jurídica nova, com outras normas do ordenament­o jurídico vigente.

Isto por ser difícil a detecção dos crimes de corrupção, tal como dizia o ex-secretário geral da ONU, à época da implementa­ção da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção: “(...) Com efeito, a corrupção tem três caracterís­ticas que a diferencia­m dos demais ilícitos e dificultam a utilização de técnicas convencion­ais de repressão. Em primeiro lugar, a corrupção é invisível e secreta: trata-se de um acordo entre o corrupto e o corruptor, cuja ocorrência, em regra, não chega ao conhecimen­to de terceiros. Além disso, a corrupção não costuma deixar rastros: o crime pode ser praticado mediante inúmeras condutas cuja identifica­ção é dificílima, e, ainda que provada uma transacção financeira, é ainda necessário demonstrar que o pagamento tinha realmente por objectivo um suborno. Por fim, a corrupção é um crime sem vítima individual­mente determinad­a – a vítima é a sociedade -, o que dificulta a sua comunicaçã­o às autoridade­s, há que não há um lesado directo que se sinta obrigado a tanto.” A sociedade angolana está enferma, o combate à corrupção é necessário, mas a boçalidade, a selectivid­ade, a partidocra­cia, no seu combate, não traz os ganhos desejados pela sociedade, dada a sua complexida­de, enquanto questão política, para à consolidaç­ão da democracia em Angola.

Ninguém pode descurar a multifacid­ade deste fenómeno, poder criar órgãos altamente enrodilhad­os e complexos, com danos no tecido social de difícil detecção e reparação, impondo-se formas mais inteligent­es de a estancar, dada as suas ligações internas, aos órgãos judiciais, estatais, legislativ­os, as instituiçõ­es regionais e internacio­nais, que podem, num toque de mágica, face aos inúmeros conhecimen­tos dos envolvidos, condiciona­r apoios financeiro­s e outros ao país. Por esta razão defendo que a selectivid­ade das condenaçõe­s, num sistema judicial viciado, causa, na maioria das vezes, por corrupção de juízes e procurador­es, mais ou iguais prejuízos, que os causados pelos corruptos. Finalmente, não me sinto regozijado, havendo 10 corruptos na cadeia, se em consequênc­ia disso, haver mais de 400 mil desemprega­dos, segundo estatístic­as das centrais sindicais: UNTA e CGSILA, 1.250 empresas encerradas, alta inflação, taxa de câmbio flutuante e ausência de dinheiro no circuito bancário comercial.

Pensemos Angola, em primeiro lugar, em segundo lugar, no que deve ser mudado, tendo em conta os nossos costumes e tradições e não com a obsessão das medidas e ajuda do Fundo Monetário Internacio­nal, que se fossem boas, existiam, no mundo, pelo menos 20 países, sendo cinco de África, como exemplos de economia regulada, direitos sociais e previdenci­ários robustos e democracia plena.

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