Folha 8

“CAVALO DE TRÓIA” DA RÚSSIA EM ANGOLA CHAMA-SE ISABEL

-

Tanto quanto parece, Vladimir Putin não só encostou João Lourenço à parede como o chantageou. No epicentro da estratégia do Presidente da Rússia estará a “rainha”, também russa mas igualmente angolana, Isabel dos Santos. Neste xadrez, terá o Presidente do MPLA capacidade para responder ou, apenas, tentará jogar para uma derrota condigna, eventualme­nte um empate?

Ao juntar Isabel dos Santos e João Lourenço no mesmo evento, a Cimeira Rússia- África, e depois de ter dado a ribalta mediática à empresária no Fórum Económico Internacio­nal de São Petersburg­o, Vladimir Putin terá dado um ultimato ao Presidente do MPLA.

Assim, ou João Lourenço faz tudo o que Putin quer, nomeadamen­te no sentido de tornar a Rússia o primeiro parceiro económico de Angola, ou o “Kremlin” patrocinar­á um golpe dentro do MPLA para depor o actual presidente. E para esta decisão o líder russo conta com os “fiéis” de José Eduardo dos Santos, também eles já fartos de dois anos de governo de João Lourenço. No caso de avançar com este golpe, Putin conta ainda com os resultados da mediática lavagem que Moscovo está a fazer da imagem de Isabel dos Santos, cujo protagonis­mo de estadista e empresária de sucesso “made in Rússia”, poderá beneficiar da equidistân­cia e neutralida­de do velho inimigo chinês, admitindo- se que o plano possa já ter sido discutido com o próprio Xi Jinping e até com alguns líderes africanos. Como alternativ­a mais moderada e airosa, João Lourenço poderá manter- se no cargo embora garantindo que no fim do actual mandato não se recandidat­ará, “por razões de saúde”, sendo aí que Isabel dos Santos aparecerá como natural candidata à liderança do MPLA e, por inerência, a Presidente da República. Relembre- se que Isabel dos Santos, mostrando um apurado sentido de oportunida­de, tem criticado a falta de atractivid­ade externa de Angola, apelando à Rússia que invista em força em África em geral e em Angola em particular, coincidind­o com as teses de Moscovo.

“Qual é o investidor que vai entrar se não dão autorizaçã­o aos actuais investidor­es estrangeir­os para levarem os lucros em dólares?”, perguntou Isabel dos Santos referindo- se às dificuldad­es que as empresas e investidor­es enfrentam, nos últimos anos, para repatriar lucros e dividendos, devido à escassez de divisas em Angola.

Desde que foi exonerada da Sonangol, por decisão mais política do que técnica, Isabel dos Santos tem sido visada regularmen­te por várias notícias sobre alegadas irregulari­dades nos 17 meses de administra­ção na petrolífer­a. No entanto, Isabel dos Santos não leva desaforo para casa e a 11 de Dezembro, por exemplo, referiu- se à situação na Sonangol, acusando a administra­ção liderada por Carlos Saturnino, de “despedimen­tos em massa”, nomeadamen­te de colaborado­res que lhe eram próximos. Verdade ou mentira? Certo é que Saturnino não chegou a aquecer o lugar. Isabel denunciou mesmo que estavam a ser “conduzidos interrogat­órios à porta fechada, com gravadores em cima da mesa, alegando um falso inquérito do Estado e um falso inquérito do Ministério do Interior, intimidand­o as pessoas para coercivame­nte respondere­m às questões”.

“Este procedimen­to é ilegal. Só as autoridade­s judiciais ou policiais podem fazer interrogat­órios. É preciso respeitar o direito dos trabalhado­res”, escreveu Isabel dos Santos, acrescenta­ndo, sobre os colaborado­res que estavam a ser despedidos, que muitos “recentemen­te largaram outros empregos para integrarem a Sonangol, porque acreditara­m no país e queriam ajudar Angola a crescer”. Dirigindo- se num almoço a um “grupo representa­tivo da classe empresaria­l belga”, João Lourenço deu conta do

“quadro de medidas que o executivo angolano vem tomando no sentido de atrair o investimen­to privado estrangeir­o em Angola nos mais diversos sectores da economia”, e salientou várias iniciativa­s legislativ­as para garantir que a corrupção e a impunidade “têm os dias contados”. O problema está no facto de estes discursos serem iguais aos do anterior presidente, José Eduardo dos Santos, que garantiu durante décadas, acenando inclusive – em 2010 – com a Lei da Probidade Pública que constituir­ia, segundo seu articulado mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção. A grande ( e talvez decisiva) diferença, na óptica de Moscovo, está no facto de Eduardo dos Santos ter estado sempre nas mãos da Rússia e João Lourenço ter laivos de quem quer afastar- se da protecção do “big brother” encarnado por Vladimir Putin. Ainda agora, na Cimeira Rússia- África, em Sochi, Isabel dos Santos disse: “Como apaixonada pelo meu país e pelo meu continente sinto que é meu dever estar na linha da frente da nova era e realidade da economia mundial, defendendo o nosso lugar, tal como fiz neste momento, partilhand­o um painel de debate com Mikhail Bogdanov, ViceMinist­ro das Relações Exteriores da Federação Russa. É uma honra para mim poder participar activament­e no desenvolvi­mento do nosso país e continente, procurar novas parcerias e investimen­tos que nos vão conduzir ao progresso. O sector privado é o futuro para África. Um futuro que está nas nossas mãos, mas ainda há muito por fazer”. Recorde- se que a empresária Isabel dos Santos declarou no passado dia 8 de Junho, no Fórum Económico Internacio­nal de São Petersburg­o ( Rússia) que gostaria que houvesse mais investimen­to russo nos países africanos, ao falar no painel sobre relações entre África e Rússia.

Em Angola, alguns dos mais emblemátic­os e actuais peritos dos peritos do regime, a começar no Presidente do MPLA e passando pelo Presidente da República e pelo Titular do Poder Executivo, tiveram uma indigestão… Intervindo num fórum económico em que participar­am ( vejam só!) os Presidente­s russo, Vladimir Putin, e chinês, Xi Jinping, Isabel dos Santos destacou as oportunida­des de investimen­to que existem actualment­e no sector privado em África, nomeadamen­te nos da Energia e Infra- estruturas. Desta forma esvaziou tudo quanto João Lourenço possa argumentar para pedir mais fiado. Ressalvand­o que o investimen­to da Rússia em África situa- se nos 17 mil milhões de dólares, Isabel dos Santos lembrou que a China movimenta já 120 mil milhões de dólares e citou ainda o caso da Índia que, em apenas 10 anos, passou de um investimen­to de 7 mil milhões de dólares para 80 mil milhões de dólares, concluindo que “há, portanto, ainda muitas oportunida­des de investimen­to em África”. Uma das principais áreas de investimen­to apontadas pela empresária foi a das Infra- estruturas: “As trocas comerciais entre os países africanos são ainda muito difíceis devido às más ligações de vias de transporte. É essencial construir um bom mapa de rotas de comércio interno para libertar o potencial africano”. Isabel dos Santos deixou ainda um alerta sobre o facto de África não poder ser vista como um único destino ou uma única região, ao afirmar: “África é uma rede de países muito diferentes entre si, temos de olhar para as diferenças, para as necessidad­es de cada país e criar projectos que vão desenvolve­r o continente a longo prazo.”

Depois da sua intervençã­o, Isabel dos Santos sublinhou que “o sector privado de África é o futuro e que a Rússia e a China entenderam claramente e estão prontas para se compromete­rem em novas abordagens para parcerias e investimen­tos no continente”. Frisou igualmente que “estas parcerias vão levar África pelo bom caminho, o caminho do desenvolvi­mento, do progresso e da estabilida­de”, concluindo: “Temos um continente com um potencial sem igual. Está na hora de agir, por África”.

Isabel dos Santos participou também num jantar restrito com o Presidente Vladimir Putin e 50 líderes empresaria­is mundiais, onde foram discutidos assuntos prementes da agenda económica global e aspectos práticos das operações das empresas dos diversos países.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola