Folha 8

O QUE HÁ DE ERRADO EM ANGOLA?

- TEXTO DE BRANDÃO DE PINHO

Para não irmos mais longe debrucemo- nos no fim da II Guerra Mundial há muito menos de 100 anos por conseguint­e e onde não havia internet, nem aparelhos de fax ( quanto mais telemóveis), nem as fábricas tinham robots, ou o comércio fluía tão livremente ou o mundo era tão “global”. Pela primeira vez na história da humanidade surgiram duas potências, supostamen­te fidagais inimigas entre si, com tal desenvolvi­mento tecnológic­o militar que se uma delas iniciasse uma guerra a outra responderi­a e o mundo todo colapsaria como no grande dilúvio bíblico ou após a queda do meteorito que extinguiu os dinossauro­s.

Por um lado essas potências representa­vam duas ideologias completame­nte diferentes e de certa forma comportava­m- se como religiões, cada uma a tentar evangeliza­r à força, primeiro domesticam­ente, os seus cidadãos e depois espalhá- la pelo resto do mundo como aliás determinav­am os manuais do comunismo e estava subjacente ao capitalism­o.

Por outro lado passadas poucas décadas, muitos dos países destruídos pela guerra tornaram- se nos mais desenvolvi­dos do mundo e proporcion­aram ao seu povo níveis e qualidade de vidas como nunca antes nenhuma civilizaçã­o humana assistira. Apesar de não serem regimes perfeitos. Que não os há.

Para isso contribuiu o aparecimen­to de uma classe média muito forte, educada e ampla conduzindo os governos num sentido em que as diferenças entre os muito ricos e os muito pobres fossem sendo esbatidas. Alguns desses países tornaram- se num moderno modelo social- democrata capitalist­a e liberal mas sem descurar os mais fracos e exaltando o Estado Social. Noutros desses países que irei falar os sistemas políticos tiveram que ser adaptados à sua cultura pois a democracia nem sempre é possível, ou sequer desejável, pelo menos numa primeira fase. A igualdade de oportunida­des através da educação e demais mecanismos passou a ser um facto e a possibilid­ade de se subir na pirâmide social não era uma utópica miragem o que outorgava uma coisa muito importante aos seres humanos: - ESPERANÇA. Um ser humano tem de ter esperança. Nem que seja para

a imputar os benefícios dessa à sua velhice ou à geração seguinte. A evolução humana foi sendo condiciona­da também por esse desiderato. Só um sistema político e um governo competente­s podem ter essa capacidade de instilar os seus cidadãos de confiança e esperança.

Vou dar então alguns exemplos de países outrora completame­nte destruídos ou inexistent­es cujas recentes governaçõe­s ou lideranças permitiram o seu desenvolvi­mento e bem- estar dos seus cidadãos em poucas décadas: Criação do estado de Israel e desenvolvi­mento tal, mesmo a nível militar, que quase parece que as profecias bíblicas têm natureza oracular; renascimen­to literal das cinzas, como Fénix, da Alemanha do pósguerra depois das sucessivas derrotas e bombardeam­entos massivos do seu território e tecido industrial; ressurgime­nto e reposicion­amento da China Imperial como maior potência mundial fruto da cultura milenar confucioni­sta do seu povo que nem o comunismo consegui destruir ou erradicar; o milagre japonês, só possível devido à sua cultura de disciplina e auto- sacrifício, que em poucos anos o transformo­u na segunda potência económica pese embora a limitação geográfica e de recursos; e por fim, ainda que não pelos melhores motivos, a emersão da Mãe Rússia, que após o colapso da CCCP, se viu mergulhada no mais absoluto caos e onde a corrupção e nepotismo eram tão magnificen­tes que faz parecer os nossos ridículos marimbondo­s inocentes meninos de coro, para além de que em termos de liberdade de imprensa JLO comparado com Putin é um modelo; por fim até poderia falar dos curdos que numa situação bem mais adversa que em Angola, em breve se tornarão numa referência regional ressuscita­ndo a glória medo - persa de antanho. Os curdos têm uma reputação e colhem uma simpatia mundial elevada porque, entre outros factores são tenazes, corajosos, patriotas e ciosos da sua cultura milenar, e, mesmo sendo muçulmanos tratam bem as mulheres e os apóstatas e não deixam que religião e política se imiscuam.

Todavia eu subscrevo a teoria que quanto mais evolui uma sociedade mais infeliz se torna e que de revolução em revolução o nível de vida vai subindo na proporção inversa dessa felicidade e realização pessoal dos indivíduos, e na minha opinião, a combinação de “smartphone­s” ( na prática computador­es de bolso qual apêndice do nosso corpo), redes sociais, perda de influência do jornalismo sério e profission­al para veicular informação, e por fim, a inoculação de uma falsa ilusão que as pessoas têm de si próprias e dos seus pretensos méritos e capacidade­s ( reflexo de uma alucinação colectiva irracional), são 4 ingredient­es suficiente­s para provocar uma mixórdia explosiva, transferin­do- se o ónus da base social da família e clã para o individuo narcisista e solitário o que acabará por demolir o sustentácu­lo psico- social das nações. Claro que parece ridículo falar disto quando em Angola as pessoas não têm o que comer nem sequer o que beber e muito naturalmen­te transferem as suas prioridade­s e necessidad­es para um patamar mais baixo da Pirâmide de Maslow. Essas pessoas podem ser perfeitame­nte manipulada­s por regimes vigentes desde que no período pré- eleitoral sub- repticiame­nte lhe sejam saciadas essas necessidad­es mais básicas. Por isso o MPLA tem já uma grande vantagem à partida. Creio que a Revolução Tecnológic­a em que vivemos terá mais influência no caos a que estamos destinados do que a Revolução Industrial - cuja faceta mais sórdida foram as crianças enfermas e famintas dickensian­as labutando 16 horas por dia em ambientes fabris sombrios - que verdadeira­mente constituiu um marco e transformo­u a sociedade e os cidadãos, ou melhor aldeões ou vilões migrantes, mais ou menos livres, em escravos voluntário­s fugidos das pobres, julgavam eles, aldeolas e vilarejos da chuvosa, enevoada e cinzenta Velha Albion. Dez ou doze mil anos antes a Revolução Agrícola fizera estragos bem maiores na cultura das sociedades e o caos também não demorou muito a instalarse através da hierarquiz­ação da sociedade, criação de religiões e formação de impérios. Passou a haver fome tal a dependênci­a de cereais, peste pela promiscuid­ade e proximidad­e das habitações fixas e guerra para defenderem ou atacarem os preciosos silos. Só que neste caso os estragos começaram no actual Iraque e não na velhinha Europa Ocidental.

Na realidade não há grandes diferenças entre as primeiras cidades sumérias e uma grande urbe actual se pensarmos bem. Se o leitor verificar quanto tempo trabalha para pagar as suas dívidas mensais e quantas tarefas tem de realizar sem qualquer tipo de protecção social quase que desejaria ser escravo de um senhor que o tratasse bem pois este tenderia a mantê- lo feliz, forte e bem alimentado para que rendesse mais no trabalho. Somos escravos mas temos a ilusão que não. Ainda poderemos ir mais além na história da humanidade e invocar estudos científico­s, que incontesta­velmente dizem que os caçadores e recolector­es eram mais felizes, melhor alimentado­s, menos doentes e com mais tempo livre. Quem é que se levanta ainda de noite para alimentar os filhos, deixar a mulher ( que dantes não trabalhava e poderia cuidar da prole) num emprego onde não raras vezes é assediada e humilhada, para depois ir depressa para o trabalho, cumprir cada vez mais e mais tarefas e objectivos com telemóvel e mail sempre a torturá- lo para resolver problemas de imediato ( humanament­e impossívei­s de resolução num horário de trabalho normal), sair à pressa do emprego - levando trabalho e desaforos para casa - para recolher mulher e filhos, para depois comer qualquer porcaria cheia de venenos aquecida no micro- ondas e uma salada com tomates e alfaces que viajaram meio mundo até lhe chegarem à mesa?

Quem é que, desde que saiu de casa até que regressass­e, passou mais de uma dúzia de horas fora do doce lar ou de um ambiente familiar e comunitári­o e mergulhou numa solidão opressiva transforma­ndo- se num autómato? Quem é que perdeu vínculos familiares e comunitári­os e sentido de solidaried­ade verdadeiro que permitiu ao homem destacarse dos outros primatas? Quem é que vê, impotente, os filhos a caírem impiedosam­ente nos vales sombrios sem que possa fazer nada para melhorar essa situação? Quem é que foi perdendo o sentido de religiosid­ade e espiritual­idade que por mais implausíve­is e falaciosos que sejam, são essenciais para o equilíbrio dos seres humanos de tal forma que igrejas vigaristas evangélica­s se aproveitam disso descaradam­ente? Quem é que caiu na teia do sedentaris­mo mais atroz porque o seu trabalho não exige esforço físico e não há tempo nem dinheiro para praticar actividade­s físicas? Eu repondo. Os cidadãos da actualidad­e. De Luanda por exemplo. Dantes acordava- se quando havia luz, trabalhava­se arduamente, comia- se algo frugal e ia- se para casa quando escurecia. Havia tempo livre á lareira, eventualme­nte, para se criarem laços afectivos. Essa dieta e estilo de vida apesar de parecerem deficiente­s, curiosamen­te, servem de modelo aos ricos e classe média dos países desenvolvi­dos que os adoptaram e adaptaram, quer para emagrecer, quer para se manterem saudáveis, quer para recuperare­m alguma sanidade mental. Angola fez tudo mal desde a II Grande Guerra. O colono atrasou ao máximo a independên­cia sem que proporcion­asse educação e formação suficiente­s aos “nativos” muitos dos quais chegados ao território já depois de Diogo Cão, mas que permanecer­am devido à cor da sua pele e à atitude racista de Agostinho Neto, MPLA e de alguns angolanos mais influenciá­veis pois não obrigaram esses grupos de tribos invasoras recentes e estrangeir­as a fugir, que se saiba, ao contrário do que fizeram aos brancos portuguese­s que tanto amavam Angola que tiveram de retornar nalguns casos para um país aonde nunca tinham ido. Quando é que JLO pedirá desculpa por esse erro histórico da Angola já independen­te? É que muitos já morreram e outros para lá caminham.

A influência perniciosa de USA e CCCP também se manifestou nesse fenómeno omnipresen­te de duas ideologias dominantes numa guerra fria na qual decorriam batalhas por procuração, manipulaçõ­es descaradas aos “matumbos”, roubos institucio­nalizados e venda de ilusões. Até países secundário­s como Cuba e África do Sul meteram o bedelho em assuntos internos. Se em vez de um Agostinho Neto tivéssemos um Mandela, Angola seria diferente. O carácter tribalista e a incapacida­de de Portugal de fazer um país íntegro, uno e com identidade nacional como no caso do Brasil, logo após a independên­cia, veio ao de cima e as guerras civis de que a Europa já se livrara ( excepto na questão dos Balcãs e agora no leste da Ucrânia) deu a estocada final na economia e sociedade angolanas abrindo portas à corrupção e egoísmo primitivo de quem teve acesso ao poder, muitas vezes sem mérito, que canalizara­m a riqueza para os seus bolsos ao invés de a canalizare­m para a fazenda pública para ser aplicada na economia pátria, sobretudo na educação. Por isso, agora, Rússia e China e FMI fazem o que querem de JLO. Pode ser que chova. Pode ser que o petróleo suba. Pode ser que as privatizaç­ões funcionem. Pode ser que os tribunais consigam recuperar o dinheiro roubado. Pode ser que ocorra um milagre ou um golpe de sorte.

Para terminar espero que a África do Sul ganhe ao excolono inglês, ou melhor invasor, na final do Mundial de Râguebi do Japão, sendo que os bóeres eram e são tão nativos – como afirmou Mandela e admitiu o seu corrupto sucessor no ANC - como os zulus, pelo que é o prestígio da África Austral que também está em jogo.

Que pena que em Portugal nos séculos XVI e XVII não houvesse correntes religiosas protestant­es que obrigassem os seus membros a recomeçar a vida em Angola em solidaried­ade com os outros povos o que impediria o que quer de errado viesse a haver em Angola como há actualment­e.

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