SUBSERVIÊNCIA SALOIA DA CASA - CE
Aliás, essa sessão parlamentar, como quase todas, foi um autêntico Carnaval. Apesar de “discordar” de um dos símbolos, a “bandeira nacional de Angola semelhante à bandeira do MPLA”, a CASA- CE votou favoravelmente o documento de acordo, aliás, com as ordens superiores recebidas do… MPLA.
“Votamos a favor porque entendemos que o que se traz aqui não é aprovarmos novos símbolos, mas é estabelecer um conjunto de regras no sentido da utilização e respeitabilidade dos símbolos nacionais. O Estado angolano tem símbolos nacionais e, enquanto existirem, temos a obrigação de os respeitar”, fundamentou o deputado Lindo Tito com, reconheça- se, um brilhantismo de raciocínio e de coerência política digna de ombrear com os mais célebres sipaios de era colonial. No seio da UNITA, o maior partido na oposição que o MPLA ( ainda) permite, o deputado Adalberto Costa Júnior argumentou que a actual bandeira de Angola, a insígnia e o hino “não são factores de consenso por carregarem representatividade partidária”. “Por isso, não simbolizam a unidade nacional que todos permanentemente apelamos. Os símbolos nacionais não devem acarretar vantagens e privilégios para uns e penalidades para outros”, apontou. Aquando da discussão na generalidade a oposição ( isto é, a UNITA) centrou o debate na necessidade de alterar a bandeira do país, adoptada a 11 de Novembro de 1975… pelo MPLA, dada a semelhança à do partido no poder desde a mesma data, o MPLA, mas também do hino nacional, que “apenas reconhece heróis do 4 de Fevereiro”, data histórica do início da luta armada para a independência de Angola. No relatório de fundamentação, o MPLA/ Estado/ executivo sublinhou que os símbolos nacionais são sinais distintivos de importante valor histórico que, para além de expressarem a dimensão patriótica mais profunda de Angola ( a Angola do MPLA, entenda- se), representam a soberania, a independência nacional, a unidade nacional e a integridade do Estado.
Segundo o documento, o objectivo principal deste diploma, entre outros associados ou complementares, é “densificar os dispositivos constitucionais sobre os símbolos nacionais, bem como promover o conhecimento massivo, o respeito e a utilização uniforme dos símbolos nacionais”. No final do debate, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” ( do MPLA), chamou a atenção para o facto de “a maioria” ter estado “deslocada” do assunto, sublinhando que análise da proposta era para a “deferência aos símbolos nacionais, quaisquer que eles sejam, os actuais ou os futuros”.
“Qualquer que seja o teor da bandeira, nós vamos ter que respeitá- la, vamos ter que hasteá- la nos palácios, nos órgãos de soberania nacional. Nós vamos no fim, mesmo depois das discussões na especialidade, com uma nova bandeira ou um novo hino, nós vamos aprovar as deferências, os actos de respeito, de homenagem, pelos símbolos”, disse o presidente do Parlamento do MPLA, certo que está que – nesta como em todas as outras questões – o MPLA é Angola e Angola é o MPLA.
O MPLA e a sua liderança, enquistada nos ensinamentos perenes e nobres dos tempos de partido único ( que se mantêm), engravidada pelas não menos nobres qualidades da ditadura, corrupção, branqueamento e exploração de escravos, continua a mostrar que se está nas tintas para a democracia. E tem razão. A democracia foi imposta. E para derrotar tudo o que é imposto, dizem que a luta continua e a que a vitória é certa. E essa luta faz- se contra um Povo que, consideram, por ser ignorante continua a não perceber o que verdadeiramente é relevante: que o MPLA é Angola e Angola é o MPLA. Aliás, o MPLA não tem a mínima noção do que é o país. Para ele, Angola é tão- somente o que o partido e os seus dirigentes entenderem que deve ser. E nessa equação não entra a opinião das pessoas pois, como se sabe, para pensar por elas é que existe o partido. Por alguma razão, como todos sabemos, os símbolos ditos nacionais são iguais, ou até os mesmos, aos do MPLA. As personalidades relevantes da sociedade são as do MPLA, os heróis são os do MPLA, tudo é do MPLA.
Nem mesmo a moeda, dita nacional, escapa a essa visão mesquinha, retrógrada e tumoral do guia supremo do Povo, o MPLA. Lá estão as esfinges de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Mais uma vez, aquela que poderia, e deveria, ser uma moeda nacional nada mais é do que um instrumento partidarizado que perpetua, ou tenta perpetuar, a supremacia dos dirigentes do MPLA, como se pertencessem a uma casta superior, como se se vivesse ( como eles julgam que vivem) ainda nos tempos da escravatura em que todos os não servos do MPLA nada mais fossem do que escravos.
A bandeira Nacional não é mais do que uma cópia da do MPLA, não representa todas as matizes da sociedade. Mas isso é irrelevante no contexto das democracias mais avançadas e nas quais se inspira o MPLA. São os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial. Aliás, basta dar uma volta pelo mundo para ver que as bandeiras de quase todos os países reflectem a imagem do partido dominante… Recorde- se que em 2003, a Comissão Constitucional ficou de propor novos símbolos nacionais, acabando por apresentar em 28 de Agosto de 2003 uma proposta para a nova bandeira de Angola. Recordam- se? Seria uma bandeira dividida em cinco faixas horizontais. As faixas inferior e superior azuis escuras, representariam a liberdade, a justiça e a solidariedade. As duas faixas intermédias, de cor branca, representariam a paz a unidade e a harmonia. A faixa central de cor vermelha, representaria o sacrifício, tenacidade e heroísmo. No meio da faixa vermelha ficaria um sol amarelo com 15 raios, composto de três círculos irregulares concêntricos. A imagem era inspirada nas pinturas rupestres de Tchitundo- Hulu, na província do Namibe. O sol simbolizaria a identidade histórica e cultural e a riqueza de Angola.
O Hino Nacional é também do tempo de partido único e a letra é de visão socialista e, como seria inevitável, é da autoria de dois militantes do… MPLA ( Manuel Rui Monteiro e Rui Mingas): “Angola, avante! Revolução, pelo Poder Popular! Pátria Unida, Liberdade, Um só povo, uma só Nação!” Depois surge a bestialidade, a mediocridade, o anacronismo do Bilhete de Identidade. Mais uma vez o reverencial canino, o culto da personalidade, levaram o regime a nele colocar as fotos de Eduardo dos Santos e Agostinho Neto, uma clara postura ditatorial monárquica.
Não simbolizam a unidade nacional que todos permanentemente apelamos. Os símbolos nacionais não devem acarretar vantagens e privilégios para uns e penalidades para outros
Ao dizer que a presença da empresária Isabel dos Santos na Cimeira Rússia-áfrica, na cidade de Sochi, foi “por vontade própria e que como filha de uma cidadã russa é a coisa mais natural que esteja na Rússia”, João Lourenço mostrou o que os mais atentos já sabiam. Ou seja, a sua pequenez intelectual não permite que seja, ou ambicione ser, um Estadista.
É claro que nem todos pensam assim. Por exemplo, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.
Bem dizia Eça de Queiroz, provavelmente antecipando a pequenez intelectual dos políticos portugueses, que “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”. Vejamos, por exemplo, o que disse Guerra Junqueiro, num retrato preciso e assertivo desses mesmos políticos portugueses que, recorde- se, foram os pais e irmãos dos nossos políticos mais proeminentes, todos do MPLA, desde António Agostinho Neto a João Lourenço, passando – é claro – por José Eduardo dos Santos.
Talvez a grande maioria dos angolanos não saiba quem foram Eça de Queiroz e Guerra Junqueiro. Mas não se apoquentem com isso. João Lourenço também não sabe… Guerra Junqueiro referiu- se aos portugueses como: “um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo- lhe a vara ao ponto de fazer dela saca- rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar”. Regressemos, para melhor perceber o nanismo intelectual de alguns dos nossos dirigentes, ao brilhantismo bacoco de Marcelo Rebelo de Sousa. Disse ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.
“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez. Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo que até faz com que os dirigentes do MPLA pensem que são gigantes.
De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia.
“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes, desde Álvaro Cunhal a Rosa Coutinho, passando por Vasco Gonçalves, José Sócrates, António Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho, Jerónimo de Sousa, Jaime Gama, Ferro Rodrigues e tantos outros.