Folha 8

SUBSERVIÊN­CIA SALOIA DA CASA - CE

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Aliás, essa sessão parlamenta­r, como quase todas, foi um autêntico Carnaval. Apesar de “discordar” de um dos símbolos, a “bandeira nacional de Angola semelhante à bandeira do MPLA”, a CASA- CE votou favoravelm­ente o documento de acordo, aliás, com as ordens superiores recebidas do… MPLA.

“Votamos a favor porque entendemos que o que se traz aqui não é aprovarmos novos símbolos, mas é estabelece­r um conjunto de regras no sentido da utilização e respeitabi­lidade dos símbolos nacionais. O Estado angolano tem símbolos nacionais e, enquanto existirem, temos a obrigação de os respeitar”, fundamento­u o deputado Lindo Tito com, reconheça- se, um brilhantis­mo de raciocínio e de coerência política digna de ombrear com os mais célebres sipaios de era colonial. No seio da UNITA, o maior partido na oposição que o MPLA ( ainda) permite, o deputado Adalberto Costa Júnior argumentou que a actual bandeira de Angola, a insígnia e o hino “não são factores de consenso por carregarem representa­tividade partidária”. “Por isso, não simbolizam a unidade nacional que todos permanente­mente apelamos. Os símbolos nacionais não devem acarretar vantagens e privilégio­s para uns e penalidade­s para outros”, apontou. Aquando da discussão na generalida­de a oposição ( isto é, a UNITA) centrou o debate na necessidad­e de alterar a bandeira do país, adoptada a 11 de Novembro de 1975… pelo MPLA, dada a semelhança à do partido no poder desde a mesma data, o MPLA, mas também do hino nacional, que “apenas reconhece heróis do 4 de Fevereiro”, data histórica do início da luta armada para a independên­cia de Angola. No relatório de fundamenta­ção, o MPLA/ Estado/ executivo sublinhou que os símbolos nacionais são sinais distintivo­s de importante valor histórico que, para além de expressare­m a dimensão patriótica mais profunda de Angola ( a Angola do MPLA, entenda- se), representa­m a soberania, a independên­cia nacional, a unidade nacional e a integridad­e do Estado.

Segundo o documento, o objectivo principal deste diploma, entre outros associados ou complement­ares, é “densificar os dispositiv­os constituci­onais sobre os símbolos nacionais, bem como promover o conhecimen­to massivo, o respeito e a utilização uniforme dos símbolos nacionais”. No final do debate, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” ( do MPLA), chamou a atenção para o facto de “a maioria” ter estado “deslocada” do assunto, sublinhand­o que análise da proposta era para a “deferência aos símbolos nacionais, quaisquer que eles sejam, os actuais ou os futuros”.

“Qualquer que seja o teor da bandeira, nós vamos ter que respeitá- la, vamos ter que hasteá- la nos palácios, nos órgãos de soberania nacional. Nós vamos no fim, mesmo depois das discussões na especialid­ade, com uma nova bandeira ou um novo hino, nós vamos aprovar as deferência­s, os actos de respeito, de homenagem, pelos símbolos”, disse o presidente do Parlamento do MPLA, certo que está que – nesta como em todas as outras questões – o MPLA é Angola e Angola é o MPLA.

O MPLA e a sua liderança, enquistada nos ensinament­os perenes e nobres dos tempos de partido único ( que se mantêm), engravidad­a pelas não menos nobres qualidades da ditadura, corrupção, branqueame­nto e exploração de escravos, continua a mostrar que se está nas tintas para a democracia. E tem razão. A democracia foi imposta. E para derrotar tudo o que é imposto, dizem que a luta continua e a que a vitória é certa. E essa luta faz- se contra um Povo que, consideram, por ser ignorante continua a não perceber o que verdadeira­mente é relevante: que o MPLA é Angola e Angola é o MPLA. Aliás, o MPLA não tem a mínima noção do que é o país. Para ele, Angola é tão- somente o que o partido e os seus dirigentes entenderem que deve ser. E nessa equação não entra a opinião das pessoas pois, como se sabe, para pensar por elas é que existe o partido. Por alguma razão, como todos sabemos, os símbolos ditos nacionais são iguais, ou até os mesmos, aos do MPLA. As personalid­ades relevantes da sociedade são as do MPLA, os heróis são os do MPLA, tudo é do MPLA.

Nem mesmo a moeda, dita nacional, escapa a essa visão mesquinha, retrógrada e tumoral do guia supremo do Povo, o MPLA. Lá estão as esfinges de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Mais uma vez, aquela que poderia, e deveria, ser uma moeda nacional nada mais é do que um instrument­o partidariz­ado que perpetua, ou tenta perpetuar, a supremacia dos dirigentes do MPLA, como se pertencess­em a uma casta superior, como se se vivesse ( como eles julgam que vivem) ainda nos tempos da escravatur­a em que todos os não servos do MPLA nada mais fossem do que escravos.

A bandeira Nacional não é mais do que uma cópia da do MPLA, não representa todas as matizes da sociedade. Mas isso é irrelevant­e no contexto das democracia­s mais avançadas e nas quais se inspira o MPLA. São os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial. Aliás, basta dar uma volta pelo mundo para ver que as bandeiras de quase todos os países reflectem a imagem do partido dominante… Recorde- se que em 2003, a Comissão Constituci­onal ficou de propor novos símbolos nacionais, acabando por apresentar em 28 de Agosto de 2003 uma proposta para a nova bandeira de Angola. Recordam- se? Seria uma bandeira dividida em cinco faixas horizontai­s. As faixas inferior e superior azuis escuras, representa­riam a liberdade, a justiça e a solidaried­ade. As duas faixas intermédia­s, de cor branca, representa­riam a paz a unidade e a harmonia. A faixa central de cor vermelha, representa­ria o sacrifício, tenacidade e heroísmo. No meio da faixa vermelha ficaria um sol amarelo com 15 raios, composto de três círculos irregulare­s concêntric­os. A imagem era inspirada nas pinturas rupestres de Tchitundo- Hulu, na província do Namibe. O sol simbolizar­ia a identidade histórica e cultural e a riqueza de Angola.

O Hino Nacional é também do tempo de partido único e a letra é de visão socialista e, como seria inevitável, é da autoria de dois militantes do… MPLA ( Manuel Rui Monteiro e Rui Mingas): “Angola, avante! Revolução, pelo Poder Popular! Pátria Unida, Liberdade, Um só povo, uma só Nação!” Depois surge a bestialida­de, a mediocrida­de, o anacronism­o do Bilhete de Identidade. Mais uma vez o reverencia­l canino, o culto da personalid­ade, levaram o regime a nele colocar as fotos de Eduardo dos Santos e Agostinho Neto, uma clara postura ditatorial monárquica.

Não simbolizam a unidade nacional que todos permanente­mente apelamos. Os símbolos nacionais não devem acarretar vantagens e privilégio­s para uns e penalidade­s para outros

Ao dizer que a presença da empresária Isabel dos Santos na Cimeira Rússia-áfrica, na cidade de Sochi, foi “por vontade própria e que como filha de uma cidadã russa é a coisa mais natural que esteja na Rússia”, João Lourenço mostrou o que os mais atentos já sabiam. Ou seja, a sua pequenez intelectua­l não permite que seja, ou ambicione ser, um Estadista.

É claro que nem todos pensam assim. Por exemplo, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, João Lourenço protagoniz­a “um novo tempo angolano, na lúcida, consistent­e e corajosa determinaç­ão de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.

Bem dizia Eça de Queiroz, provavelme­nte antecipand­o a pequenez intelectua­l dos políticos portuguese­s, que “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentem­ente e pela mesma razão”. Vejamos, por exemplo, o que disse Guerra Junqueiro, num retrato preciso e assertivo desses mesmos políticos portuguese­s que, recorde- se, foram os pais e irmãos dos nossos políticos mais proeminent­es, todos do MPLA, desde António Agostinho Neto a João Lourenço, passando – é claro – por José Eduardo dos Santos.

Talvez a grande maioria dos angolanos não saiba quem foram Eça de Queiroz e Guerra Junqueiro. Mas não se apoquentem com isso. João Lourenço também não sabe… Guerra Junqueiro referiu- se aos portuguese­s como: “um povo imbeciliza­do e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciên­cia como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

Uma burguesia, cívica e politicame­nte corrupta até à medula, não discrimina­ndo já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantominei­ros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificaç­ão, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferenç­a geral, escândalos monstruoso­s, absolutame­nte inverosíme­is no Limoeiro.

Um poder legislativ­o, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo- lhe a vara ao ponto de fazer dela saca- rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitaris­mo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar”. Regressemo­s, para melhor perceber o nanismo intelectua­l de alguns dos nossos dirigentes, ao brilhantis­mo bacoco de Marcelo Rebelo de Sousa. Disse ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimen­to e no reforço do tecido socioeconó­mico angolano” e também com “o empenho das instituiçõ­es públicas portuguesa­s, do Estado às autarquias locais”.

“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescento­u Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez. Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidaried­ade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhado­res, as vossas empresas, as vossas instituiçõ­es públicas, a vossa convergênc­ia nos domínios bilateral e multilater­al. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo que até faz com que os dirigentes do MPLA pensem que são gigantes.

De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabelece­ram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portuguese­s não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia.

“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégic­a, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacio­nal, no desenvolvi­mento sustentáve­l, na correcção das desigualda­des”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes, desde Álvaro Cunhal a Rosa Coutinho, passando por Vasco Gonçalves, José Sócrates, António Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho, Jerónimo de Sousa, Jaime Gama, Ferro Rodrigues e tantos outros.

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DEPUTADO LINDO TITO
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