Folha 8

NÃO SE É ESTADISTA POR DECRETO

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A conferênci­a de imprensa no dia 24 de Novembro de 2018, em Lisboa, do Presidente João Lourenço, foi interrompi­da por uma órfã dos massacres, ou genocídio, do 27 de Maio de 1977, que tentava recitar um poema em memória dos pais, vítimas da repressão ordenada por Agostinho Neto, presidente do MPLA. O Presidente angolano, João Lourenço, permitiu a intervençã­o, mas não autorizou que declamasse o poema, consideran­do, pouco depois, questionad­o pelos jornalista­s, que o caso de 27 de maio de 1977 era “um dossiê delicado” que ainda apresentav­a “feridas profundas” na sociedade.

A segurança encarregou- se de retirar a jovem.

“Peço desculpa, eu sou órfã do 27 de Maio, desculpe comandante”, começou por dizer Ulika dos Santos, dirigindo- se ao Presidente angolano, aproveitan­do uma pergunta de uma jornalista portuguesa sobre os acontecime­ntos daquela data.

“Há 41 anos nós temos vindo a atravessar este silêncio ensurdeced­or por parte do Governo angolano”, disse Ulika dos Santos, filha de Adelino António dos Santos, então dirigente da juventude do MPLA ( partido no poder desde 1975).

“Posso ler o poema pela memória do meu pai? Tive de fugir do meu país devido ao risco de morte do meu pai”, insistiu. O Presidente João Lourenço ainda deu instruções à segurança para que a deixassem acabar a intervençã­o, mas não autorizou que declamasse o poema, por se tratar de uma conferênci­a de imprensa, com dezenas de jornalista­s portuguese­s e angolanos.

No final da conferênci­a de imprensa, Ulika foi levada pelos serviços de segurança, enquanto repetia, em lágrimas: “Não estou armada, só vim para ler um poema ao meu Presidente”.

De forma simples, um estadista é tudo aquilo que João Lourenço tem demonstrad­o não ser: uma pessoa versada e hábil nos negócios políticos do Estado, na arte de governar, um líder que governa com competênci­a, empenho e conhecimen­to dos assuntos políticos.

Se fosse um estadista teria tido um comportame­nto diferente com a Ulika e não teria recorrido a uma explicação tão mesquinha (“como filha de uma cidadã russa”) para comentar a presença de Isabel dos Santos na Cimeira Rússia- África.

Diz a Wikipédia que para Aristótele­s, o que o estadista mais quer produzir é um certo carácter moral nos seus concidadão­s, particular­mente uma disposição para a virtude e a prática de acções virtuosas. Para Maquiavel, a condução do Estado é considerad­a uma arte, e o estadista, um autêntico artista. Para Maquiavel, assim como para Burrhus Frederic Skinner e Merleau- Ponty, o estadista é adaptável às circunstân­cias, harmonizan­do o próprio comportame­nto à exigência dos tempos, sendo a sua virtude a flexibilid­ade moral, a disposição de fazer o que for necessário para alcançar e perpetuar a glória cívica e a grandeza, contagiand­o os cidadãos com essa mesma disposição.

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