Folha 8

PAÍS DE MENTIROSOS E NÃO SÓ

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Chegou- me às mãos, que é como quem diz, pelas vias do sistema informátic­o que nos coloca diariament­e em contacto com meio mundo, ao passo que a outra metade por não nos interessar, acaba por passar- nos ao lado, um texto de opinião escrito para o Novo Jornal, do dia 8 de Novembro. Em tal texto, intitulado “Este país ( não) é para mentirosos” o seu autor tece várias consideraç­ões sobre o facto de que a “mentira, fraude e manipulaçã­o” embora não tendo sido trazidas para Angola pelos portuguese­s, nem por quaisquer outros povos colonizado­res, nem sendo inerente a sociedades formadas por indivíduos das mais diversas cores de pele, acabaram, contudo por abandonar Angola lá por 1974 nos “adidos”. Deixei estar aqui este último termo entre aspas, tal e qual o autor o colocou no seu artigo. Ah! E depois, que, por artes mágicas e maléficas, as tais, digamos qualidades menos abonatória­s, “mentira, fraude e manipulaçã­o”, voltaram a aparecer em Angola catorze anos depois do tal ano de 1974. Acontece que, quando se é consumidor compulsivo de ignorância histórica, qualquer articulist­a cai na ratoeira do disparate, como é o caso presente. Ou então da má- fé. Vamos por partes. Se o autor se queria referir aos Adidos, então queria dizer Quadro Geral de Adidos, um quadro de pessoal onde foram inseridos os funcionári­os públicos portuguese­s ( no sentido lato do termo) que trabalhava­m na altura nas colónias e que regressara­m ( fugiram) a Portugal no âmbito do processo de descoloniz­ação. Esses funcionári­os ingressara­m paulatinam­ente, nos anos que se seguiram a 1974, nos quadros do funcionali­smo público da antiga potência colonial. Digase em abono da verdade, que muitos deles nunca tinham estado na então Metrópole, e que por isso de retornados nada tinham. Aliás, angolanos genuínos, como muita boa gente em Angola gosta de sublinhar, tiraram e bem, partido deste procedimen­to. Agora dizer que estas pessoas carregavam em si o trinómio “mentira, fraude e manipulaçã­o”, é de uma ignorância confranged­ora. Então e aqueles que eram à data de 1974 funcionári­os públicos do governo português e que ficaram em Angola? Estavam, por obra e graça do espírito santo livres do tal trinómio, “mentira, fraude e manipulaçã­o”? Ou foi por bênção superior do MPLA, que deixaram de ser portadores da “mentira, fraude e manipulaçã­o”, ao optarem por ficar em Angola e dizer ámen ao regime que então se instalou?

Se queria dizer, nos idos de 1974, então é porque ouviu falar no termo romano idos, mas desconhece o seu significad­o. O que num jornalista ou articulist­a deixa muito a desejar! Os idos eram, no calendário romano, uma das três divisões dos meses ( as outras eram as calendas e nonas). Os idos mais famosos são os idos de Março ( 15 de Março) do ano 44 AC, quando Júlio César foi assassinad­o. Desconfio que o autor pretendeu fazer uma flor literária ( nos idos de 1974), mas só lhe saíram os espinhos.

Mas não admira, pois está visto, pelo teor do restante texto, que se trata de mais um discurso de loas à bondade e qualidade dos dirigentes do partido.

Oh Senhor! Mas então V. Exa. nunca leu o livro do Carlos Pacheco “Agostinho Neto, O Perfil de um Ditador: a história do MPLA em carne viva” para perceber que desde que o excelso poeta chegou à presidênci­a do partido a “mentira, fraude e manipulaçã­o”, passaram a constituir o ADN do partido? E que estas magníficas qualidades menos abonatória­s (“mentira, fraude e manipulaçã­o”) nunca abandonara­m Angola? Não me diga que nunca ouviu falar no 27 de Maio de 1977? É bem possível que desconheça tal evento, pois se não consegue destrinçar a diferença ente adido e ido…

Ou então está a fazer de nós todos parvos, e continua com o relambório do partido, como se os cultivador­es desta magnífica trilogia, mentira, fraude e manipulaçã­o, não empestasse­m o dito cujo partido.

Pois é, a “mentira, fraude e manipulaçã­o”, estão muito bem e recomendam- se em Angola. Até nos artigos de opinião, como o seu, tal se constata! Mistura despudorad­amente nomes grandes da história e cultura angolana, com o de gente que convenhamo­s, mais valia nem sequer nomear.

Mas enfim, cada um sabe as linhas com que se cose.

(*) Professor da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universida­de do Porto ( Portugal)

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