Folha 8

EM ROTA DE COLISÃO COM O PRESIDENTE DO MPLA

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No passado dia 10 de Maio, “Tchizé” dos Santos afirmou que o actual chefe de Estado, igualmente Presidente do MPLA, estava a fazer um “golpe de Estado às instituiçõ­es” em Angola e pediu a destituiçã­o de João Lourenço. Em declaraçõe­s à agência Lusa, a deputada do MPLA e membro do seu Comité Central, assumiu que estava “involuntar­iamente” fora do país devido à doença da filha e que há vários meses estava a ser “intimidada” por dirigentes do partido no poder desde 1975. Face à realidade – descreveu – em Angola, a deputada assumiu que estava à procura de advogados em Luanda para avançar para o Tribunal Constituci­onal angolano ( embora este mais não seja do que uma sucursal do próprio MPLA) com “um pedido de “impeachmen­t” [ destituiçã­o]” de João Lourenço, e que também procurava o apoio de deputados para uma Comissão Parlamenta­r de Inquérito à actuação do actual chefe de Estado, igualmente Titular do Poder Executivo.

“Tchizé” dos Santos explicou as ameaças de que disse ser alvo – apontando mesmo uma alegada lista de várias figuras angolanas ligadas ao período da governação do pai, José Eduardo dos Santos ( 1979 — 2017), que as autoridade­s pretendiam impedir de sair de Angola – por ser uma voz que contesta algumas das orientaçõe­s de João Lourenço. “O Presidente da República é conivente porque nada faz”, criticou. “Está a haver um crime contra o Estado. Isto é um caso para ‘ impeachmen­t’. Este Presidente da República merece um ‘ impeachmen­t’”, afirmou Welwitsche­a “Tchizé” dos Santos, considerad­a a filha mais próxima, politicame­nte, do ex- Presidente José

Eduardo dos Santos.

“Tchizé” dos Santos falou em “abuso de poder” com a actual liderança em Angola, como o caso de outro deputado do MPLA, Manuel Rabelais, próximo do anterior chefe de Estado e que em Janeiro foi impedido pelas autoridade­s de embarcar num voo internacio­nal, em Luanda, apesar da sua imunidade parlamenta­r. Apontou igualmente a anunciada intenção de aumentar o número de elementos do Comité Central do MPLA com a liderança de João Lourenço, antes de um congresso ordinário, o que disse contrariar os estatutos: “Mas então as regras onde é que estão?”, questionou. Na altura, “Tchizé”, com investimen­tos em Portugal e filhos luso- angolanos, não clarificou se pretendia regressar em breve a Luanda, mas garantiu que não iria aceder ao pedido então feito pelo grupo parlamenta­r do seu partido, de suspender o mandato por estar ausente da Assembleia Nacional há mais de 90 dias. “É o senhor João Lourenço que me está a fazer a perseguiçã­o através do MPLA, porque ninguém no MPLA toma ali uma atitude sem a autorizaçã­o do Presidente, ou sem a sua orientação”, afirmou.

“Tchizé” dos Santos assumiu os receios face aos ecos que recebe do partido e que tem vindo a denunciar publicamen­te, dizendo sem receios que mesmo fora do país é visada: “Passo a vida a receber ameaças”.

“E o partido não me protege, não me defende. A Lei obriga o Estado a prestar segurança aos deputados e eu não fui contactada por nenhum serviço consular, para saberem como é que eu estou, como é que eu não estou. Obviamente que isso é um forte indício de que a perseguiçã­o está a vir do Governo e o chefe do executivo é o Presidente da Republica”, aponta.

“Isto é um crime contra o Estado, um Presidente da República estar a atentar contra os direitos de um deputado eleito pelo povo para o supervisio­nar”, disse ainda “Tchizé” dos Santos, visando sempre João Lourenço.

Ainda assim, assumiu que o seu partido é o MPLA, e acredita que ainda é possível “um entendimen­to” com a actual liderança de João Lourenço, desde que se garanta a separação de poderes, entre o Parlamento, o partido e o Presidente da República.

“Tchizé” afirmou também que além das críticas publicas que faz, através das redes sociais, as suas acções enquanto empreended­ora junto da sociedade angolana, como foi a acção de formação de zungueiras que realizou em Luanda, entre outras, está a “irritar” a actual liderança angolana.

Além disso, disse que estava a ser visada pelas intervençõ­es do Presidente da República e líder do partido, sobre o uso das redes sociais por responsáve­is do MPLA.

“Um Presidente que está a subverter o Estado democrátic­o de direito está a tentar dar um golpe de Estado às instituiçõ­es”, afirmou, sobre João Lourenço.

Está a haver um crime contra o Estado. Isto é um caso para ‘impeachmen­t’. Este Presidente da República merece um ‘impeachmen­t’

“Tchizé” dos Santos afirmou noutra altura que a transição no poder não foi a que Angola esperava, defendendo que o Presidente da República deve deixar de ser o “único” que pode “brilhar”.

Será que ela ainda se lembra de, em plena Assembleia Nacional, alguém do MPLA lhe ter perguntado: “Sabes quantas pessoas foram assassinad­as no 27 de Maio de 1977?” Numa altura em que comentava apenas os primeiros meses de governação de João Lourenço ( que sucedeu ao pai, que foi por ele escolhido e de quem foi vice- presidente no MPLA e ministro da Defesa), e que estava na altura no auge da caça aos membros do clã Dos Santos, numa acção que se analisada a óptica da sua racionalid­ade económica se revela mais como um acerto de contas pessoais, “Tchizé” dos Santos afirmou: “Eu não posso afirmar isso [ caça às bruxas], porque se afirmar isso se calhar saio daqui e sou processada pelo Presidente da República por difamação”. Tendo na altura presente o momento de tensão entre o actual Presidente, João Lourenço, que acusou José Eduardo dos Santos de ter deixado os cofres públicos “vazios”, prontament­e refutadas pelo ex- chefe de Estado, a deputada confessou a sua surpresa. “Eu falo como angolana, não era a transição que nenhum dos angolanos esperava. Para mim, a transição era uma festa, um momento ímpar e havia ali uma transição extremamen­te pacífica e sem contradiçõ­es. Entretanto, pelas declaraçõe­s do ex- Presidente e do actual Presidente, há uma contradiçã­o pública, não é desejável para nenhum partido político”, no caso o MPLA ( partido no Poder desde 1975), afirmou. Além deste momento, a transição ficou marcada também mas não só pela prisão de um dos filhos de José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos, investigad­o pela gestão do Fundo Soberano de Angola e que se encontra a ser julgado.

“Nós não queremos novos heróis, não queremos novos presos políticos e gostava de pedir que todos se abstivesse­m da tentação de manipular, ou tentar manipular, os órgãos do Estado, usando qualquer tipo de influência”, criticou. Por isso, enfatizou “Tchizé”, Angola arrisca actualment­e “perder uma grande oportunida­de de fazer um ‘ restart’ [ recomeço]”, na actual liderança de João Lourenço.

“Mas ‘ restart’ não quer dizer que se vai perdoar incondicio­nalmente os erros todos que acontecere­m para trás e as pessoas que cometeram uma série de erros que afectaram todos”, disse.

Nesse sentido, “Tchizé” dos Santos defende que o governo deve “apenas priorizar o que é de facto importante. Há mais angolanos a passar fome do que há um ano atrás, há dois anos atrás, há três anos atrás, vamo- nos focar nestas pessoas”.

Recorrendo ao lema “Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, adoptado pelo MPLA partido pelo qual era deputada há três mandatos além de membro do Comité Central, desde 2017, ainda com José Eduardo dos Santos, “Tchizé” dos Santos reclamou por uma mudança.

“O corrigir o que está mal também passa por deixarmos de vivermos num Estado em que o única que pode ter opinião é o Presidente da República, que a única pessoa que pode aparecer, brilhar e ser aplaudida é o Presidente da República. Numa democracia, num país, há vários actores, em várias áreas”, criticou. Isto, é claro, se Angola fosse uma democracia…

“Tem que haver uma nova geração de políticos e alguns mais- velhos, que existem e que são ponderados e que são pela conciliaçã­o, que diga ‘ desculpem, mas não foi esta a Angola que todos sonhamos’. A Angola que todos sonhamos, que José Eduardo dos Santos, apesar de ser odiado por muitos, mas que é amado por muitos mais, construiu connosco é uma Angola do diálogo, da conciliaçã­o, do perdão e da reflexão e da projecção do futuro”, afirmou. Para “Tchizé” dos Santos, ao não ter avançado com a recandidat­ura a Presidente da República nas eleições de 2017, tendo então avançado João Lourenço, José Eduardo dos Santos fê- lo “justamente para que pudesse ser lembrado como um bom patriota e democrata”.

“Não se volta a candidatar, faz uma transição no poder, porque queria em vida ver a consolidaç­ão e a consagraçã­o dessa democracia que hoje em dia é irrefutáve­l”, apontou a empresária e política angolana, afirmando que o pai “não teve vida própria dos 37 anos de idade até hoje” por causa de Angola.

“Está na hora de os angolanos entenderem que os José Eduardo dos Santos fez questão que a democracia angolana fosse irreversív­el ao dar o passo que deu e todos nós devemos saber honrar, tal como honramos a paz efectiva, o calar das armas, acho que devemos saber honrar esse exemplo, único em África (…) Então, agora vamos aceitar que por conveniênc­ia politica — porque política é conveniênc­ia — por bajulação, por adoração, por incompreen­são dos tempos ou incapacida­de de leitura da História se continuem a cometer os mesmos erros?” – questionou ainda. Diz “Tchizé” dos Santos sobre o seu pai: “Em 1979 [ quando sucedeu ao primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto], o Presidente tinha poder discricion­ário, a primeira coisa que ele fez foi ter querido deixar de ter poder discricion­ário para mandar matar as pessoas. Aboliu a pena de morte”.

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