DELAÇÃO (BEM) PREMIADA?
Oex- governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, co - arguido no processo da suposta transferência indevida de 500 milhões de dólares para fora do país, disse em tribunal que toda a operação “ultra sigilosa” foi comandada pelo ex- Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Valter Filipe está a ser interrogado pelo Tribunal Supremo de Angola, ao qual propôs fazer um ponto prévio para explicar “passo por passo” muitos factos, que disse não serem do conhecimento do tribunal e por se tratar de um processo que foi complexo e confidencial.
A proposta do co- arguido, que acusou o actual governador do BNA, José de Lima Massano, de ter prestado falsas declarações na instrução do processo, foi rejeitada pelo juiz da sessão, João Pitra, que argumentou que o réu terá muito tempo para apresentar os esclarecimentos que considera necessário.
O antigo governador do BNA disse que quando foi nomeado, o sistema financeiro do país se encontrava numa crise profunda, pelo que havia o plano de reestruturação do banco central angolano, da banca privada e pública. Relativamente ao processo em julgamento, em que é acusado de burla por defraudação, branqueamento de capitais e peculato na forma continuada, Valter Filipe contou que em Junho de 2017, depois de uma reunião de Conselho de Ministros foi informado à saída do encontro que o então chefe de Estado angolano pretendia falar consigo e também com o ministro das Finanças na altura ( e que continuou nessas funções por escolha do actual Presidente, João Lourenço), Archer Mangueira. Segundo o co- arguido, na reunião, José Eduardo dos Santos entregou a ambos um documento que tinha o timbre do banco BNPB Paribas, e pediu para ler a carta que solicitava a apresentação de uma proposta de um financiamento, através de um sindicato bancário.
De seguida, prosseguiu, o então Presidente disse que aquela era uma boa oportunidade de financiamento, para a produção nacional, que não iria endividar o Estado, pedindo que contactassem os proponentes.
O co- arguido contou ainda que depois de contactados os proponentes, nomeadamente o co- arguido José Filomeno dos Santos, ex- presidente do Fundo Soberano de Angola e filho do ex- Presidente, e o co- arguido Jorge Gaudens Pontes Sebastião, sócio maioritário da Mais Financial Services, aconteceu a primeira reunião em Lisboa, da qual fez também parte Hugo Onderwater, da parte dos proponentes.
O então ministro das Finanças chefiou a delegação e no regresso a Luanda José Eduardo dos Santos pediu um parecer conjunto sobre o assunto, para posteriores decisões.
De acordo com Valter Filipe, antecipadamente o então ministro das Finanças enviou um parecer a José Eduardo dos Santos, sem o seu conhecimento, mas no encontro com o Presidente, este apercebendo- se que o documento não era conjunto, decidiu pela sua anulação.
No mesmo dia, Valter Filipe disse ter contactado os co - arguidos José Filomeno dos Santos e Jorge Gaudens Pontes Sebastião para melhores explicações de todo o mecanismo financeiro, “que era complexo”, tendo sido criada uma comissão, que elaborou um parecer do BNA. Nessa sequência, o co- arguido disse ter ligado a Archer Mangueira para dizer que ia pedir uma audiência ao Presidente da República para a entrega do parecer, salientando que este inicialmente recusou- se a ir ao encontro, porque já tinha emitido o seu parecer, mas entretanto mudou de ideias.
Valter Filipe descreveu ainda que recebeu, entretanto, um telefonema do director do gabinete do Presidente a informá- lo que a audiência já não seria conjunta, mas apenas com aquele co- arguido. Na audiência, explicou Valter Filipe, o Presidente terá dito que havia dificuldades de agenda do ministro e que os proponentes não queriam relacionar- se com o Governo, mas sim com o banco central, tendo- o orientado a coordenar a equipa e a elaborar um cronograma para a operação, que foi aprovado por José Eduardo dos Santos. Segundo Valter Filipe, o Presidente disse- lhe que pretendia que o financiamento se iniciasse antes da sua saída do cargo, porque alegadamente não podia sair da presidência deixando o país e o novo chefe de Estado ( por si escolhido) sem financiamento, porque seria ele o culpado da crise financeira.
O co- arguido referiu que em todo o processo levantou a questão da reputação do banco, porque meses antes tinha estado em Inglaterra a apresentar o plano de reestruturação do BNA, apesar de considerar aquela uma oportunidade para Angola naquele contexto de crise cambial que o país vivia.
Para o co- arguido, aquele processo marcou a relação mais profunda que manteve com José Eduardo dos Santos, lembrando que o Presidente lhe pediu que rezasse para a operação ter sucesso, o mesmo que já vinha dizendo ao então chefe de Estado, que a solução de Angola só dependia de muita oração e de muito jejum.
Sobre todo o processo, Valter Filipe disse que não fez nada sem a orientação de José Eduardo dos Santos, que foi quem dirigiu todo o processo, que deveria acontecer no espaço de um mês, antes da sua saída da presidência face às eleições gerais em Agosto de 2017.
Valter Filipe, que durante o interrogatório chorou por duas vezes, afirmando o quanto é difícil a situação “para uma pessoa que defende a ética e a moral”, disse que tinha competência para ordenar a transferência dos 500 milhões de dólares ( cerca de 450 milhões de euros) e que toda a operação foi lícita, por isso não houve camuflagem nem tentativa de defraudação. Recorde- se que, em Maio de 2016, Valter Filipe, reconheceu que a banca do país estava a ser colocada “à margem” do sistema financeiro mundial, numa aparente alusão à falta de acesso dos bancos angolanos ao circuito internacional de divisas, por dúvidas dos reguladores internacionais sobre credibilidade das instituições angolanas. Para Valter Filipe era necessário colocar “ética e moral” na banca angolana, devendo esta ser colocada ao “serviço do bem comum”. “Devemos fazê- lo implementando em Angola as normas prudenciais e as boas práticas nacionais e internacionais, e todas as normas de combate ao branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo, porque estamos a ficar numa situação em que está a ser colocado o sistema financeiro angolano à margem do sistema financeiro mundial. E isto é grave para a prosperidade das nossas famílias”, apontou o então