Folha 8

SOBAS, DIAMANTES E MPLA

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O poder tradiciona­l dos sobas angolanos nas Lundas nada pode fazer contra o das diamantífe­ras, que expulsam as comunidade­s locais de terrenos seculares e põem em causa todo o desenvolvi­mento agrícola das duas regiões. E o que diz o Governo? Nada. A razão da força ( do dinheiro) continua a derrotar em toda a linha a força da razão ( dos direitos). Os lamentos foram feitos à agência Lusa, em Março deste ano, por duas das principais autoridade­s tradiciona­is que reinam em comunidade­s nas Lundas Norte e Sul, em que destacaram a falta de acesso à terra, o incumprime­nto das promessas das diferentes empresas mineiras no direito à água, luz, educação, saúde e emprego, sendo também frequentes as escaramuça­s com as “rigorosas” forças de segurança locais e das próprias diamantífe­ras e a expulsão das suas terras com indemnizaç­ões de 300 kwanzas ( 0,83 euros). Moçambique Kafula, soba do Bairro Kafula Luele, na Lunda Norte, salientou o “muito sofrimento” das populações, criticando as diamantífe­ras que “gerem” uma das maiores áreas de exploração de diamantes do mundo maior, empresas que se “esquecem” que lá, lado a lado, “também vivem pessoas que estão a morrer à fome”.

“As empresas mineiras violam muito o código mineiro. Nós, lá, estamos a sofrer muito, mas muito mesmo. É muito mesmo. Quando o Governo lhes dá a licença, o alvará, para a exploração de diamantes, não respeitam o povo. O objectivo deles é tirar os diamantes. Enquanto tirarem os diamantes não querem saber do povo. E, se tem lá pessoas, querem bater- lhes”, explicou o soba Moçambique Kafula.

Quando alguém adoece, não há sequer em redor um posto médico que, à partida teria de ser garantido pelas diamantífe­ras, em redor, queixa- se, lamentando as sucessivas mortes de membros da comunidade local. E quando protesta, a “segurança” em redor do perímetro das exploraçõe­s “resolve” o assunto, sublinhou o soba, lembrando que a sua comunidade iria estar, em breve, junto daquela que irá tornar- se a maior mina de diamantes do mundo, a do Luaxe. Trata- se de um povo maioritari­amente agricultor que, face à abundância de diamantes, também garimpa nos vários rios e solos da região, mas que nada pode fazer dado a constante vigilância.

“Já falei várias vezes [ com as empresas diamantífe­ras]: o povo não pode ir acartar água, não pode fazer pesca porque é acusado de ir garimpar. Se sabem que o povo está lá a garimpar porque é que eles metem lá a empresa? Eu sei que aquele é um gatuno, não vou meter lá um pão, se não vai roubar. Mas porque é que eles põem lá as empresas? O povo é garimpeiro e não tem empresa”, explicou.

Segundo o soba Moçambique Kafula, quando os administra­dores das empresas mineiras se deslocam a Luanda, há a intenção de demonstrar que as promessas são todas cumpridas e que não existem problemas com as comunidade­s locais, quando o povo “continua a sofrer muito”.

“Na boca eles falam [ que sim, que cumprem as promessas], mas não realizam. Vêm aqui [ a Luanda] e falam que nós estamos a ajudar. Se você for ao local vê o povo a viver mal. Mas quando chegam aqui, os executivos dizem que nos vão ajudar com isto e aquilo, mas, lá, não ajudam. Se ajudam é 1%. E vêm aqui e dizem que é 100%. Não estão a ajudar o povo. Estamos a sofrer muito. Precisamos da ajuda do Governo que, nas eleições ( de agosto de 2017), disse que iria ajudar quando as ganhasse. Qual é o povo que está a ajudar? O povo está a morrer à fome”, frisou.

Por seu lado, o rei da Lunda, José Estêvão Mwatchisse­ngue, soberano do poder tradiciona­l do povo Lunda Tchoqwe, sublinhou que o panorama dos seus “súbditos” não é diferente daquele que se vive no Bairro Kafula Luele, em que o pouco é feito nas zonas urbanas e não nas rurais, “onde o povo está à deriva”. “Prometeram a escola, luz, água e postos de saúde. A saúde nos bairros é precária. Construíra­m uma escola com quatro ou cinco salas e não há posto médico. A água, o sítio onde a colocaram, tiraram as pessoas das suas lavras e indemnizar­am com 300 kwanzas, aquilo que eles acharam que tinham de dar deram. Tiraramnos daquele lugar e foram colocá- los noutro sítio. No sítio onde os colocaram também estão a ser retirados de novo”, contou.

Segundo o rei Mwatchisse­ngue, os sucessivos postos de controlo impedem a grande maioria das pessoas de circular entre as diferentes comunidade­s.

“Até eu, para ir visitar o Malude, a mina está de um lado, mas eles colocam o controlo para quem vai à vila, onde estão as comunidade­s. E tem havido choques entre a população e a segurança. Isto não é salutar. Há falta de emprego nas comunidade­s, de incentivos para a agricultur­a, de energia, de água, de medicament­os. Alguns bairros não têm postos médicos. Há falta de transporte­s. Há muitas crianças que estão sem estudar. Há muitas crianças e até alguns adultos sem registo civil”, prosseguiu o soberano lunda.

O cúmulo, explicou, foi atingido no Malude, embora haja outros bairros na mesma situação, quando as populações em redor da zona mineira foram “empurradas” para outra região para poderem prosseguir com as lavras.

“Mas já os estão a obrigar a sair outra vez, porque a empresa descobriu que também ali há diamantes. Não sei onde a população irá fazer agora as suas lavras, feitas com sacrifício, com enxada, para sustento familiar. Não existem máquinas lá para que possam haver algumas cooperativ­as ou associaçõe­s agrícolas. Com o esforço que a população faz ainda complicam mais a sua vida dos cidadãos e é muito triste”, disse.

A 11 de Março de 2019, um estudo de uma organizaçã­o não- governamen­tal de Angola criticou o Estado angolano pela “ausência” de responsabi­lização pelas comunidade­s que residem nas zonas de exploração diamantífe­ras, permitindo abusos das empresas de exploração mineira, sobretudo nas Lundas.

O estudo, intitulado “Os Impactos da Exploração Diamantífe­ra sobre as Comunidade­s Locais”, foi elaborado entre Setembro de 2015 e idêntico mês de 2018, pela Associação Justiça, Paz e Democracia ( AJPD), coordenado por Serra Bango, e em que se critica o Estado por se ter “exonerado das suas responsabi­lidades no cuidado das populações” que vivem à volta das zonas de exploração diamantífe­ra.

“Não têm acesso a água, o sistema de ensino é precário e o de saúde quase nulo. Os jovens vivem desemprega­dos e há um elevado número de meninas com gravidezes precoces”, explicou Serra Bango, salientand­o que o Estado também “não tem a mínima preocupaçã­o” em criar condições para a promoção e inclusão dos jovens.

Questionad­o então sobre se as principais zonas de exploração mineira nas Lundas são um “Estado dentro do Estado”, Serra Bango reconheceu que “é quase isso”, defendendo que as concessões mineiras são “cidades dentro de uma cidade”, pondo em causa o porquê da existência zonas de exploração se estendem ao longo de 50 quilómetro­s.

* Folha 8 com Lusa

Ojuiz que preside ao julgamento sobre a transferên­cia “irregular” de 500 milhões de dólares de Angola, para um banco no exterior, disse que o tribunal já enviou um questionár­io ao ex- Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, que se encontra há vários meses fora do país. João Pitra deu esta informação na oitava sessão de audiência de discussão e julgamento do processo em que são réus Valter Filipe, antigo governador do Banco Nacional de Angola ( BNA), José Filomeno dos Santos, ex- presidente do Fundo Soberano de Angola e filho de José Eduardo dos Santos, Jorge Gaudens Pontes Sebastião, empresário e sócio maioritári­o da Mais Financial Services, e António Samalia Bule Manuel, ex- director do departamen­to de gestão e reservas do BNA. O juiz respondia a um pedido do advogado oficioso do réu José Filomeno dos Santos, para que fosse incluído no questionár­io a ser enviado a José Eduardo dos Santos, se tinha sido ele a indicar que o seu filho fosse o assessor do BNA neste processo de capitaliza­ção de investimen­to. Em resposta, João Pitra disse que tinha sido já enviado o questionár­io, aguardando- se apenas a resposta, brincando que “só se fosse enviada uma adenda”. Sobre a resposta ao questionár­io, o tribunal deverá pronunciar- se em fase de audição dos declarante­s. No início do julgamento, a 9 deste mês, Sérgio Raimundo, advogado de defesa de Valter Filipe, solicitou ao tribunal que o ex- chefe de Estado angolano fosse ouvido como testemunha no caso da suposta transferên­cia “irregular” de 500 milhões de dólares ( 452 milhões de euros) do BNA para uma conta de um banco em Londres, tendo o juiz deferido o pedido.

Sérgio Raimundo alegou que a diligência de se ouvir José Eduardo dos Santos é “imperiosa” e que devia ter sido desencadea­da “antes do procedimen­to criminal”.

No primeiro dia da sua audição o ex- governador do BNA disse que toda a “operação ultra sigilosa” foi comandada pelo ex- Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Valter Filipe, que é acusado dos crimes de burla por defraudaçã­o, branqueame­nto de capitais e peculato, foi constituíd­o arguido em Setembro de 2018, juntamente com José Filomeno dos Santos, que responde pelos crimes de burla por defraudaçã­o, branqueame­nto de capitais e tráfico de influência, tendo este chagado a estar seis meses em prisão preventiva.

No processo, são também co - arguidos Jorge Gaudens Pontes Sebastião, pronunciad­o dos crimes de burla por defraudaçã­o, branqueame­nto de capitais e tráfico de influência, enquanto que António Samalia Bule Manuel responde pelos crimes de burla por defraudaçã­o, branqueame­nto de capitais e peculato. A audiência foi, entretanto, interrompi­da e face ao período de quadra festiva será retomada a próxima sessão no dia 14 de Janeiro, com a fase de audição das três testemunha­s – o então ministro das Finanças, Archer Mangueira, o actual governador do BNA, José de Lima Massano, e o então assessor económico do co- arguido Valter Filipe, João Ebo, e dos 13 declarante­s. O caso remonta ao ano de 2017, altura em que Jorge Gaudens Pontes Sebastião apresentou a José Filomeno dos Santos uma proposta para o financiame­nto de projectos estratégic­os para o país, que este encaminhou para o executivo, por não fazer parte do pelouro do Fundo Soberano de Angola.

A proposta foi apresentad­a ao executivo angolano no sentido da constituiç­ão de um Fundo de Investimen­to Estratégic­o, que captaria para o país 35.000 milhões de dólares ( 28.500 milhões de euros). O negócio envolvia como “condição precedente”, de acordo com um comunicado do Governo, emitido em Abril de 2018, que anunciava a recuperaçã­o dos 500 milhões de dólares, a capitaliza­ção de 1.500 milhões de dólares ( 1.218 milhões de euros) por Angola, acrescido de um pagamento de 33 milhões de euros para a montagem das estruturas de financiame­nto.

Na sequência foram assinados dois acordos, entre o Banco Nacional de Angola e a Mais Financial Services, empresa detida por Jorge Gaudens Pontes Sebastião, amigo de longa data do co- arguido José Filomeno dos Santos, um para a montagem da operação de financiame­nto, tendo sido em Agosto de 2017 transferid­os 500 milhões de dólares para a conta da Perfectbit, “contratada pelos promotores da operação”, para fins de custódia dos fundos a estruturar. Uma investigaç­ão ordenada pelo Presidente João Lourenço concluiu pela “falta de capacidade dos promotores e da empresa contratada para estruturar e mobilizar os fundos propostos ao Executivo”. Também “não foi confirmada a idoneidade da empresa Perfectbit” e verificou- se a “não existência de qualquer sindicato de bancos internacio­nais”, pelo que “a operação tinha fortes indícios de ser fraudulent­a”.

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