MPLA EXIGE MAIS DOS SOBAS E REIS
No dia 18 de Junho, a então ministra da Cultura, Carolina Cerqueira, defendeu uma “reflexão aturada” sobre o papel das autoridades tradicionais, estimadas na altura em cerca de 50 mil. Tinha razão. É que já não basta estarem todas ao serviço do MPLA. Estão a perder o poder de determinar em quem é que as suas comunidades devem votar, o que é uma clara chatice. Carolina Cerqueira discursava na abertura do III Encontro sobre as Autoridades Tradicionais em Angola, que tinha entre vários objectivos fazer uma reflexão sobre o lugar e papel desse poder local nos processos de liderança comunitária e de autarquias locais e abordar formas para melhorar a organização das actividades das autoridades tradicionais, num contexto de mudança social e política. A governante sublinhou que a realização de uma reflexão aturada sobre o papel das autoridades tradicionais no processo de desenvolvimento de Angola só é possível de modo multidisciplinar, com vista a procurar compreender o percurso das mesmas. Segundo Carolina Cerqueira, tinham sido já realizados alguns trabalhos, sobretudo de quadros da área do direito, mas esses estudos encontram muito pouca conexão com as
outras disciplinas do conhecimento científico, relativamente a um melhor entendimento sobre a sua organização social, sistemas de parentesco, bem como políticos e religiosos, entre outros.
Para a ex- ministra, a discussão em Angola sobre as autoridades tradicionais devia exigir um estudo aturado e de coabitação para a coexistência normativa entre o direito formal e o direito costumeiro, este último exercido apenas pelos sobas, por razões históricas. “Se por um lado ao Estado formal se exige uma Constituição para declarar e instituir os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, delimitar os poderes do Estado ( legislativo, executivo e judicial), por outro lado, as autoridades tradicionais existem e exercem o seu poder por via de uma legitimidade ancestral, histórico- carismática, das dinastias, gerações ou famílias, que descendem das ancestrais autoridades fundadoras da comunidade”, referiu a ex- ministra.
O exercício de poder das autoridades tradicionais “não é plural”, sublinhou Carolina Cerqueira, é “restrito às elites de matriz cultural e de linhagem que, legitimadas pelos conselhos eleitorais tradicionais, assenta em práticas de exclusão para quem não pertença à linhagem ou à comunidade étnica”. Contudo, é um facto que o processo colonial português veio a contribuir para que as autoridades tradicionais acabassem por ser “completamente deturpadas, desfeitas e rearranjadas”, vincou Carolina Cerqueira, acrescentando que em consequência algumas acabaram por ultrapassar as fronteiras do território nacional.
A ex- ministra da Cultura referiu que com a implantação das autarquias locais, cujas primeiras eleições estão previstas para 2020, a regulação da função administrativa formal das autoridades tradicionais venha a garantir a coesão social e contribua para a coesão nacional.
A titular da pasta da Cultura chamou a atenção para a multiplicidade de poderes, numa sociedade multiétnica e pósconflito como Angola, enaltecendo ( ordens superiores a isso obrigam) a posição do Governo sobre o gradualismo na implementação das autarquias, o principal ponto de divergência entre o executivo, partidos da oposição e algumas organizações da sociedade civil.
O funcionamento das autoridades tradicionais levantava ainda dúvidas, segundo Carolina Cerqueira, tendo em conta o conflito armado e mesmo depois do seu fim, que deu origem à mobilidade demográfica trans- étnica, questionando como agiram nesse período, como exerciam o poder nos novos lugares e junto de que populações. O Estado angolano reconhece a importância do poder local, apesar da lógica do seu funcionamento se reger por princípios próprios, que muitas vezes chocam com os princípios democráticos e com as regras do Estado de direito, admitiu Carolina Cerqueira. Nesse sentido, Carolina Cerqueira propôs a revisão do Estatuto das Autoridades Tradicionais, aprovado em 2008, para a sua adaptação ao novo quadro constitucional e jurídico do país.