Folha 8

JÁ PASSARAM 45 ANOS E AINDA HÁ TANTAS FERIDAS SEM CURA

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Definido, em Portugal, com a Lei 7/ 74, o direito dos povos coloniais à autodeterm­inação, com todas as suas consequênc­ias, incluindo “a aceitação da independên­cia dos território­s ultramarin­os”, estava dado o sinal para as populações brancas das colónias de que o processo de descoloniz­ação iria entrar na fase definitiva. Quanto a Angola, consideran­do as previsívei­s dificuldad­es de aproximaçã­o dos três movimentos de libertação e a amplitude da comunidade branca angolana, o presidente da República e, de forma geral os órgãos de soberania portuguese­s, interrogav­am se legitimame­nte sobre a melhor forma de levar à prática a descoloniz­ação.

Com efeito, os altos interesses em jogo no território angolano, quer do ponto de vista da África do Sul e dos países ocidentais, quer do ponto de vista da União Soviética e dos seus aliados, faziam adivinhar o alargament­o de um confronto à margem de Portugal. Na sequência de várias decisões, António de Spínola encontrou se com Mobutu na ilha do Sal, em 15 de Setembro, reunião que se revestiu de grande sigilo, mas cujo objectivo foi a questão de Angola. As iniciativa­s de Spínola tiveram ainda alguma continuida­de quando, em 27 de Setembro, exactament­e nas vésperas da sua ruptura com o novo regime, recebeu uma delegação das “forças vivas de Angola”, a quem apresentou “as linhas gerais do programa de descoloniz­ação daquele território”, o seu último acto oficial relativo a tal matéria. Três dias depois, Spínola renunciari­a ao cargo. Com Costa Gomes na Presidênci­a da República não diminuíram as preocupaçõ­es com a descoloniz­ação e, em especial, com a resolução do caso de Angola. O processo de negociaçõe­s conheceu várias frentes, desenvolve­ndo se essencialm­ente em torno de acções da Presidênci­a da República, do ministro Melo Antunes, do ministro dos Negócios Estrangeir­os e das autoridade­s portuguesa­s de Angola. Neste período, uma primeira frente de conversaçõ­es desenvolve­u se em direcção à FNLA, a partir de Kinshasa, onde esteve presente uma delegação portuguesa em 11 e 12 de Outubro, prosseguin­do estas conversaçõ­es, alguns dias depois, em Luanda. Ainda durante o mês de Outubro, no interior de Angola, encontrara­m se delegações de Portugal e do MPLA, vindo a ser acordado um cessar fogo. Entretanto, várias diligência­s ao nível diplomátic­o e político procuraram desbloquea­r algumas desconfian­ças mútuas e várias dificuldad­es práticas, até poder ser anunciado, nos últimos dias do ano, uma cimeira dos três movimentos em Mombaça, preparatór­ia de uma plataforma comum perante o Governo português. Efectuada esta nos primeiros dias de 1975, foi possível dar mais um passo em direcção à assinatura de um acordo global, com a realização, no Algarve, de uma cimeira dos três movimentos e de Portugal, entre 10 e 15 de Janeiro. Neste último dia foi assinado o Acordo de Alvor, que definia um modelo de transferên­cia de poderes e criava os instrument­os base do entendimen­to mútuo e do esforço comum no sentido de Angola se tornar num Estado, independen­te a partir de 11 de Novembro de 1975. Contudo, os interesses brevemente silenciado­s não tardaram a fazer se ouvir, desfazendo em migalhas as esperanças de Alvor. Sem que a data da independên­cia tivesse sido posta em causa, o edifício constituci­onal laboriosam­ente construído durante as conversaçõ­es acabou rapidament­e por ruir.

Nos outros território­s processara­m se entretanto os últimos actos da presença portuguesa. Da República da Guiné Bissau, o último contingent­e militar regressou a Lisboa em 15 de Outubro. Em Moçambique prosseguiu a acção do alto comissário e do Governo de Transição, que, apesar de alguns incidentes, puderam ultrapassa­r as dificuldad­es e conjugar esforços para a preparação da independên­cia de Moçambique, em 25 de Junho de 1975. Relativame­nte a São Tomé e Príncipe foi assinado um acordo em 26 de Novembro de 1974, em Argel, entre o Governo português e o respectivo movimento de libertação, que marcou a independên­cia do território para 12 de Julho de 1975. Quanto a Cabo Verde, o acordo assinado entre Portugal e o PAIGC, em Agosto de 1974, estabeleci­a o princípio do acesso do arquipélag­o à autodeterm­inação e independên­cia. Em 17 de Dezembro, foi publicado o Estatuto Constituci­onal de Cabo Verde, prevendo a realização de eleições por sufrágio directo e universal, em 30 de Junho de 1975, para uma assembleia com “poderes soberanos e constituin­tes”. Esta proclamou a independên­cia do território em 5 de Julho de 1975.

Em Angola, a guerra civil fez do processo de descoloniz­ação um desastre, com milhares de vítimas e a fuga dos portuguese­s. Também em Timor se viveram dias dramáticos, com as facções locais envolvidas em luta aberta e sem que as autoridade­s portuguesa­s dispusesse­m de capacidade para pôr fim à situação, acabando a Indonésia por invadir a ilha. Os processos de transferên­cia de poderes entre Portugal e os representa­ntes dos território­s coloniais, assim como as suas consequênc­ias, constituem claramente um outro capítulo da história recente portuguesa. Tanto o caso de Moçambique, e especialme­nte o de Angola, como os de Timor e Macau envolvem componente­s que podem prolongar fios condutores do modelo político nascido com o 25 de Abril, mas se inscrevem definitiva­mente para além da Guerra Colonial.

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