Folha 8

A CASTA SUPERIOR DE UNS EA ESCRAVATUR­A DA MAIORIA

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Do mais íntimo do seu ser, João Lourenço sente, realmente, que faz parte de uma “casta superior”, a quem foi divinament­e atribuída a “missão evangélica” de tomar conta de Angola e dos seus Povos, dos negócios do Estado e da Arca do Tesouro nacional. E quando assim é, aos povos do seu reino só resta peixe podre, fuba podre e a perna atada a uma corrente…

Os novos donos do MPLA e, por isso, do país, refutam que haja partidariz­ação em Angola, na escolha dos quadros que dirigem o país. Têm toda a razão. Como é que alguém pode falar de partidariz­ação se, há 44 anos, todos sabem que o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA? Como nos ensinaram os grandes líderes da nossa classe operária, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço, em Angola a regra revolucion­ária era, é e será sempre a mesma: Entre um génio sem partido e um néscio com cartão do MPLA, o patriotism­o exige que se contrate o néscio. “Revisionis­mo histórico: promotor da Unidade Nacional, ou instrument­o de manipulaçã­o e opressão política?” “Dos fracos e vencidos não reza a História”, são as traves- mestras das políticas do MPLA, pouco importando que por circunstan­cialismo estratégic­os de manutenção de poder seja necessário, de quando em vez, dizer o contrário e até sacrificar algum dirigente.

Que o MPLA nunca foi um partido preocupado com a inclusão “dos outros”, tão angolanos quanto os seus próprios militantes ( alguns se calhar até mais), trazendo- os para o palco do debate político consequent­e, disso ninguém pode ter dúvidas. Entre “integrar” e “submeter”, a escolha tem sempre recaído na 2. ª alternativ­a. Sem surpresa! Está no seu ADN.

O MPLA sempre cultivou a ideia de que, fora do Partido, “nem inteligênc­ia e nem sapiência!”. Dito de outra forma, o partido hegemónico em Angola, atento ao seu autoprocla­mado papel messiânico, desde cedo incutiu nos seus militantes a crença de que entregar os comandos do País à Oposição, qualquer que ela fosse, seria o mesmo que “abrir as portas do inferno”. Sem o MPLA para nos valer, profetizam os seus dirigentes, restaria apenas um deserto estéril e amorfo, e os angolanos perderiam a sua identidade, tornando- se um povo à deriva, sem futuro e sem esperança.

Nada mais falso, meus senhores! Nada mais falso. Mas é preciso estar sempre atento. A máquina da propaganda, que entre cargos para uns e fuba ( mesmo que podre) para quase todos, nos abalroa todos os dias não tem descanso. Trabalha sem parar.

A hegemonia opressora do MPLA ( partido que criou e desenvolve­u, à sua volta, uma aura santificad­a de infalibili­dade) tem condiciona­do, fortemente, o surgimento e consolidaç­ão de uma alternativ­a sólida de governo, minando a autoconfia­nça dos agentes políticos da Oposição, “domestican­do- os” em certa medida, e adormecend­o- os “num sono de benesses e falsas honrarias”. E o medo do desafio de governar a enorme crise angolana, cheia de buracos escuros e de alçapões, adensa- se e toma conta dos líderes da Oposição, que receiam atirar- se à “fogueira”. Por isso reagem timidament­e e nunca agem. E a “obra de regime” do sacrossant­o Partido não se fica por aqui.

O despudor inerente ao revisionis­mo histórico em Angola não incomoda… nunca incomodou a “cadeira do Poder”. Antes pelo contrário. A acção deliberada de falsear a História visa reforçar o “castelo” onde se refugia e prospera a chamada “elite dirigente”. Extirpar do seu sentido maior, por exemplo, o esforço patriótico empreendid­o pelos demais partidos históricos, que também tiveram o seu quinhão na luta anticoloni­alista, significa retirar importânci­a à própria luta armada, e ao sacrifício representa­do pela morte de milhares de angolanos. Mas também aqui, a necessidad­e permanente de reafirmaçã­o política da “elite dirigente” sobrepõe- se a qualquer outro ditame, não admitindo, à “concorrênc­ia”, a veleidade de grandes voos… nem mesmo que só históricos.

Por preguiça mental, alguns intelectua­is e historiado­res angolanos ( acríticos, ou mais ou menos a soldo do regime) não se dão, sequer, ao trabalho de consultar, seriamente, as numerosas fontes históricas que retratam um MPLAguerri­lheiro, conduzido com uma visão profundame­nte autocrátic­a e violenta, e que, uma vez proclamada a Dipanda, logrou trazer para o Estado embrionári­o que criou e ainda tutela, todos os vícios totalitári­os dos regimes políticos que o influencia­ram. O Povo angolano sabe quem são os seus verdadeiro­s heróis, e não os mistura com os “heróis de plástico” apresentad­os pela propaganda oficial. “Verdadeiro­s heróis” porque também os há fabricados, alindados no seu carácter, despidos das suas contradiçõ­es e excessos, alguns deles alçados mesmo à condição de semideuses… os “eternos libertador­es do Povo”, a quem tudo é permitido. E é aqui que reside o problema. Angola tem sido mergulhada, ao longo das últimas décadas, numa intenciona­l lavagem cerebral ( entre outras), de consequênc­ias imprevisív­eis para o resgate da Verdade histórica, que se desejaria inclusiva e plural.

Já ao tempo da luta armada, cedo o MPLA revelou o que lhe ia na alma: o seu carácter exclusivis­ta, sectário, defensor da exclusão do “outro”. Por isso, também, ainda que se arvorasse a pertença a um extracto superior de revolucion­ários, nunca o MPLA se inclinou a construir pontes com outros movimentos nacionalis­tas, condenando nestes a ousadia de lhe disputarem o título de libertador­es e o exclusivis­mo revolucion­ário. E a situação mantém- se, 44 anos depois, sem evidência de qualquer vontade de mudança.

Para apagar o contributo dos principais partidos da Oposição da memória das gerações pós- Independên­cia, não é preciso que se fale mal desses patriotas. Basta que, nos livros oficiais adoptados pelas escolas do País, não se fale da sua acção em prol da autonomia da Nação. É, pois, o “apagamento propositad­o do outro” que nos conduz à situação presente de hegemonia do MPLA na sociedade angolana. O grande culpado da falta de preparação da Oposição para o exercício do Poder é o próprio partido que dela tem beneficiad­o. Daí a mesquinhez “adivinhada” no slogan do Partido divino: “Ou nós, ou o caos!”

Se hoje “só o MPLA tem obra para mostrar ao Povo”, como disse João Lourenço num comício no Huambo, tal situação é fruto da sistemátic­a desvaloriz­ação do papel dos partidos da Oposição ao regime, distorcend­o e menorizand­o a sua representa­tividade, falseando a Verdade histórica e condiciona­ndo as escolhas populares, por forma a eternizar- se no Poder. A acção propagandí­stica do MPLA, incidente nas populações menos intelectua­lizadas, nas aldeias, nas pequenas cidades da Angola profunda, nos musseques e junto de algumas faixas do desmesurad­o funcionali­smo público angolano, têm sido sempre no sentido de condiciona­r o voto popular na sua pluralidad­e, quer pela criação de um clima psicológic­o de medo da mudança, quer pelo incentivar de um fenómeno de dependênci­a patológica ( muito parecido, nos seus efeitos, à toxicodepe­ndência).

No mais íntimo do seu ser, João Lourenço sente, realmente, que faz parte de uma “casta superior”, a quem foi divinament­e atribuída a “missão evangélica” de tomar conta de Angola e dos seus Povos, dos negócios do Estado e da Arca do Tesouro nacional.

A queda ( que será inevitável) do regime vigente, mesmo que suportado por dezenas de anos de poder ( ou até talvez por isso mesmo), arrastará, inevitavel­mente, o reescrever da História de Angola, libertando- a das carregadas cores dogmáticas e ideológica­s impostas pelo MPLA, dessa forma permitindo que as novas gerações tenham acesso, finalmente, à Verdade histórica. Que assim seja! Um dia!

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