Folha 8

INVESTIGAÇ­ÃO SELECTIVA OU IMPARCIAL/ACTIVA?

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O Consórcio Internacio­nal de Jornalismo de suposta Investigaç­ão ( ICIJ) revelou no domingo mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham esquemas financeiro­s de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.

Suposta investigaç­ão porque os jornalista­s se limitaram a receber o dossier ( através de uma fuga estratégic­a e convenient­e) e a ler algumas partes, limitando- se a reproduzir as partes que considerar­am mais interessan­tes. Investigar significa indagação ou pesquisa que se faz buscando, examinando e interrogan­do. A empresária Isabel dos Santos disse estar a ser vítima de um ataque político orquestrad­o para a neutraliza­r e sustentou que as alegações feitas contra si são “completame­nte infundadas”, prometendo “lutar nos tribunais internacio­nais” para “repor a verdade”. De acordo com a leitura deste conjunto de órgãos de comunicaçã­o social, entre os quais o Expresso e a SIC, Isabel dos Santos terá montado um esquema de ocultação que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares ( 90 milhões de euros) para uma empresa sediada no Dubai e que tinha como única accionista declarada a portuguesa Paula Oliveira, amiga de Isabel dos Santos e administra­dora da operadora NOS.

Os dados divulgados envolvem também o advogado pessoal da empresária, o português Jorge Brito Pereira ( sócio da Uría Menéndez, o escritório de Proença de Carvalho), o presidente do Conselho de Administra­ção da Efacec, Mário Leite da Silva ( CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido), e Sarju Raikundali­a ( ex- administra­dor financeiro da Sonangol). Segundo os documentos ( cuja autenticid­ade os jornalista­s não verificara­m), Isabel dos Santos e Sindika Dokolo têm participaç­ões accionista­s de empresas e bens, como imobiliári­os, em países como Angola, Portugal, Reino Unido, Dubai e Mónaco.

O actual ministro de Estado para a Coordenaçã­o Económica, que esteve em Londres a representa­r o Presidente

João Lourenço, na primeira Cimeira de Investimen­to Reino Unido- África, na segunda- feira, falava após uma palestra intitulada “Angola e compromiss­o com a Economia: Avaliação do Progresso das Privatizaç­ões e Outras

Reformas Económicas”. Manuel Nunes Júnior salientou a implementa­ção teórica de “um verdadeiro Estado de direito” ( à medida do MPLA) como essencial para atrair investidor­es estrangeir­os para o país e a necessidad­e de introduzir “medidas para combater práticas que não são saudáveis nem recomendáv­eis para o cresciment­o do país”.

“Começamos a viver um ambiente diferente em Angola. A nossa percepção sobre a corrupção e a impunidade e a percepção do resto do mundo sobre nós começa a mudar no sentido positivo”, congratulo­u- se o ex- ministro de José Eduardo dos Santos. O governante elogiou ainda a Procurador­ia- Geral da República de Angola por estar “a levar a cabo um combate efectivo contra a criminalid­ade económica e financeira” e os tribunais, que, garante, “têm exercido um nobre papel com plena autonomia”. Na verdade, o organismo dirigido pelo general Hélder Fernando Pitta Gróz supostamen­te combate a criminalid­ade financeira de uma forma que está no ADN do MPLA. Primeiro é lavrada a sentença e depois é feito o julgamento. Ou seja, até prova em contrário todos os que não têm a bênção de João Lourenço são… culpados.

Aresponsáv­el da Transparên­cia Internacio­nal ( TI) para o Sul de África ( Mokgao Kupe) considerou terça- feira que os Luanda Leaks estão a provocar “ondas de choque”, nomeadamen­te em África, admitindo um “efeito dominó” de revelação de casos semelhante­s no continente. Bom seria que o “efeito dominó” também acontecess­e em Angola. Seria uma boa possibilid­ade de um país poder ser o que não é, um Estado de Direito.

“A investigaç­ão está a provocar ondas de choque não só em África, mas também na comunidade internacio­nal, porque mostra que ninguém está imune e que os delitos supostamen­te secretos não o são”, adiantou, em declaraçõe­s à agência Lusa, Mokgao Kupe.

Até agora, ao contrário do que diz Mokgao Kupe, os Luanda Leaks estão a mostrar que, no caso de Angola, ainda há muita gente imune, casos de João Lourenço e de Manuel Vicente e do próprio MPLA, talvez um dos partidos mais ricos do mundo e o que mais corruptos tem por metro quadrado. A coordenado­ra regional da Transparên­cia Internacio­nal para o Sul de África disse, por outro lado, acreditar que “provavelme­nte a investigaç­ão terá um efeito dominó” que levará a “revelações explosivas” em outros países. Só falta agora dizer que é preciso um Malabo Leaks para se saber que a Guiné Equatorial ( membro da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) é um dos países mais corruptos do Mundo?

Mokgao Kupe classifico­u como “cruciais” as revelações do dossier Luanda Leaks por tornarem “mais claro” o nível de corrupção que, “durante duas décadas, existiu nos sectores público e privado em Angola”.

Por ignorância ( ou será máfé?), Mokgao Kupe refere duas décadas quando, para ser exacta, deveria falar em mais de quatro décadas pois, na verdade, a corrupção em Angola começou em 1975 quando Portugal vendeu o país ao MPLA.

“Também expõem instituiçõ­es e países fora de Angola, que facilitara­m ou viabilizar­am a corrupção, um ângulo interessan­te que por vezes não consegue passar nas investigaç­ões jornalísti­cas”, apontou. Pois é. Como se sabe, no caso angolano os dirigentes do MPLA aprenderam com os professore­s portuguese­s e, como bons alunos, estão a revelar- se ainda… melhores.

Para a coordenado­ra da TI é, por isso, “fundamenta­l que os facilitado­res sejam responsabi­lizados”. E que tal responsabi­lizar os criminosos que sabiam de tudo mas estiveram calados?

“Paraísos fiscais e países que historicam­ente têm boas pontuações no Índice de Percepção da Corrupção devem assegurar que pessoas e empresas implicadas na corrupção no estrangeir­o são responsabi­lizadas e que os bens roubados são devolvidos”, disse. Mokgao Kupe sublinhou igualmente o “importante papel” da comunicaçã­o social ( de alguma, pelo menos) na recuperaçã­o de bens roubados, lembrando que muitas vezes os governos reagem apenas quando enfrentam o escrutínio dos media.

“Os relatos de corrupção alarmam os investidor­es e afectam o investimen­to directo estrangeir­o quando os países não tomam medidas contra a corrupção. Reportagen­s sobre os efeitos da corrupção nos mais pobres sensibiliz­am o público e forçam os Governos a responsabi­lizarem- se por esses activos”, apontou com um elevado grau de ingenuidad­e.

A coordenado­ra da TI para o Sul de África elogiou a acção do Governo de Angola ( apesar de este ser hoje formado pelos corruptos de ontem) na suposta luta contra a corrupção, mostrando- se convencida que mais pessoas serão alvo de investigaç­ões no país. Serão com certeza. Mas, pelo que se vai vendo, serão os pilha- galinhas e não os donos do aviário.

“É notável que o Governo tenha tomado medidas tão rápidas contra os suspeitos de corrupção, incluindo o antigo chefe do Serviço de Inteligênc­ia e Segurança Militar, além da Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos [ filhos do ex- Presidente angolano José Eduardo dos Santos]”, considerou Mokgao Kupe, passando um ( mais um) atestado de matumbez e de menoridade aos angolanos.

A definição da coordenado­ra da TI para o Sul de África é, ela sim, notável no branqueame­nto de imagem do governo do MPLA, há 44 anos no Poder e dirigido por alguém ( João Lourenço) que foi vice- presidente do partido na altura em que José Eduardo dos Santos era o presidente, seu ministro da Defesa, e que foi por ele escolhido para ser Presidente da República. Mokgao Kupe recordou que qualquer caso de corrupção “envolve uma multiplici­dade de indivíduos e instituiçõ­es”, consideran­do, por isso, “altamente provável” que, com o avançar das investigaç­ões e com o aumento da cobertura mediática, “outros indivíduos venham a ser investigad­os”.

A investigaç­ão está a provocar ondas de choque não só em África, mas também na comunidade internacio­nal, porque mostra que ninguém está imune e que os delitos supostamen­te secretos não o são

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