ROUBALHEIRA ENDÉMICA, LAVANDARIA RECORRENTE
Ironia das ironias, há uma semelhança evidente entre as imagens dum vídeo publicado no passado dia 6 de Janeiro na página do Ecoangola sobre o resultado das enxurradas em Luanda e seu efeito na Baía do Mussulo e a enxurrada mediática, ou seja o resultado imediato, do Luanda Leaks.
Tanto num caso como no outro há fugas de qualquer coisa, sejam tais fugas mais ou menos controladas ou propositadas, e o resultado é a invasão de todos nós, por carradas de imundícies.
Mais de quatro décadas de incompetência e desconserto na gestão dos lixos de Luanda, com a proliferação de lixeiras a céu aberto, muitas vezes em linhas de água, resultam nas imagens do vídeo supracitado, assim como na foto que ilustra um artigo na página 26 da edição de 13 de Janeiro do Jornal de Angola.
Mais de quatro décadas de incompetência e desconserto na gestão de Angola, resultam nas parangonas de jornais de todo o mundo, arrastando para a lama, o nome dos angolanos e dos portugueses. Sim, o que é pérfido nesta história vergonhosa, é que por mor de uns poucos num país e no outro, o nome de todos fica contaminado, e a credibilidade internacional de Angola e de Portugal esteja a ser jogada no lixo. Num porque a roubalheira é endémica e no outro porque a lavandaria é recorrente.
Para mim, é por demais evidente que o enriquecimento da Princesa dita dos Ovos de Ouro deixava muito a desejar. Contudo, concordo inteiramente com ela, quando diz que o que criou foi por mérito da sua inteligência, capacidade de trabalho e empreendedorismo. Podia era ter orientado essas capacidades para fazer algo de bom para si e para o seu país. Mas não! É pena!
Também é evidente que ter um paizinho presidente ajuda muito. Uma pessoa com carácter teria certamente virado as costas à vida fácil e ido à luta. Mas não! É pena!
Afinal, diz- se que a boa vida nunca fez mal a ninguém. Pois, mas parece- me que o povo de Angola que vive uma vida miserável e de labuta diária por uma miséria não irá concordar com isto. Pois não! É pena!
Também é por demais evidente que as cumplicidades que levaram a este estado de coisas envolvem muito mais gente do que aquela que agora hipocritamente atira pedras. As já referidas mais de quatro décadas de incompetência e desconserto na gestão de Angola fizeram jeito a muito boa gente, muita dessa gente que agora laboriosamente preparou a fuga de documentação comprometedora para fora de Angola. Uns porque fazem agora parte da clique dominante, outros porque vendem a sua hombridade por três vinténs. Bom, na verdade esta questão da hombridade na classe dirigente de Angola é apenas uma utopia minha. Como diz uma amigo meu angolano a viver em Luanda, é tudo bandidagem.
Por isso cá estamos nós a receber esta enxurrada de porcaria, tal como as Baías de
Luanda e do Mussulo receberam há uns dias atrás a porcaria acumulada durante meses ou anos, na cidade de Luanda. A porcaria fruto da negligência, da incompetência, do compadrio, do nepotismo. Em suma, uma grande bosta. E porque é que vos refiro a bosta? É simples, trata- se de uma história por mim vivida no tempo colonial, que ilustra bem o futuro resultado de toda esta trapalhada. Tinha eu quinze anos e estava de visita à então Sá da Bandeira, hoje Lubango, na província da Huíla. O meu pai resolveu visitar a fazenda de um fazendeiro desta região, e que era seu cliente no Hotel Turismo de Luanda. Este fazendeiro, adepto fervoroso do apartheid e da política musculada da África do Sul, gabava os moldes exemplares em que a sua fazenda funcionava. E lá fomos nós. Foi numa tarde, de Agosto de 1969, e era perto da hora da ordenha da tarde das suas vacas leiteiras. Mostrounos a sala de ordenha, devidamente limpa. Não havia máquinas de ordenha, esta era manual. Entretanto chegavam as vacas leiteiras do pasto e cada uma delas se posicionou no seu local de ordenha. Entretanto chegaram os homens que iriam proceder à ordenha, já não me lembro de quantos eram, todos vestidos de branco, cada um com o seu banquinho e o seu balde. E começa a ordenha.
Ora um ruminante, nunca pára de processar o seu alimento e por isso, se não pára de processar alimento, também não pára de defecar. E por isso as vacas lá iam fazendo pela vida sendo que as suas extremidades funcionavam sem parar. Comiam o capim da manjedoura e mandavam cá para fora a biomassa residual, se bem me faço entender. Ora o nosso fazendeiro, que queria copiar os sul- africanos, mas não tinha inteligência para tal, projectou mal a sua sala de ordenha e os dejectos das suas 20 ou 30 vacas, já não me lembro quantas, caíam desordenadamente e sem parar no chão de cimento, ocasionando as evidentes projecções de salpicos de biomassa castanha e fedorenta para todo o lado.
Foi a roupa dos homens da ordenha que ficou com pintinhas castanhas, eram as calças de quem vos escreve, adolescente menino vaidoso com as calças de terylene igualmente salpicadas, até os baldes onde estava o leite imaculado receberam a sua dose de salpicos, passando a espuma do leite recém retirado às vacas a apresentar umas pintinhas castanhas pouco recomendadas.
Porque é que estou a massacrar- vos com toda esta história? Porque ela me marcou! Para mim foi uma lição de vida que então recebi. Se eu quero mostrar ao mundo as porcarias que os outros fazem, tenho de cuidar de que não esteja metido na mesma sala dessa gente, caso contrário os pingos de bosta também sobram para mim. E tanto os actuais governantes de angola como muitas autoridades portuguesas vão ficar salpicados com a bosta que irá espirrar desta Luanda Leaks, a Ana Gomes que o diga. Os comentários dela são bem esclarecedores. E quem não tiver nada a ver com o assunto, o melhor que tem de fazer é guardar a devida distância.
Tal como o lixo que conspurcou as praias do Mussulo e a Baía de Luanda, limpar toda esta porcaria vai custar muito tempo, dinheiro e irá certamente fazer rolar muitas cabeças. Só espero é que rolem todas, mesmo todas, nomeadamente aquelas que estiveram interessadas na publicação destes factos. Espero fervorosamente que os salpicos de bosta atinjam todos, mas todos os implicados, sejam eles quem forem, mesmo que estejam nos lugares de direcção e governação. Pode ser que de uma vez por todas haja uma boa purga da bosta que empesta a gente que governa Angola há mais quatro décadas. Eu não estou contra a publicação destas notícias. Pelo contrário! E que ninguém passe impunemente pelos pingos… de bosta! Ah! E não me venham com a desculpa que é o espírito colonial que está por de trás destas fugas de informação e do comportamento dos jornais ocidentais que as divulgam. Esse argumento para mim já cheira a bosta!
(*) Docente da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Apolícia angolana deteve no dia 23.01 mais de dez jovens manifestantes, denominados “Jovens Pelas Autarquias”, que estavam devidamente identificados pelas camisolas pretas e foram impossibilitados de se concentrarem. Registe- se que também dois jornalistas da Lusa foram identificados e conduzidos até uma esquadra quando tentavam falar com manifestantes que se iam concentrar frente à Assembleia Nacional, em Luanda. Os jovens foram empurrados para dentro de uma viatura policial e transportados até à segunda esquadra, no Bairro Operário, para onde igualmente foram encaminhados os jornalistas da Lusa. Entre os mais de 10 jovens detidos estão o coordenador do Projecto Agir, organização sociedade civil, Fernando Gomes, e o coordenador da Plataforma Cazenga em Acção ( PLACA), Scoth Kambolo, que à chegada à esquadra afirmou: “Um dia venceremos”. Também o activista luso- angolano Luaty Beirão, através do Twitter, referiu que estava a participar na manifestação e foi levado pela polícia, referindo que não sabia se estava detido. Laulenu, província angolana do Moxico, Projeto Agir, município do Cacuaco, Luanda, PLACA, município do Cazenga, Luanda, Mizangala Yenu, província do Bengo, Okilunga, província da Huíla e o Núcleo de Boas Acções de Luanda são as organizações cívicas promotoras da manifestação que estava prevista para 23.01 frente ao Parlamento, onde decorreu a primeira reunião plenária de 2020.
“Os Jovens Pelas Autarquias” agendaram esta manifestação para protestar “contra os vícios que enfermam o pacote legislativo autárquico”, e “exigem” a sua aprovação no primeiro trimestre de 2020 para que as mesmas decorram “em simultâneo” em todos os municípios angolanos. No lançamento da manifestação, Scoth Cambolo deu conta que as organizações cívicas já produziram várias sugestões e propostas sobre as “várias incongruências” que constam do pacote autárquico e “não tiveram qualquer respaldo das autoridades”. Na esquadra, os jornalistas da Lusa foram identificados por um agente da polícia local, que questionou o nome, função e empresa para a qual trabalham e aguardaram na sala de espera por mais de meia hora, sendo depois libertados sem explicações sobre o motivo da detenção.
Na altura em que foram levados para a esquadra vários agentes disseram que os jornalistas não poderiam reportar o acto e teriam de acompanhar a polícia porque não podiam estar a filmar.
João Lourenço, presidente do MPLA, da República e Titular do Poder Executivo prometeu uma nova era em Angola, ao fim de 38 anos de poder de José Eduardo dos Santos, mas os métodos com que a polícia (do MPLA) lida com o direito de manifestação consagrado na Constituição, art. º 47. º ( Liberdade de reunião e de manifestações):
1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestações pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.
2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei”, continua a ser o mesmo usado pelo antigo Governo: forte presença policial, actuar antes que as manifestações tomem forma, detenções dos participantes e interpelação de todas as pessoas que circulam nas imediações.
O Titular do Poder Executivo afirma que Angola tem progredido no respeito pelos direitos humanos e pela liberdade de expressão, mas no texto que na prática, principalmente, com a repressão mais brutal, sobre activistas no enclave petrolífero de Cabinda e na província diamantífera da Lunda Norte, revelou recentemente a Human Rights Watch.
No seu Relatório Mundial 2020, que contém a avaliação relativa aos direitos humanos em todo o mundo, a organização constata a evolução de Angola em 2019 no que diz respeito à liberdade de expressão e de reunião, com o Governo, chefiado por João Lourenço, a permitir várias marchas e protestos em todo o país. No entanto, o relatório dá nota negativa à repressão sobre manifestantes pacíficos e activistas em Cabinda e na Lunda
Norte.
Segundo a Human Rights Watch (HRW) entre 28 de Janeiro e 1 de Fevereiro, a polícia prendeu 63 independentistas que preparavam um protesto para assinalar o aniversário da assinatura do tratado de Simulambuco de 1885 que concedeu a Cabinda um estatuto de protectorado de Portugal. Muitos dos activistas pertenciam ao Movimento Independentista de Cabinda, um grupo separatista pacífico que pretende a independência ou autonomia da região.
Em Março, denuncia a HRW, a polícia prendeu mais dez independentistas que se concentraram numa praça de Cabinda exigindo a libertação dos seus colegas.
A organização verificou também violação dos direitos dos habitantes e mineiros da Lunda Norte. Em Abril, a polícia disparou balas reais durante um protesto que se seguiu à morte de um mineiro, alegadamente por uma empresa de segurança privada, provocando a morte de um rapaz e ferimentos em mais três pessoas. Em Fevereiro, a polícia matou um líder local durante um protesto contra a concessão de terras a uma empresa de diamantes Em Março, a principal organização de direitos humanos angolana, a Associação Justiça, Paz e Democracia, e líderes comunitários acusaram as autoridades de limitarem arbitrariamente os movimentos de pessoas nas áreas próximas dos campos de diamantes, forçando os habitantes a abandonarem as suas terras agrícolas. A HRW realça, por outro lado, alguns avanços no respeito pelos direitos humanos, ainda que persistam situações de intimidação e prisões arbitrárias de activistas por parte da polícia angolana.
Os casos registaram- se no Luena (23 pessoas presas em Setembro), Benguela ( sete pessoas, em Julho) e Luanda ( uso de gás lacrimogéneo e cães durante uma manifestação, em Agosto e detenção do activista Hitler “Samussuku” Tshikonde por insultar o Presidente, em Maio).
O relatório dá também ênfase à aprovação de uma nova lei que limita o exercício da liberdade religiosa, exigindo que as igrejas tenham pelo menos 100.000 membros para serem oficialmente reconhecidas, levando ao encerramento de milhares de locais de culto. A HRW aponta nomeadamente o fecho de 39 mesquitas na Lunda Norte, salientando que o Islão não é uma religião autorizada em Angola e que as mesquitas não podem funcionar na maior parte do país. Também preocupantes, para a HRW, são a violação dos direitos relacionados com a habitação e os acidentes com minas terrestres.
Um dos aspectos positivos focados pelo relatório da HRW foi a descriminalização da homossexualidade, em Janeiro, no seguimento da aprovação de um novo código penal. O Governo angolano proibiu também a discriminação com base na orientação sexual.
OEstado Maior General das Forças Armadas Angolanas (EMGFAA) está sendo acusada de ter, há 6 anos, expropriado para utilização pública duas fazendas pertencentes a cidadãos nacionais, sem as devidas indeminizações, desobedecendo inclusive orientações da Presidência da República.
Trata- se de duas fazendas: uma com a dimesão de 403 hectares, localizada na Comuna do Zemza do Itombe, Município de Cambambe, Província do Kwanza Norte, e outra de 500 hectares, localizada na mesma província, Comuna da Cerca, Município do Gulungo Alto. As referidas fazendas, pertencentes aos cidadãos Francisco Manuel António e Sebastião Salvador João, ambos antigos combatentes e veteranos da Pátria, estão cadastradas e registadas junto das autoridades provinciais, precisamente na Conservatória do Registo Predial e no Governo Provincial, tendo em posse o respectivo título de concessão de surperfície. Aquilo que os denunciantes caracterizam como um acto de “usurpação” das referidas fazendas, ocorreu em 2014, cometido pelo Comando do Exército- Servidão Militar ( Cadiaquixe) Maria Teresa, e até a presente data, encontra- se sob o controlo do mesmo, e onde estão concentrados os armazéns centrais de armamento do Exército, inclusive um campo de treinamento de carreira de tiros. Na fazenda do senhor Francisco Manuel António constavam um imóvel de cinco quartos, um estaleiro, um gerador industrial, e as plantações diversas, que, segundo o titular, acabaram por serem sabotadas. Quan
to a do senhor Sebastião Salvador João, a fazenda continha dois imóveis de pau- a- pique e plantações diversas, como bananeiras, mandioqueiras, mangueiras, mamoeiros, palmeiras, abacateiros, limoeiros, laranjeiras e alguns hectares de batata doce.
Face ao problema que tem se alastrado a cerca de 6 anos, os titulares daqueles direitos fundiários têm feito diligências junto de várias entidades de direito, incluindo a Presidência da República, mas, infelizmente, o Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas tem sido incapaz de efectuar as devidas indeminizações conforme a lei quanto ao acto de expropriação de utilidade pública.
Entre as instituições conctatadas pelos visados constam: a Provedoria de Justiça, Serviço de Inteligência e Segurança Militar ( SISM), Auditor- Chefe da Inspecção- Geral da Defesa Nacional para Combate Anti- Fraude e Anti- Corrupão das Forças Armadas Angolanas, o Comandante do Exército e outros.
Esta resistência do Estado Maior General das FAA também desobedeceu à um despacho do então Chefe do Estado Maior, General Geraldo Arlindo Sachipengo Nunda, de 17 de Dezembro de 2017, que tivera orientado a indeminização dos expropriados. Na Presidência da República, os titulares interagiram com o Secretário para o Sector Produtivo do Presidente da República, Isaac Francisco Maria dos Anjos. Numa carta, N/ REF 30/ SSP/ C. CIVIL/ PR/ 2019 de 25 de Março de 2019, endereçada ao Chefe do Estado Maior General das FAA, o Secretário do Presidente da República recomendou a negociação directa com os titulares dos direitos fundiários, a fim de chegarem a um consenso sobre o valor de indemnização. Ao Secretário para o Sector Produtivo do Presidente da República, conforme consta na carta, os visados solicitaram também a emissão de cartas de recomendação para que o Governo Provincial lhes conceda áreas para a produção agrícola noutros locais, para que possam dar continuidade a sua actividade.
A 14 de Junho de 2019, o Provedor de Justiça, Carlos Alberto Ferreira Pinto, endereçou uma carta ao Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas, General António Egídio de Sousa Santos.
“Recordo que, nos termos do n.° 4 do artigo 26° da citada lei, tem Vossa Excelência, o prazo de trinta dias para satisfação do presente pedido, isto é, para responder ao Provedor de Justiça,” determinou. Adicionalmente, o Provedor de Justiça ditou que caso não obtivesse resposta no prazo fixado no parágrafo anterior, não obtendo a colaboração institucional devida, reservar- se- á ao direito de se dirigir ao superior hierárquico competente, no caso, o Presidente da República.
No entanto, até a data presente, os visados nunca foram convocados, tão pouco notificados para prestar qualquer depoimento ou mesmo esclarecimento negocial para o efeito. Persistentes, os titulares dos direitos fundiários dirigiram- se ao Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas, onde foram informados pelo Tenente General Apolinário Gaspar, exibindo uma nota N° 003353/ GAB. CEMGFAA/ 00.18/ 06/ 2019, de que o caso foi canalizado ao Comandante do Exército, sendo supostamente o órgão direito para dar o devido tratamento.
O Jornal Folha 8 contactou o gabinete do Comandante do Exército, na pessoa do seu director, o Coronel José Pereira Gonzaga “Joca”, que apresentou a indisponibilidade do mesmo, solicitando tempo. O jornal aguardou por mais de dois meses e não obteve respostas.
Ainda hoje sou um fascinado pelo circo. Desde o tempo dos Cardinali, dos Luftman que gosto de palhaços e de ilusionistas. Rio-me sempre das velhas piadas dos palhaços, dos estalos fingidos com um bater de palmas e sempre quis perceber os truques. Conheço o princípio do ilusionismo: fazer o espetador olhar para o dedo enquanto o ilusionista esconde ou faz aparecer o coelho, mas agora esforço-me para ver para além da ponta do dedo. Sintoma de velhice. Continuam, no entanto, a fascinar-me os crentes e os ilusionistas que os levam à certa.
No circo, em crianças, pagamos para ser iludidos, em velhos, encoirados, pagamos para ver os outros a serem iludidos. Reflexões sobre as palhaçadas e os truques de algibeira a propósito da questão da fortuna de Isabel dos Santos. Música de serrote. Não há nenhuma dúvida sobre a sua origem e forma de construção desde Novembro de 1975, de Maio de 1977, desde os acordos de paz com os sul-africanos, desde a morte de Agostinho Neto, da morte de Savimbi e do apoio dos EUA ao MPLA de José dos Santos. Escolham a data em que um grupo se organizou para vencer a guerra e enriquecer, que o método não depende da data, mas do desenvolvimento da manobra. Velha. Velhíssima. Uma operação de sucesso de um grupo que toma a cidade e se apropria dos despojos. Como tantas vezes aconteceu desde a antiguidade. Aborrece-me que me metam os dedos nos olhos da história.
Já agora: alguém quis saber aqui como foi construída a fortuna do senhor Gulbenkian, mecenas da pátria, quando ele se apresentou para se instalar no hotel Avis? E a dos Saud, os donos da Arábia Saudita, nossos amigos através dos nossos amigos americanos? E a dos antigos cameleiros do Médio Oriente, assaltantes de caravanas no Kwait, no golfo pérsico e no mar vermelho, que os ingleses promoveram a sultões e a xeques com contas milionárias e que hoje compram clubes de futebol, de basquete, estações de televisão, produtoras de filmes, companhias de aviação, senhoras loiras e meninos castanhos? E como nos entendemos com os oligarcas russos, com o Abramovitch do Chelsea, quase um compadre através de Mourinho? Perguntamos onde arranjou os trocos para investir? Temos na CPLP o impoluto dono da Guiné Equatorial. Ninguém que nos envergonhe, claro. Os franceses do Monsieur Afrique de De Gaulle, Jacques Foccart, tinham no bolso Houphouët Boigny, carinhosamente tratado por Le Vieux Papa da Costa do Marfim, que construiu uma basílica maior do que a de São Pedro em Roma, com a sua augusta figura nos vitrais e era dono de um país e do seu cacau! E os ingleses tiveram o Idi Amin! E os americanos o Mobutu! Já agora, temos militares nossos a apoiar um dos mais corruptos governos do planeta, no Afeganistão. O paraíso do ópio! Da heroína! Estamos nessa que é gente séria!
Posso imaginar o que está por detrás deste ataque ao grupo dos Santos em Angola. O costume. Surgiu um novo grupo local que procura aproveitar a redistribuição de poderes, influência e riqueza na África Equatorial. Ocorre pelo centro de África uma redistribuição de cartas e fichas que é visível a olho nu através das guerras no Congo Oriental. Guerras por procuração, claro. Angola faz parte da zona de disputa que envolve grandes empresas mineiras, de minerais raros, a mais rica zona mineira do mundo! É sobre o controlo dessa imensa riqueza que se trava a luta que envolve Isabel dos Santos!
Está a chegar a hora de uma nova geração de angolanos, muito qualificados e internacionalizados, que querem subir a montanha do poder. O grupo dos Santos, os velhos generais e as suas famílias, detinha demasiado poder. Havia e há que o minar, enfraquecer, dar- lhe dentadas. Estamos numa ação de hienas. Os velhos chefes estão a ser desafiados. É assim na natureza com os machos dominantes quando chega o seu tempo de decadência. A obra de Shakespeare também trata destas lutas pelo poder.
Quanto à algazarra em Portugal, numa sociedade de hímen tão complacente, o chinfrim só revela que há por aqui aproveitadores de restos e bastante ressabiamento colonial. Parece- me claro que o grupo Impresa está de goelas abertas para apanhar umas sobras do Grupo Espírito Santo de Angola. A propósito não ouvi falar do Sobrinho.
A Ana Gomes, que não leu Shakespeare, nem Maquiavel, serve de animadora de pista, como de costume, desta vez dando a estridente voz a velhas dores pela perda do império português, branco, em África. O que ela diz, concedo que sem disso ter consciência, é que aqueles mil milhões da Isabel eram nossos, dos tugas, dos retornados. Angola era nossa, o petróleo era nosso, os diamantes eram nossos, o café era nosso. No fundo, o Luanda Leaks é uma versão do Angola é Nossa! A Ana Gomes está quase uma Supico Pinto! O número que passa nos órgãos de comunicação de massa portugueses a propósito de Isabel dos Santos é, sem falsas hipocrisias, de raiz colonialista! Assenta numa visão colonialista: ainda somos responsáveis por aqueles territórios e por aqueles povos que civilizámos, aportuguesámos e cristianizámos! Até a Catarina Martins se atravessou nesta visão de Angola é nossa!
Não queremos saber do petróleo da Arábia Saudita, nem do gás da Rússia, nem dos telemóveis 5G da China, nem da venda de dados pessoais pelo Facebook, ou pela Google, o que nos motiva o instinto justiceiro é Angola, que é nossa!
Também era interessante perguntar à Ana Gomes com que negócios sérios foi construído o Convento de Mafra, e como foram construídas as fortunas das grandes figuras do liberalismo, os Costa Cabrais, os Braamcamp, os Caria, os Palmela entre outros que privatizaram em seu nome os bens das ordens religiosas… Nem o Convento de Cristo em Tomar escapou e passou a alojamento local do novo conde da cidade dos templários! Nada de novo debaixo dos céus, exceto que Angola devia ser nossa, repito! Lamento reconhecer, há pouco a fazer para contrariar estes velhos golpes em Angola e alterar esta velha mentalidade colonial em Portugal. Entendo que os angolanos têm que fazer o seu caminho e que podem vir lavar o dinheiro aqui a Portugal, investir, comprar, vender. Porque não? Os ingleses fizeram- no durante séculos. O desenvolvimento de uma opinião pública informada é um dos poucos antídotos, mas demora tempo e não é de fácil execução… Entretanto, olhemos para lá do dedo!
* Por opção do autor, este artigo respeita o AO90 * https:// www. jornaltornado. pt/ e- se- isabel- dos- santos- fosse- inglesa/