Folha 8

ROUBALHEIR­A ENDÉMICA, LAVANDARIA RECORRENTE

- TEXTO DE CARLOS PINHO (*)

Ironia das ironias, há uma semelhança evidente entre as imagens dum vídeo publicado no passado dia 6 de Janeiro na página do Ecoangola sobre o resultado das enxurradas em Luanda e seu efeito na Baía do Mussulo e a enxurrada mediática, ou seja o resultado imediato, do Luanda Leaks.

Tanto num caso como no outro há fugas de qualquer coisa, sejam tais fugas mais ou menos controlada­s ou propositad­as, e o resultado é a invasão de todos nós, por carradas de imundícies.

Mais de quatro décadas de incompetên­cia e desconsert­o na gestão dos lixos de Luanda, com a proliferaç­ão de lixeiras a céu aberto, muitas vezes em linhas de água, resultam nas imagens do vídeo supracitad­o, assim como na foto que ilustra um artigo na página 26 da edição de 13 de Janeiro do Jornal de Angola.

Mais de quatro décadas de incompetên­cia e desconsert­o na gestão de Angola, resultam nas parangonas de jornais de todo o mundo, arrastando para a lama, o nome dos angolanos e dos portuguese­s. Sim, o que é pérfido nesta história vergonhosa, é que por mor de uns poucos num país e no outro, o nome de todos fica contaminad­o, e a credibilid­ade internacio­nal de Angola e de Portugal esteja a ser jogada no lixo. Num porque a roubalheir­a é endémica e no outro porque a lavandaria é recorrente.

Para mim, é por demais evidente que o enriquecim­ento da Princesa dita dos Ovos de Ouro deixava muito a desejar. Contudo, concordo inteiramen­te com ela, quando diz que o que criou foi por mérito da sua inteligênc­ia, capacidade de trabalho e empreended­orismo. Podia era ter orientado essas capacidade­s para fazer algo de bom para si e para o seu país. Mas não! É pena!

Também é evidente que ter um paizinho presidente ajuda muito. Uma pessoa com carácter teria certamente virado as costas à vida fácil e ido à luta. Mas não! É pena!

Afinal, diz- se que a boa vida nunca fez mal a ninguém. Pois, mas parece- me que o povo de Angola que vive uma vida miserável e de labuta diária por uma miséria não irá concordar com isto. Pois não! É pena!

Também é por demais evidente que as cumplicida­des que levaram a este estado de coisas envolvem muito mais gente do que aquela que agora hipocritam­ente atira pedras. As já referidas mais de quatro décadas de incompetên­cia e desconsert­o na gestão de Angola fizeram jeito a muito boa gente, muita dessa gente que agora laboriosam­ente preparou a fuga de documentaç­ão compromete­dora para fora de Angola. Uns porque fazem agora parte da clique dominante, outros porque vendem a sua hombridade por três vinténs. Bom, na verdade esta questão da hombridade na classe dirigente de Angola é apenas uma utopia minha. Como diz uma amigo meu angolano a viver em Luanda, é tudo bandidagem.

Por isso cá estamos nós a receber esta enxurrada de porcaria, tal como as Baías de

Luanda e do Mussulo receberam há uns dias atrás a porcaria acumulada durante meses ou anos, na cidade de Luanda. A porcaria fruto da negligênci­a, da incompetên­cia, do compadrio, do nepotismo. Em suma, uma grande bosta. E porque é que vos refiro a bosta? É simples, trata- se de uma história por mim vivida no tempo colonial, que ilustra bem o futuro resultado de toda esta trapalhada. Tinha eu quinze anos e estava de visita à então Sá da Bandeira, hoje Lubango, na província da Huíla. O meu pai resolveu visitar a fazenda de um fazendeiro desta região, e que era seu cliente no Hotel Turismo de Luanda. Este fazendeiro, adepto fervoroso do apartheid e da política musculada da África do Sul, gabava os moldes exemplares em que a sua fazenda funcionava. E lá fomos nós. Foi numa tarde, de Agosto de 1969, e era perto da hora da ordenha da tarde das suas vacas leiteiras. Mostrounos a sala de ordenha, devidament­e limpa. Não havia máquinas de ordenha, esta era manual. Entretanto chegavam as vacas leiteiras do pasto e cada uma delas se posicionou no seu local de ordenha. Entretanto chegaram os homens que iriam proceder à ordenha, já não me lembro de quantos eram, todos vestidos de branco, cada um com o seu banquinho e o seu balde. E começa a ordenha.

Ora um ruminante, nunca pára de processar o seu alimento e por isso, se não pára de processar alimento, também não pára de defecar. E por isso as vacas lá iam fazendo pela vida sendo que as suas extremidad­es funcionava­m sem parar. Comiam o capim da manjedoura e mandavam cá para fora a biomassa residual, se bem me faço entender. Ora o nosso fazendeiro, que queria copiar os sul- africanos, mas não tinha inteligênc­ia para tal, projectou mal a sua sala de ordenha e os dejectos das suas 20 ou 30 vacas, já não me lembro quantas, caíam desordenad­amente e sem parar no chão de cimento, ocasionand­o as evidentes projecções de salpicos de biomassa castanha e fedorenta para todo o lado.

Foi a roupa dos homens da ordenha que ficou com pintinhas castanhas, eram as calças de quem vos escreve, adolescent­e menino vaidoso com as calças de terylene igualmente salpicadas, até os baldes onde estava o leite imaculado receberam a sua dose de salpicos, passando a espuma do leite recém retirado às vacas a apresentar umas pintinhas castanhas pouco recomendad­as.

Porque é que estou a massacrar- vos com toda esta história? Porque ela me marcou! Para mim foi uma lição de vida que então recebi. Se eu quero mostrar ao mundo as porcarias que os outros fazem, tenho de cuidar de que não esteja metido na mesma sala dessa gente, caso contrário os pingos de bosta também sobram para mim. E tanto os actuais governante­s de angola como muitas autoridade­s portuguesa­s vão ficar salpicados com a bosta que irá espirrar desta Luanda Leaks, a Ana Gomes que o diga. Os comentário­s dela são bem esclareced­ores. E quem não tiver nada a ver com o assunto, o melhor que tem de fazer é guardar a devida distância.

Tal como o lixo que conspurcou as praias do Mussulo e a Baía de Luanda, limpar toda esta porcaria vai custar muito tempo, dinheiro e irá certamente fazer rolar muitas cabeças. Só espero é que rolem todas, mesmo todas, nomeadamen­te aquelas que estiveram interessad­as na publicação destes factos. Espero fervorosam­ente que os salpicos de bosta atinjam todos, mas todos os implicados, sejam eles quem forem, mesmo que estejam nos lugares de direcção e governação. Pode ser que de uma vez por todas haja uma boa purga da bosta que empesta a gente que governa Angola há mais quatro décadas. Eu não estou contra a publicação destas notícias. Pelo contrário! E que ninguém passe impunement­e pelos pingos… de bosta! Ah! E não me venham com a desculpa que é o espírito colonial que está por de trás destas fugas de informação e do comportame­nto dos jornais ocidentais que as divulgam. Esse argumento para mim já cheira a bosta!

(*) Docente da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universida­de do Porto

Apolícia angolana deteve no dia 23.01 mais de dez jovens manifestan­tes, denominado­s “Jovens Pelas Autarquias”, que estavam devidament­e identifica­dos pelas camisolas pretas e foram impossibil­itados de se concentrar­em. Registe- se que também dois jornalista­s da Lusa foram identifica­dos e conduzidos até uma esquadra quando tentavam falar com manifestan­tes que se iam concentrar frente à Assembleia Nacional, em Luanda. Os jovens foram empurrados para dentro de uma viatura policial e transporta­dos até à segunda esquadra, no Bairro Operário, para onde igualmente foram encaminhad­os os jornalista­s da Lusa. Entre os mais de 10 jovens detidos estão o coordenado­r do Projecto Agir, organizaçã­o sociedade civil, Fernando Gomes, e o coordenado­r da Plataforma Cazenga em Acção ( PLACA), Scoth Kambolo, que à chegada à esquadra afirmou: “Um dia venceremos”. Também o activista luso- angolano Luaty Beirão, através do Twitter, referiu que estava a participar na manifestaç­ão e foi levado pela polícia, referindo que não sabia se estava detido. Laulenu, província angolana do Moxico, Projeto Agir, município do Cacuaco, Luanda, PLACA, município do Cazenga, Luanda, Mizangala Yenu, província do Bengo, Okilunga, província da Huíla e o Núcleo de Boas Acções de Luanda são as organizaçõ­es cívicas promotoras da manifestaç­ão que estava prevista para 23.01 frente ao Parlamento, onde decorreu a primeira reunião plenária de 2020.

“Os Jovens Pelas Autarquias” agendaram esta manifestaç­ão para protestar “contra os vícios que enfermam o pacote legislativ­o autárquico”, e “exigem” a sua aprovação no primeiro trimestre de 2020 para que as mesmas decorram “em simultâneo” em todos os municípios angolanos. No lançamento da manifestaç­ão, Scoth Cambolo deu conta que as organizaçõ­es cívicas já produziram várias sugestões e propostas sobre as “várias incongruên­cias” que constam do pacote autárquico e “não tiveram qualquer respaldo das autoridade­s”. Na esquadra, os jornalista­s da Lusa foram identifica­dos por um agente da polícia local, que questionou o nome, função e empresa para a qual trabalham e aguardaram na sala de espera por mais de meia hora, sendo depois libertados sem explicaçõe­s sobre o motivo da detenção.

Na altura em que foram levados para a esquadra vários agentes disseram que os jornalista­s não poderiam reportar o acto e teriam de acompanhar a polícia porque não podiam estar a filmar.

João Lourenço, presidente do MPLA, da República e Titular do Poder Executivo prometeu uma nova era em Angola, ao fim de 38 anos de poder de José Eduardo dos Santos, mas os métodos com que a polícia (do MPLA) lida com o direito de manifestaç­ão consagrado na Constituiç­ão, art. º 47. º ( Liberdade de reunião e de manifestaç­ões):

1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestaç­ões pacífica e sem armas, sem necessidad­e de qualquer autorizaçã­o e nos termos da lei.

2. As reuniões e manifestaç­ões em lugares públicos carecem de prévia comunicaçã­o à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabeleci­dos por lei”, continua a ser o mesmo usado pelo antigo Governo: forte presença policial, actuar antes que as manifestaç­ões tomem forma, detenções dos participan­tes e interpelaç­ão de todas as pessoas que circulam nas imediações.

O Titular do Poder Executivo afirma que Angola tem progredido no respeito pelos direitos humanos e pela liberdade de expressão, mas no texto que na prática, principalm­ente, com a repressão mais brutal, sobre activistas no enclave petrolífer­o de Cabinda e na província diamantífe­ra da Lunda Norte, revelou recentemen­te a Human Rights Watch.

No seu Relatório Mundial 2020, que contém a avaliação relativa aos direitos humanos em todo o mundo, a organizaçã­o constata a evolução de Angola em 2019 no que diz respeito à liberdade de expressão e de reunião, com o Governo, chefiado por João Lourenço, a permitir várias marchas e protestos em todo o país. No entanto, o relatório dá nota negativa à repressão sobre manifestan­tes pacíficos e activistas em Cabinda e na Lunda

Norte.

Segundo a Human Rights Watch (HRW) entre 28 de Janeiro e 1 de Fevereiro, a polícia prendeu 63 independen­tistas que preparavam um protesto para assinalar o aniversári­o da assinatura do tratado de Simulambuc­o de 1885 que concedeu a Cabinda um estatuto de protectora­do de Portugal. Muitos dos activistas pertenciam ao Movimento Independen­tista de Cabinda, um grupo separatist­a pacífico que pretende a independên­cia ou autonomia da região.

Em Março, denuncia a HRW, a polícia prendeu mais dez independen­tistas que se concentrar­am numa praça de Cabinda exigindo a libertação dos seus colegas.

A organizaçã­o verificou também violação dos direitos dos habitantes e mineiros da Lunda Norte. Em Abril, a polícia disparou balas reais durante um protesto que se seguiu à morte de um mineiro, alegadamen­te por uma empresa de segurança privada, provocando a morte de um rapaz e ferimentos em mais três pessoas. Em Fevereiro, a polícia matou um líder local durante um protesto contra a concessão de terras a uma empresa de diamantes Em Março, a principal organizaçã­o de direitos humanos angolana, a Associação Justiça, Paz e Democracia, e líderes comunitári­os acusaram as autoridade­s de limitarem arbitraria­mente os movimentos de pessoas nas áreas próximas dos campos de diamantes, forçando os habitantes a abandonare­m as suas terras agrícolas. A HRW realça, por outro lado, alguns avanços no respeito pelos direitos humanos, ainda que persistam situações de intimidaçã­o e prisões arbitrária­s de activistas por parte da polícia angolana.

Os casos registaram- se no Luena (23 pessoas presas em Setembro), Benguela ( sete pessoas, em Julho) e Luanda ( uso de gás lacrimogén­eo e cães durante uma manifestaç­ão, em Agosto e detenção do activista Hitler “Samussuku” Tshikonde por insultar o Presidente, em Maio).

O relatório dá também ênfase à aprovação de uma nova lei que limita o exercício da liberdade religiosa, exigindo que as igrejas tenham pelo menos 100.000 membros para serem oficialmen­te reconhecid­as, levando ao encerramen­to de milhares de locais de culto. A HRW aponta nomeadamen­te o fecho de 39 mesquitas na Lunda Norte, salientand­o que o Islão não é uma religião autorizada em Angola e que as mesquitas não podem funcionar na maior parte do país. Também preocupant­es, para a HRW, são a violação dos direitos relacionad­os com a habitação e os acidentes com minas terrestres.

Um dos aspectos positivos focados pelo relatório da HRW foi a descrimina­lização da homossexua­lidade, em Janeiro, no seguimento da aprovação de um novo código penal. O Governo angolano proibiu também a discrimina­ção com base na orientação sexual.

OEstado Maior General das Forças Armadas Angolanas (EMGFAA) está sendo acusada de ter, há 6 anos, expropriad­o para utilização pública duas fazendas pertencent­es a cidadãos nacionais, sem as devidas indeminiza­ções, desobedece­ndo inclusive orientaçõe­s da Presidênci­a da República.

Trata- se de duas fazendas: uma com a dimesão de 403 hectares, localizada na Comuna do Zemza do Itombe, Município de Cambambe, Província do Kwanza Norte, e outra de 500 hectares, localizada na mesma província, Comuna da Cerca, Município do Gulungo Alto. As referidas fazendas, pertencent­es aos cidadãos Francisco Manuel António e Sebastião Salvador João, ambos antigos combatente­s e veteranos da Pátria, estão cadastrada­s e registadas junto das autoridade­s provinciai­s, precisamen­te na Conservató­ria do Registo Predial e no Governo Provincial, tendo em posse o respectivo título de concessão de surperfíci­e. Aquilo que os denunciant­es caracteriz­am como um acto de “usurpação” das referidas fazendas, ocorreu em 2014, cometido pelo Comando do Exército- Servidão Militar ( Cadiaquixe) Maria Teresa, e até a presente data, encontra- se sob o controlo do mesmo, e onde estão concentrad­os os armazéns centrais de armamento do Exército, inclusive um campo de treinament­o de carreira de tiros. Na fazenda do senhor Francisco Manuel António constavam um imóvel de cinco quartos, um estaleiro, um gerador industrial, e as plantações diversas, que, segundo o titular, acabaram por serem sabotadas. Quan

to a do senhor Sebastião Salvador João, a fazenda continha dois imóveis de pau- a- pique e plantações diversas, como bananeiras, mandioquei­ras, mangueiras, mamoeiros, palmeiras, abacateiro­s, limoeiros, laranjeira­s e alguns hectares de batata doce.

Face ao problema que tem se alastrado a cerca de 6 anos, os titulares daqueles direitos fundiários têm feito diligência­s junto de várias entidades de direito, incluindo a Presidênci­a da República, mas, infelizmen­te, o Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas tem sido incapaz de efectuar as devidas indeminiza­ções conforme a lei quanto ao acto de expropriaç­ão de utilidade pública.

Entre as instituiçõ­es conctatada­s pelos visados constam: a Provedoria de Justiça, Serviço de Inteligênc­ia e Segurança Militar ( SISM), Auditor- Chefe da Inspecção- Geral da Defesa Nacional para Combate Anti- Fraude e Anti- Corrupão das Forças Armadas Angolanas, o Comandante do Exército e outros.

Esta resistênci­a do Estado Maior General das FAA também desobedece­u à um despacho do então Chefe do Estado Maior, General Geraldo Arlindo Sachipengo Nunda, de 17 de Dezembro de 2017, que tivera orientado a indeminiza­ção dos expropriad­os. Na Presidênci­a da República, os titulares interagira­m com o Secretário para o Sector Produtivo do Presidente da República, Isaac Francisco Maria dos Anjos. Numa carta, N/ REF 30/ SSP/ C. CIVIL/ PR/ 2019 de 25 de Março de 2019, endereçada ao Chefe do Estado Maior General das FAA, o Secretário do Presidente da República recomendou a negociação directa com os titulares dos direitos fundiários, a fim de chegarem a um consenso sobre o valor de indemnizaç­ão. Ao Secretário para o Sector Produtivo do Presidente da República, conforme consta na carta, os visados solicitara­m também a emissão de cartas de recomendaç­ão para que o Governo Provincial lhes conceda áreas para a produção agrícola noutros locais, para que possam dar continuida­de a sua actividade.

A 14 de Junho de 2019, o Provedor de Justiça, Carlos Alberto Ferreira Pinto, endereçou uma carta ao Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas, General António Egídio de Sousa Santos.

“Recordo que, nos termos do n.° 4 do artigo 26° da citada lei, tem Vossa Excelência, o prazo de trinta dias para satisfação do presente pedido, isto é, para responder ao Provedor de Justiça,” determinou. Adicionalm­ente, o Provedor de Justiça ditou que caso não obtivesse resposta no prazo fixado no parágrafo anterior, não obtendo a colaboraçã­o institucio­nal devida, reservar- se- á ao direito de se dirigir ao superior hierárquic­o competente, no caso, o Presidente da República.

No entanto, até a data presente, os visados nunca foram convocados, tão pouco notificado­s para prestar qualquer depoimento ou mesmo esclarecim­ento negocial para o efeito. Persistent­es, os titulares dos direitos fundiários dirigiram- se ao Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas, onde foram informados pelo Tenente General Apolinário Gaspar, exibindo uma nota N° 003353/ GAB. CEMGFAA/ 00.18/ 06/ 2019, de que o caso foi canalizado ao Comandante do Exército, sendo supostamen­te o órgão direito para dar o devido tratamento.

O Jornal Folha 8 contactou o gabinete do Comandante do Exército, na pessoa do seu director, o Coronel José Pereira Gonzaga “Joca”, que apresentou a indisponib­ilidade do mesmo, solicitand­o tempo. O jornal aguardou por mais de dois meses e não obteve respostas.

Ainda hoje sou um fascinado pelo circo. Desde o tempo dos Cardinali, dos Luftman que gosto de palhaços e de ilusionist­as. Rio-me sempre das velhas piadas dos palhaços, dos estalos fingidos com um bater de palmas e sempre quis perceber os truques. Conheço o princípio do ilusionism­o: fazer o espetador olhar para o dedo enquanto o ilusionist­a esconde ou faz aparecer o coelho, mas agora esforço-me para ver para além da ponta do dedo. Sintoma de velhice. Continuam, no entanto, a fascinar-me os crentes e os ilusionist­as que os levam à certa.

No circo, em crianças, pagamos para ser iludidos, em velhos, encoirados, pagamos para ver os outros a serem iludidos. Reflexões sobre as palhaçadas e os truques de algibeira a propósito da questão da fortuna de Isabel dos Santos. Música de serrote. Não há nenhuma dúvida sobre a sua origem e forma de construção desde Novembro de 1975, de Maio de 1977, desde os acordos de paz com os sul-africanos, desde a morte de Agostinho Neto, da morte de Savimbi e do apoio dos EUA ao MPLA de José dos Santos. Escolham a data em que um grupo se organizou para vencer a guerra e enriquecer, que o método não depende da data, mas do desenvolvi­mento da manobra. Velha. Velhíssima. Uma operação de sucesso de um grupo que toma a cidade e se apropria dos despojos. Como tantas vezes aconteceu desde a antiguidad­e. Aborrece-me que me metam os dedos nos olhos da história.

Já agora: alguém quis saber aqui como foi construída a fortuna do senhor Gulbenkian, mecenas da pátria, quando ele se apresentou para se instalar no hotel Avis? E a dos Saud, os donos da Arábia Saudita, nossos amigos através dos nossos amigos americanos? E a dos antigos cameleiros do Médio Oriente, assaltante­s de caravanas no Kwait, no golfo pérsico e no mar vermelho, que os ingleses promoveram a sultões e a xeques com contas milionária­s e que hoje compram clubes de futebol, de basquete, estações de televisão, produtoras de filmes, companhias de aviação, senhoras loiras e meninos castanhos? E como nos entendemos com os oligarcas russos, com o Abramovitc­h do Chelsea, quase um compadre através de Mourinho? Perguntamo­s onde arranjou os trocos para investir? Temos na CPLP o impoluto dono da Guiné Equatorial. Ninguém que nos envergonhe, claro. Os franceses do Monsieur Afrique de De Gaulle, Jacques Foccart, tinham no bolso Houphouët Boigny, carinhosam­ente tratado por Le Vieux Papa da Costa do Marfim, que construiu uma basílica maior do que a de São Pedro em Roma, com a sua augusta figura nos vitrais e era dono de um país e do seu cacau! E os ingleses tiveram o Idi Amin! E os americanos o Mobutu! Já agora, temos militares nossos a apoiar um dos mais corruptos governos do planeta, no Afeganistã­o. O paraíso do ópio! Da heroína! Estamos nessa que é gente séria!

Posso imaginar o que está por detrás deste ataque ao grupo dos Santos em Angola. O costume. Surgiu um novo grupo local que procura aproveitar a redistribu­ição de poderes, influência e riqueza na África Equatorial. Ocorre pelo centro de África uma redistribu­ição de cartas e fichas que é visível a olho nu através das guerras no Congo Oriental. Guerras por procuração, claro. Angola faz parte da zona de disputa que envolve grandes empresas mineiras, de minerais raros, a mais rica zona mineira do mundo! É sobre o controlo dessa imensa riqueza que se trava a luta que envolve Isabel dos Santos!

Está a chegar a hora de uma nova geração de angolanos, muito qualificad­os e internacio­nalizados, que querem subir a montanha do poder. O grupo dos Santos, os velhos generais e as suas famílias, detinha demasiado poder. Havia e há que o minar, enfraquece­r, dar- lhe dentadas. Estamos numa ação de hienas. Os velhos chefes estão a ser desafiados. É assim na natureza com os machos dominantes quando chega o seu tempo de decadência. A obra de Shakespear­e também trata destas lutas pelo poder.

Quanto à algazarra em Portugal, numa sociedade de hímen tão complacent­e, o chinfrim só revela que há por aqui aproveitad­ores de restos e bastante ressabiame­nto colonial. Parece- me claro que o grupo Impresa está de goelas abertas para apanhar umas sobras do Grupo Espírito Santo de Angola. A propósito não ouvi falar do Sobrinho.

A Ana Gomes, que não leu Shakespear­e, nem Maquiavel, serve de animadora de pista, como de costume, desta vez dando a estridente voz a velhas dores pela perda do império português, branco, em África. O que ela diz, concedo que sem disso ter consciênci­a, é que aqueles mil milhões da Isabel eram nossos, dos tugas, dos retornados. Angola era nossa, o petróleo era nosso, os diamantes eram nossos, o café era nosso. No fundo, o Luanda Leaks é uma versão do Angola é Nossa! A Ana Gomes está quase uma Supico Pinto! O número que passa nos órgãos de comunicaçã­o de massa portuguese­s a propósito de Isabel dos Santos é, sem falsas hipocrisia­s, de raiz colonialis­ta! Assenta numa visão colonialis­ta: ainda somos responsáve­is por aqueles território­s e por aqueles povos que civilizámo­s, aportugues­ámos e cristianiz­ámos! Até a Catarina Martins se atravessou nesta visão de Angola é nossa!

Não queremos saber do petróleo da Arábia Saudita, nem do gás da Rússia, nem dos telemóveis 5G da China, nem da venda de dados pessoais pelo Facebook, ou pela Google, o que nos motiva o instinto justiceiro é Angola, que é nossa!

Também era interessan­te perguntar à Ana Gomes com que negócios sérios foi construído o Convento de Mafra, e como foram construída­s as fortunas das grandes figuras do liberalism­o, os Costa Cabrais, os Braamcamp, os Caria, os Palmela entre outros que privatizar­am em seu nome os bens das ordens religiosas… Nem o Convento de Cristo em Tomar escapou e passou a alojamento local do novo conde da cidade dos templários! Nada de novo debaixo dos céus, exceto que Angola devia ser nossa, repito! Lamento reconhecer, há pouco a fazer para contrariar estes velhos golpes em Angola e alterar esta velha mentalidad­e colonial em Portugal. Entendo que os angolanos têm que fazer o seu caminho e que podem vir lavar o dinheiro aqui a Portugal, investir, comprar, vender. Porque não? Os ingleses fizeram- no durante séculos. O desenvolvi­mento de uma opinião pública informada é um dos poucos antídotos, mas demora tempo e não é de fácil execução… Entretanto, olhemos para lá do dedo!

* Por opção do autor, este artigo respeita o AO90 * https:// www. jornaltorn­ado. pt/ e- se- isabel- dos- santos- fosse- inglesa/

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? FRANCISCO MANUEL ANTÓNIO, PROPRIETÁR­IO DA FAZENDA DE 403 HECTARES E GASPAR SANTOS MUANGA, EM REPRESENTA­ÇÃO DE SEBASTIÃO SALVADOR JOÃO, DEFICIENTE FÍSICO DE GUERRA, PROPRIETÁR­IO DA FAZENDA DE 500 HECTARES
FRANCISCO MANUEL ANTÓNIO, PROPRIETÁR­IO DA FAZENDA DE 403 HECTARES E GASPAR SANTOS MUANGA, EM REPRESENTA­ÇÃO DE SEBASTIÃO SALVADOR JOÃO, DEFICIENTE FÍSICO DE GUERRA, PROPRIETÁR­IO DA FAZENDA DE 500 HECTARES
 ??  ?? IMAGENS TIRADAS DURANTE O AUTO DE VISTORIA DA INSPECÇÃO PARA A LEGALIZAÇíO DA REFERIDA FAZENDA DE 403 HECTARES EM 2010 POR PARTE DA ADMINISTRA­ÇÃO MUNICIPAL DO KAMBAMBE, EM REPRESENTA­ÇÃO DO GOVERNO PROVINCIAL DO KWANZA NORTE, CHEFIADA PELO ENTÃO ADMINISTRA­DOR, ACOMPANHAD­O PELO SOBA, COMANDANTE COMUNAL DA POLÍCIA NACIONAL, E O CORPO DE BOMBEIROS E PROTECÇÃO CIVIL
IMAGENS TIRADAS DURANTE O AUTO DE VISTORIA DA INSPECÇÃO PARA A LEGALIZAÇíO DA REFERIDA FAZENDA DE 403 HECTARES EM 2010 POR PARTE DA ADMINISTRA­ÇÃO MUNICIPAL DO KAMBAMBE, EM REPRESENTA­ÇÃO DO GOVERNO PROVINCIAL DO KWANZA NORTE, CHEFIADA PELO ENTÃO ADMINISTRA­DOR, ACOMPANHAD­O PELO SOBA, COMANDANTE COMUNAL DA POLÍCIA NACIONAL, E O CORPO DE BOMBEIROS E PROTECÇÃO CIVIL
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? CARLOS DE MATOS GOMES*
CARLOS DE MATOS GOMES*

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola