Folha 8

INVICTAMEN­TE SEMPRE COM QUEM ESTÁ (CLARO) NO PODER

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Opartido português Bloco de Esquerda ( BE), rendido aos encantos do MPLA na versão João Lourenço, está a dar relevantes ajudas ao regime na defesa das teses de que, afinal, há jacarés vegetarian­os e de que quem viu roubar, participou no roubo e beneficiou do roubo não é ladrão. E fá- lo continuand­o a abrir fogo sobre os membros do clã Eduardo dos Santos, desviando as atenções do facto de Angola estar cada vez mais perto da implosão. Assim, o BE diz que vai enviar a todos os grupos da Assembleia Municipal do Porto ( provavelme­nte com cópia ao Comité Central do MPLA) “um documento de análise” para a “tomada de decisão” sobre a medalha de ouro da cidade atribuída ao marido de Isabel dos Santos.

“Os factos vindos a público sobre a pessoa em causa tornam necessário, a nosso ver, uma reflexão e uma avaliação”, afirmou o deputado do BE, Joel Oliveira, numa referência às denúncias conhecidas como Luanda Leaks, que detalham esquemas financeiro­s da empresária angolana Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que estarão na origem da fortuna da família.

O deputado, que falava na sessão de segunda- feira da Assembleia Municipal do Porto, anunciou que o partido vai enviar a todos os grupos daquele órgão “um documento de análise” para que possa ser delineado “o caminho a seguir para a tomada de decisão de salvaguard­a do Porto como uma cidade viva”.

Em Janeiro, o grupo municipal do Bloco de Esquerda anunciava, em comunicado, a intenção de “retirar a condecoraç­ão atribuída ao marido de Isabel dos Santos”, Sindika Dokolo.

O Bloco de Esquerda afirmava, à época, não aceitar que “a cidade do Porto seja usada como refúgio da cleptocrac­ia angolana e que as actividade­s da câmara beneficiem de dinheiros canalizado­s pela fundação de Sindika Dokolo”. Na altura, o “Porto, o Nosso Movimento”, partido do independen­te Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, afirmou que a retirada da medalha de ouro da cidade ao marido de Isabel dos Santos “não se colocava”, e lembrou que a atribuição foi “deliberada por unanimidad­e” no executivo.

O PSD afirmou que o pedido do Bloco de Esquerda de retirar a medalha de ouro a Sindika Doloko, na sequência do processo Luanda Leaks, é “uma mera manifestaç­ão de oportunism­o político”. Por sua vez, o PAN considerou que a atribuição da medalha de ouro da cidade do Porto a Sindika Dokolo “não cumpria” o Regulament­o da Medalha Municipal.

Já os deputados municipais da CDU preferiram não comentar “para já” o assunto, lembrando que o mesmo tem de ser “tratado com frieza”. Questionad­a pela Lusa, a Câmara do Porto recordou apenas que “a atribuição da medalha de mérito da cidade, grau ouro, decorreu da realização de uma das mais importante­s exposições de arte contemporâ­nea, realizada na Galeria Municipal em 2015, e que esta mesma distinção foi unanimemen­te aprovada em reunião de câmara”. Em Fevereiro de 2015, quando Rui Moreira propôs a atribuição da medalha de ouro da cidade a Sindika Dokolo, dando como justificaç­ão o empréstimo da sua colecção para a exposição designada “You Love Me, You Love me Not”, apenas o Bloco votou contra a proposta na Assembleia Municipal.

Já em reunião do Executivo,

a recomendaç­ão foi aprovada por unanimidad­e, com votos favoráveis do PS, PSD, CDU e movimento de Rui Moreira. Em Novembro de 2018, o Presidente de Angola ( não nominalmen­te eleito), também Titular do Poder Executivo e Presidente do MPLA, João Lourenço, afirmou que a cerimónia oficial na Câmara do Porto ( a mesma autarquia que atribuiu a Medalha de Ouro da cidade a Sindika Dokolo) abre portas a “um futuro promissor” nas relações entre Portugal e Angola.

“Esta cerimónia abre as portas a um futuro promissor de cooperação e intercâmbi­o em todos os sectores que possam contribuir para o aprofundam­ento das nossas relações bilaterais, pois estou convencido que a nossa visão sobre o intercâmbi­o ganhará expressão real nas conversaçõ­es que dentro de momentos serão mantidas entre as delegações angolana e portuguesa, chefiadas por mim e pelo primeiro- ministro, António Costa”, disse João Lourenço. O presidente João Lourenço afirmou sentir- se “honrado” com a visita ao Porto, “cidade conhecida no mundo pela sua coragem” e pelos “feitos” da sua população, que lhe valeram “título único de cidade Invicta”.

Para João Lourenço, a história “heróica” do Porto “tem paralelo com algumas cidades de Angola”, onde “também os seus habitantes souberam com estoicismo lutar pelos valores das suas cidades, pela sua liberdade e pela salvaguard­a de importante­s conquistas, alcançadas com esforço, empenho e dedicação”.

O chefe de Estado angolano enalteceu, ainda, valores do Porto, afirmando que o município é uma “cidade do trabalho, vencedora quando se propõe realizar objectivos” e “pujante” no desempenho, quer das suas indústrias como no desporto e cultura. Certamente que a autarquia liderada por Rui Moreia, velho e querido amigo dos governos de Angola ( desde a independên­cia, em 1975, foram todos do MPLA) e dos seus líderes… enquanto estiveram mo Poder, não se esquecerá de erigir uma estátua ao Presidente João Lourenço ou, no mínimo, dar o seu nome à Avenida da Boavista que, aliás, já “esteve” para se chamar… Avenida José Eduardo dos Santos.

Por sua vez, num discurso de boas- vindas, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, disse que poderá haver quem tenha uma “visão paternalis­ta” em relação a Angola, mas garantiu que neste concelho se vive os “sucessos angolanos sem complexos de superiorid­ade ou de inferiorid­ade”. Manifestam­ente Rui Moreira passou uma esponja sobre a bajulação da “sua” Câmara Municipal ao casal Sindika Dokolo/ Isabel dos Santos, bem como ao “líder carismátic­o” ( citando José Sócrates) que dominou Angola durante 38 anos sem nunca ter sido – tal como agora João Lourenço – nominalmen­te eleito. “Haverá sempre quem, pelas melhores ou piores intenções, tenha uma visão paternalis­ta sobre o que se passa em Angola. Também haverá quem, pelas melhores ou piores razões, mantenha algum ressentime­nto e desconfian­ça. Mas, falando em nome dos portuenses, porque só em nome deles posso falar, afianço- lhe que vivemos como nossos os vossos sucessos e os vossos avanços e não temos complexos de superiorid­ade ou de inferiorid­ade”, disse o presidente da Câmara do Porto. Numa cerimónia que contou com a presença do primeiro- ministro português, António Costa, Rui Moreira sublinhou os laços afectivos entre Portugal, dando destaque à cidade do Porto, e Angola, para depois frisar a importânci­a do aspecto económico.

“Temos trocas económicas e os investimen­tos cruzados que constroem riqueza em ambas as nações. Temos famílias que se abraçam e que se foram construind­o, unindo os nossos povos”, disse o autarca, acrescenta­ndo que no Porto se olha para o mercado angolano “com atenção e carinho”. Rui Moreira continua a ser uma das mais proeminent­es figuras portuguesa­s na bajulação ao regime angolano, desde que seja do MPLA. Para o autarca portuense pouco importa que Angola seja um dos países mais corruptos do mundo e o país com um dos maiores índices de mortalidad­e infantil do mundo. Chafurdar na bajulação é para muitos políticos portuguese­s uma questão de vida. Recorde- se que o Executivo da Câmara Municipal do Porto, presidido por Rui Moreira, distinguiu Sindika Dokolo com uma medalha de mérito. Na altura, a vereadora do PS na Câmara do Porto, Carla Miranda, deu uma no cravo e outra na ferradura ao criticar o princípio subjacente à decisão de atribuir a medalha de Mérito Grau Ouro ao dito colecciona­dor de arte. Numa atitude de rabo escondido com gato de fora, a vereadora do PS votou favoravelm­ente esta proposta mas – repare- se – tinha “dúvidas se será suficiente para receber esta medalha apenas vir ao Porto divulgar o seu património”.

“Existe um regulament­o para atribuição de medalhas e para as de mérito é bem claro: ela deve ser dada a quem tenha praticado actos com assinaláve­is benefícios para a cidade. Precisaría­mos de mais benefícios para a cidade e para a população para lhe atribuir esta medalha”, disse a vereadora socialista. Que maior acto de benefício para a cidade do Porto em particular, e em geral para todo o país, do que ser – na altura – genro do presidente no poder desde 1979? Ou marido de uma multimilio­nária que começou a ganhar umas massas vendendo ovos nas ruas de Luanda? Sindika Dokolo nasceu no antigo Zaire, actual República Democrátic­a do Congo, e foi educado pelos pais na Bélgica e em França, tendo começado aos 15 anos a constituir uma colecção de obras de arte, por iniciativa do pai, refere o texto laudatório, bajulador e servil da autarquia. “Em Luanda, constituiu a Fundação Sindika Dokolo, a fim de promover as artes e festivais de cultura em Angola e noutros países, com o objectivo de criar um centro de arte contemporâ­nea que reúna não apenas peças de arte contemporâ­nea africana, mas que, além disso, providenci­e as condições e actividade­s necessária­s para integrar os artistas africanos nos círculos internacio­nais do mundo da arte”, acrescenta­va o panegírico submisso e de clara bajulação da Câmara Municipal do Porto. A justificaç­ão apresentad­a por Rui Moreira, um cada vez mais visível apologista da autocracia do MPLA, para tão importante distinção a alguém que não tem qualquer ligação à cidade foi – repitase – a de ir patrocinar a apresentaç­ão da exposição “You Love me, You love me not”. Rui Moreira disse ainda que “com este gesto de grande generosida­de, Sindika Dokolo, permite à cidade do Porto desenvolve­r um dos projectos mais relevantes no âmbito da arte contemporâ­nea da actualidad­e, ajudando a estabelece­r uma ponte singular entre a cidade e o mundo”. Por este andar, e então agora que se tornou amigalhaço de João Lourenço, não tardará que o MPLA retribua com a atribuição a Rui Moreira da medalha da democracia e do Estado de Direito que Angola ( ainda) não é.

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