DOS SANTOS ASSUME E TIRA O TAPETE À TESE DA PGR (MPLA)
Oex- Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, confirmou que deu orientações ao antigo governador do Banco Nacional de Angola ( BNA) relativamente a uma transferência de 500 milhões de dólares, garantindo que tudo foi feito no interesse público.
Uma pergunta emerge. O que é, afinal, interesse público, na esfera de um Presidente da República a luz do Direito Administrativo?
Este conceito desde Marcelo Caetano a Clémerson Merlin Cléve era estudado com rigor, impondo- lhe a clarividência exigida pela norma administrativa, num Estado cujos agentes públicos, não deve prescindir da sua responsabilidade, quanto a defesa dos direitos humanos e das reivindicações sócio- económicas.
No entanto, pese a divagação e a falta de um cabouco concreto nesta definição, o jurisconsulto Jurgen Habermas considera como estando a esfera pública a ser “colonizada” pela privada, porquanto a definição corrente em geral promovida pela imprensa e aceite por quase todos os sectores da sociedade neoliberal coincide, no máximo, com um
“dever de encenar dramas em público e o direito do público em assistir à encenação”. No caso da assertiva de José Eduardo dos Santos, ter autorizado a operação de 500 milhões de dólares, coloca em discussão não só o conceito, como ainda a oportunidade em que um alto gestor público determina uma operação financeira, sem suporte de um órgão colegial.
Aqui reside um dos principais problemas do sistema de governo angolano, que viola e atenta contra o atipismo da própria Constituição, que transforma um parlamentarismo evidente, cabocado no art. º 109. º , com blindagem no n. º 3 do art. º 114. º , mas se efectiva a “contrariu sensu”, através de um presidencialismo, conformador de um governo unipessoal.
Art. º 108. º
( Chefia do Estado e Poder Executivo)
O Presidente da República é o Chefe de Estado, o Titular do Poder Executivo e o Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas.
Por esta razão Emerson Gabardo da Pontifíca Universidade Católica do Paraná do Brasil, definir interesse público não é mais difícil que conceituar “justiça”, “eficiência” ou mesmo “moralidade”; aliás, a este último princípio constitucional tem- se conferido elevada importância e aplicabilidade jurídica. E nem por isso costuma- se recusar o carácter ético- jurídico condicionante destas noções. Sendo assim, o carácter abstrato não pode ser tomado como óbice para a sua condição de princípio; mas esta é uma crítica recorrente. Alega- se que o interesse público retrata conceito jurídico indeterminado de difícil concretização. Autores como Humberto Ávila advogam a tese de que “o interesse público não é determinável objectivamente”.
No caso angolano, a decisão de José Eduardo dos Santos não pode agora, ser condicionada ou questionada pelo Tribunal Supremo, porquanto a bestialidade de “juristas - ideológicos” colocarem um Presidente da República, não nominalmente eleito, como órgão de soberania, não só representa um autêntico assassínio aos preceitos juridico- constitucionais, como desvirtua a solenidade que uma Constituição deve ter.
Art. º 105. º ( Órgãos de soberania)
1. São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais.
Na realidade, esta carta- resposta de José Eduardo dos Santos vem destapar a podridão do sistema e colocar a prova a capacidade do sistema judicial e político angolano, que terão de repensar os malefícios que o excesso de poder conferido pela actual Constituição a uma pessoa, ao invés de órgãos.
Daí a crítica da imprecisão do conteúdo dos interesses públicos e das suas consequências negativas, na esfera das ideias e do Direito administrativo clássico, defendido por Massivo Severo Giannini, que considera um falso problema, o conceito de interesse público e nem o facto de ser vago retira a possibilidade de significação e equacionamento jurídico. Infelizmente, os próprios limites da Constituição determinam, serem os actos de exercício do Executivo da responsabilidade do Presidente da República, que discricionariamente, escolhe e nomeia, quem podendo não ter a competência bastante para o exercício de funções, tenha fidelidade canina partidária, como atesta a al. ª j) do art. º 119. º ; Compete ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado: “nomear e exonerar o Governador e os Vice - Governadores do Banco Nacional de Angola”. Ora, a responsabilidade pelo acto de transferência dos 500 milhões, só pode ser assacada ao Presidente da República, porquanto, sendo ele o governo, os demais como órgãos auxiliares são meros executores das ordens emanadas, não havendo qualquer possibilidade de evocação de ordem ilegítima para um eventual incumprimento, sobre uma medida de interesse público.
Ademais, no caso em tela, Dos Santos não poderá ser criminalizado, nem hoje, nem depois de 5 anos, porquanto o art. º 127. º da CRA ( Responsabilidade Criminal), diz que o Presidente da República não é responsável pelos actos praticados no exercício das suas funções(...)”.
Ora o caso concreto repousou, ainda que de forma obtusa, na esfera do “exercício de funções”. Outrossim a devolução do dinheiro, que afinal repousava na conta e esfera jurídica do BNP- Paribas, em Londres afasta a tese de eventual avocação a responsabilidade criminal por “suborno, traição à Pátria e prática de crimes definidos pela presente Constituição como imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia”, como prevê o artigo acima citado, porquanto o dinheiro estava na conta de um terceiro que convenceu que poderia viabilizar com a garantia de um milhão e meio, um financiamento de 30 mil milhões de dólares.