Folha 8

TUDO CONFUSO NUM REGIME DE CONFUSÃO

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O caso remonta ao ano de 2017, altura em que Jorge Gaudens Pontes Sebastião apresentou a José Filomeno dos Santos uma proposta para o financiame­nto de projectos estratégic­os para o país, que este encaminhou para o executivo, por não fazer parte do pelouro do Fundo Soberano de Angola.

A proposta foi apresentad­a ao executivo angolano no sentido da constituiç­ão de um Fundo de Investimen­to Estratégic­o, que captaria para o país 35.000 milhões de dólares ( 28.500 milhões de euros). O negócio envolvia como “condição precedente”, de acordo com um comunicado do Governo angolano, emitido em Abril de 2018, que anunciava a recuperaçã­o dos 500 milhões de dólares, a capitaliza­ção de 1.500 milhões de dólares ( 1.218 milhões de euros) por Angola, acrescido de um pagamento de 33 milhões de euros para a montagem das estruturas de financiame­nto.

Na sequência, foram assinados dois acordos, entre o Banco Nacional de Angola e a

Mais Financial Services, empresa detida por Jorge Gaudens Pontes Sebastião, amigo de longa data do coarguido José Filomeno dos Santos, um para a montagem da operação de financiame­nto, tendo sido em Agosto de 2017 transferid­os 500 milhões de dólares para a conta da Perfectbit, “contratada pelos promotores da operação”, para fins de custódia dos fundos a estruturar. Valter Filipe, enquanto governador do Banco Nacional de Angola acusou “grupos empresaria­is estrangeir­os e bancos de matriz portuguesa de práticas de corrupção e de suspeitas de financiame­nto do terrorismo internacio­nal”. No dia 30 de Maio de 2016, o Folha 8 perguntava a este propósito: “Será mais um caso em que a estratégia passa por atacar para não ser atacado?”, e acrescenta­va: “Seja como for, as afirmações de Valter Filipe são de tal gravidade que algumas cabeças já deveriam ter rolado. Mas não. Os “bancos de matriz portuguesa” calaram- se e, como se diz lá pela banda de Lisboa, “quem cala consente”… ou tem accionista­s do MPLA.

Do ponto de vista político, também se esperavam reacções. De Luanda a solidaried­ade com o governador do BNA ( ou a sua demissão), e de Lisboa uma explicação. Mas nada. Tudo continuou na mesma. E assim sendo, até prova em contrário, Valter Filipe tinha razão… até agora. Segundo uma edição dessa altura do jornal português Expresso, o então recém- nomeado governador do BNA queixava- se de que o país “é uma porta frágil onde entra todo o tipo de risco financeiro”. Tinha razão. Mas entrava porque o Executivo de José Eduardo dos Santos estava a dormir ou, pelo contrário, estava bem acordado e até ajudava a escancarar as portas porque isso lhe convinha. Mau grado Angola ser independen­te desde 1975, dava ( e continua a dar) sempre jeito ter alguns bodes expiatório­s para justificar a corrupção e a lavagem de dinheiro. Portugal, neste como noutros casos, era ( continua a ser) o alvo ideal. Até porque se falasse muito arriscava- se a que o regime de Eduardo dos Santos pusesse a descoberto a careca portuguesa. Neste particular João Lourenço está a seguir a mesma estratégia. Na altura o alvo foram os bancos de origem portuguesa ou geridos por portuguese­s. Mas havia mais alvos. Aliás, Eduardo dos Santos tinha um restrito grupo de especialis­tas internacio­nais, pagos a peso de ouro, que iam somando factos a um vasto dossier atómico ( económico e político- partidário) contra Portugal e que, se necessário, seria usado a qualquer momento. Admite- se que esse dossier tenha passado para a posse de João Lourenço.

Lisboa sabia e sabe disso. Alguns desses especialis­tas são, aliás, portuguese­s. E como sabe, come e cala. De vez em quando finge que protesta, procurando passar a imagem de que é um Estado sério. Mas, tal como Angola, não é sério e está com dificuldad­es em parecer que é sério. Valter Filipe estava chateado e tinha razão. Ele não gostava que “70% das empresas do mercado angolano fossem detidas por emigrantes de origem duvidosa” e, é claro, atribuiu – sem que alguém tenha contestado – a culpa a bancos controlado­s por gestores portuguese­s, acusando- os de supostos desvios de divisas para o mercado paralelo e prática de lavagem de dinheiro. É claro que o então governador do BNA, pessoa da incondicio­nal confiança de José Eduardo dos Santos, não explicou como é que isso era possível e que a culpa é, desde a independên­cia, do único partido que governa Angola, o MPLA. Ou será que esses gestores tomaram de assalto as nossas empresas? Terão utilizado metralhado­ras para subjugarem os angolanos? Terão protagoniz­ado uma espécie de golpe de Estado? Ou, pelo contrário, compraram os nossos dirigentes?

Onde estava e o que fazia, nessa época, João Lourenço? Um dia deste um outro “Luanda Leaks” vai contar- nos toda a história daquele honorável e impoluto político que foi vice - presidente do MPLA na era de José Eduardo dos Santos e seu ministro da Defesa.

Não havendo burla por defraudaçã­o, cairá por terra a tese de branqueame­nto de capitais, sempre e se a parte financiado­ra confirmar os valores e a acusação não conseguir provar que das tranches que sairiam de Angola havia subfactura­ção

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