CONTEÚDO DA OBRA
Com a mestria que lhe é própria, Pepetela, volta a surpreender, no estilo, na forma e na substância, com o seu mais recente romance “SUA EXCELÊNCIA, DE CORPO PRESENTE”. O autor descreve de forma acutilante a sua apurada ironia, recorta, de forma sarcástica e implacável, realidades, não raras vezes, a raiar a caricatura e o ridículo. Com a perspicácia de observador atento e profundo conhecedor da história e do mundo que o rodeia, particularmente do continente africano, que o viu nascer, Pepetela regressa com toda sua força, talento e sensibilidade, próprios do grande criador que é.
A história desenrola-se, num tempo recente, num local indeterminado de um qualquer país africano. Do protagonista e narrador, não se conhece o nome. Apenas se sabe que foi presidente de um país africano e que teve morte súbita, atingido por uma “maldita doença que apanhou a todos desprevenidos”. O insólito começa no primeiro parágrafo, com a declaração do narrador: “Estou morto”.
“Num enorme salão deitado num caixão jaz um ditador africano. Está morto, mas vê, ouve e pensa. Assim estirado, aprisionado num corpo sem vida, mas na posse das suas faculdades intelectuais, só lhe resta entreter-se a recordar as peripécias vividas com muitos dos que lhe vieram dizer adeus, entre os quais os familiares mais próximos, designadamente a primeira-dama, as outras mulheres e namoradas e os numerosos filhos, que ao todo ocupavam 42 lugares no velório. Vieram também as altas figuras do Estado.
Ao relembrar a sua vida, o percurso que o levou a presidente e os muitos anos como Chefe de Estado, vai revelando os meandros do poder político, o nepotismo que o corrói e os vários abusos permitidos a quem o detém. Como percebe tudo o que se passa à sua volta, e é muito difícil a um ditador deixar de o ser, Sua Excelência, não só vai tecendo considerações sobre os presentes e os seus interesses políticos, como tenta adivinhar os seus pensamentos e maquinações. Pois, mesmo morto, não deixará a sua sucessão em mãos alheias e nela tentará imiscuir-se através do seu espiãode-um-olho-só, que lhe é tão fiel na morte como foi durante a vida.