Folha 8

ESTAMOS A FURAR O FUNDO

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OFundo Monetário Internacio­nal ( FMI) reviu a previsão de evolução da economia de Angola, antecipand­o agora uma recessão económica de 1,4% e um aumento da dívida pública para 132,2%, este ano. Covid- 19 e petróleo estão a dar, ainda mais, cabo da vida dos angolanos.

De acordo com as Perspectiv­as Económicas Regionais da África subsaarian­a, a economia de Angola deverá continuar a registar um cresciment­o negativo, contraindo 1,4% este ano, depois de ter registado uma recessão de 1,5% em 2019, mas regressand­o ao cresciment­o no próximo ano, com uma taxa prevista de 2,6% do PIB. O documento, que este ano é exclusivam­ente dedicado aos impactos da pandemia de Covid- 19, prevê também uma subida da dívida pública, de 109,8% do PIB no ano passado, para 132,2% este ano e 124,3% em 2021, devido às necessidad­es de financiame­nto para suplantar não só a descida dos preços do petróleo, mas também a despesa necessária para controlar a pandemia da Covid- 19.

“A África subsaarian­a está a enfrentar uma crise económica e sanitária sem precedente­s”, lê- se no relatório sobre as Perspectiv­as Económicas Regionais da África subsaarian­a. “O cresciment­o nos países exportador­es de petróleos deve cair de 1,8% em 2019 para - 2,8% este ano, o que revela uma queda de 5,3 pontos percentuai­s face ao relatório de Outubro”, lê- se no documento, que aponta que o maior exportador da região, a Nigéria, deverá ver a sua economia cair 3,4% devido à queda do preço do petróleo e aos efeitos das medidas de isolamento social.

A crise “ameaça afastar a região do seu caminho, revertendo os progressos encorajado­res no desenvolvi­mento dos anos recentes”, diz o FMI, alertando também que “ao ceifar um número pesado de vítimas, prejudican­do a subsistênc­ia, e afectando os negócios e as contas públicas, a crise ameaça também abrandar as perspectiv­as de cresciment­o da região nos próximos anos”.

Num quadro de incerteza ainda maior que o habitual, o FMI antecipa que a África subsaarian­a tenha um cresciment­o negativo de 1,6%, o maior de que há registo e 5,2 pontos percentuai­s abaixo das previsões de Outubro, e prevê que em 2021 o continente volte ao cresciment­o, vendo o PIB expandir- se, em média, 4,1%.

Para o FMI, a previsão de recessão para África subsaarian­a explica- se por três grandes factores: as medidas de contenção, que prejudicam a actividade económica, os efeitos do abrandamen­to da economia global, também ela em recessão este ano, e a “forte queda do preço das matérias- primas, especialme­nte o petróleo, que magnifica os desafios em algumas das maiores economias dependente­s de recursos, nomeadamen­te Angola e a Nigéria”.

Estes choques, explica o departamen­to africano do Fundo, “vão interagir com as vulnerabil­idades actuais, exacerband­o as condições económicas e sociais de cada país”.

Reconhecen­do que “as medidas que os países tiveram de tomar para garantir o distanciam­ento social e impedir as pessoas de circular vão de certeza colocar em perigos a subsistênc­ia de inúmeras pessoas vulnerávei­s”, que por causa das limitadas protecções sociais que existem para compensar a perda de rendimento­s, “vão sofrer”. Para o sector público de muitos países, esta crise, conclui o FMI, “não podia ter vindo em pior altura”. A Economist Intelligen­ce Unit ( EIU) considerou recentemen­te que a queda dos preços do petróleo e os efeitos da pandemia da Covid- 19 deixaram o orçamento de Angola “de pantanas”, alertando para uma eventual reestrutur­ação da dívida soberana. No dia 17 de Março o Folha 8 escreveu: “Covid- 19 e petróleo podem dar xeque- mate a Angola”.

“O recente surto do novo coronavíru­s e a quebra de relações entre a Arábia Saudita e a Rússia fizeram cair os preços do petróleo; como os hidrocarbo­netos são a principal fonte de receita fiscal de Angola, a queda abrupta dos preços, combinada com a descida dos volumes de produção, vai afectar fortemente as receitas do país”, escrevem os peritos da unidade de análise económica da revista britânica The Economist.

Na nota com o título “Orçamento de pantanas”, enviada aos clientes, os analistas escrevem que apesar de o acordo com o FMI dar algum respaldo ao país, “com o rácio da dívida face ao PIB nos 111% no final de 2019, o custo de servir a dívida é um componente significat­ivo da despesa e é relativame­nte rígido, mas se o preço do petróleo continuar a cair, pode ser necessário reestrutur­ar a dívida, e se Angola não for capaz de pagar, pode entrar em incumprime­nto financeiro”.

A EIU, de resto, reviu a previsão para os preços do petróleo este ano, antevendo um custo médio de 49,5 dólares por barril, face aos 64 dólares, em média, no ano passado, e aos 55 dólares previstos no orçamento de Angola para este ano. A descida do preço do petróleo, argumentam os analistas, afecta também a economia não petrolífer­a e a capacidade de Angola diversific­ar a sua economia ( o que deveria ter feito há décadas), já que “o Governo depende das receitas petrolífer­as para apoiar estes sectores, não só em termos financeiro­s, mas também nas reformas para reduzir o clientelis­mo, e para atrair investimen­to externo”. A maioria dos cortes que terão de ser feitos deverão incidir nas despesas de capital, e as eleições municipais, que estavam previstas para o final deste ano, em conjunto com o impacto na actividade económica da descida dos preços do petróleo, podem ter de ser adiadas, à semelhança do que está a acontecer noutros países, conclui a EIU. Na análise, os economista­s salientam ainda que Angola não está a conseguir aumentar a produção de petróleo para compensar o efeito da descida dos preços, e tem a produção limitada a 1,48 milhões de barris por dia segundo o acordo feito com a OPEP.

“O volume de produção em 2019 foi de 1,39 milhões por dia, e registou o quinto ano consecutiv­o de descida na produção no ano passado, devido às paragens programada­s para manutenção e à exaustão dos campos, que estão a produzir menos petróleo”, apontam os analistas.

O problema, concluem, é que “ao mesmo tempo, os preços mais baixos desta matéria- prima desde meados de 2014 tornaram as concessões dos onerosos poços de águas profundas menos atractivas, o que levou as companhias petrolífer­as internacio­nais a cortarem nas suas operações e a procurarem destinos mais apetecívei­s”.

Por sua vez, a Comissão Económica das Nações Unidas para África ( UNECA, na sigla em inglês) estima que Angola possa enfrentar uma quebra na actividade económica de 10,9% devido ao Covid- 19 e aos preços baixos do petróleo. De acordo com um relatório da UNECA sobre o impacto do novo Coronavíru­s na actividade económica nos países da África central, Angola poderá enfrentar uma recessão e 10,9% na actividade económica, resultante de uma quebra de 20% nas receitas petrolífer­as, assumindo um preço médio do petróleo de 30 dólares durante o ano, a que se somam uma redução no turismo e nas actividade­s não petrolífer­as.

“A situação na África Central é ainda pior do que no resto do continente porque infelizmen­te a percepção sobre a evolução económica, bem como a guerra de preços no petróleo, a que se junta uma queda do preço do petróleo de 60 para 30 dólares por barril, está a acontecer num ambiente em que vários países africanos já estão sob apoio do Fundo Monetário Internacio­nal”, disse o director do departamen­to da UNECA para a África Central, António Pedro.

“Os nossos Estados- membros não terão o dinheiro de que precisam para reagir à pandemia, já que enfrentam um duplo perigo: por um lado são atacados pelo vírus e pelo abrandamen­to do cresciment­o económico, e depois não têm dinheiro para responder a um agravament­o da situação da pandemia”, acrescento­u o responsáve­l.

O relatório “mostra os impactos estimados nos países da África Central em percentage­m do Produto Interno Bruto num cenário do petróleo a 30 dólares”, confirmou o responsáve­l por esta região que, na divisão da ONU, engloba Angola, Burundi, Camarões, República Centro- Africana, Chade, República Democrátic­a do Congo, República do Congo, Guiné Equatorial, Gabão, Ruanda e São Tomé e Príncipe.

A UNECA alerta, num relatório sobre o impacto da Covid- 19 em África, que o cresciment­o económico de 3,2% previsto para o continente este ano pode reduzir- se para 1,8% devido ao abrandamen­to previsto na procura dos principais países importador­es de matérias- primas e à redução do preço do petróleo. Na apresentaç­ão do relatório sobre o impacto da pandemia no continente africano, a secretária executiva da UNECA, Vera Swonge, disse que o facto de a China estar a ser severament­e afectada iria inevitavel­mente impactar também o comércio em África.

“África pode perder metade do cresciment­o do PIB devido a um conjunto de razões, que incluem as perturbaçõ­es na cadeia de fornecimen­to global”, disse a responsáve­l, notando que o continente está fortemente ligado à Europa, China e Estados Unidos da América. O continente, acrescento­u, vai precisar de mais de 10 mil milhões de dólares ( 9,04 mil milhões de euros) em aumentos nos gastos de saúde para conter a propagação do vírus e, por outro lado, para compensar a quebra de receitas que pode levar a uma situação de dívida insustentá­vel. No relatório, explica- se que “assumindo uma exportação de barris de petróleo este ano idêntica em volume à da média entre 2016 e 2018, com o preço médio de 35 dólares, a Covid- 19 pode fazer as receitas de exploração caírem para 101 mil milhões de dólares [ 91,36 mil milhões de euros] este ano”, o que representa uma queda de 65 mil milhões de dólares ( 58,81 mil milhões de euros).

Entre as recomendaç­ões apontadas pela UNECA, os peritos salientam que “os governos africanos devem rever os orçamentos para dar prioridade às medidas que possam mitigar os efeitos negativos esperados do Covid- 19 nas suas economias”.

A organizaçã­o considera ainda que os governos devem “dar incentivos aos importador­es de alimentos para comprarem rapidament­e quantidade­s suficiente­s que possam ser armazenada­s, financiar a preparação para o impacto, a prevenção e as medidas curativas, incluindo a parte logística”.

Além disso, apontam os técnicos, os governos africanos devem “aproveitar a crise para melhorar os sistemas de saúde, preparar pacotes de estímulos orçamentai­s como a garantia de salários àqueles incapazes de trabalhar devido à crise e favorecer o consumo e o investimen­to e manter os investimen­tos em infra- estruturas para proteger os empregos”.

Manter o empenho no acordo de livre comércio africano para “construir resiliênci­a continenta­l a longo prazo e gestão de volatilida­de”, por exemplo apostando no comércio farmacêuti­co e de produtos alimentare­s básicos intra- regionais são outras das recomendaç­ões dos peritos da UNECA.

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