Folha 8

O TERRORISTA DE BERKELEY DE PEPETELA

-

O Terrorista de Berkeley, Califórnia, publicado no princípio de 2008, é uma obra bastante interessan­te por algumas razões. A primeira delas é o facto de este ser o primeiro romance de Pepetela ambientado fora de Angola e de África. Escrito por ocasião da ida do escritor à Universida­de de Berkeley, em 2003, como escritor convidado, Pepetela resolveu dedicar-se a escrever algo para si mesmo e, mais uma vez, sem intenção de publicação, como afirmou em entrevista­s, após haver exaurido as visitas turísticas a São Francisco e adjacência­s.

TEXTO DE ROBSON DUTRA*

Otexto é centrado na figura de Larry, um jovem notável nas ciências que, desiludido após um namoro fracassado e o nível questionáv­el do intelecto de seus colegas, resolve dedicar- se à escrita de mensagens electrónic­as a um afro- americano igualmente desencanta­do após ser abandonado por sua família. O sentimento de nãopertenç­a e de injustiça sofrido por ambos dá origem a uma série de mensagens, algumas delas com forte cunho de protesto, que os faz propor, metaforica­mente, a explosão de ícones norte- americanos como a ponte Golden Gate e outros pontos turísticos locais. O que ambos desconhece­m, todavia, é que os acontecime­ntos posteriore­s ao dia 11 de Setembro de 2001 deram início a um exaustivo trabalho de investigaç­ão – que retoma traços das narrativas policístic­as protagoniz­adas pelo risível detective Jaime Bunda – levando grupos de inteligênc­ia a um exame minucioso de todas as mensagens electrónic­as enviadas e recebidas nos EUA que, naturalmen­te, lança os seus responsáve­is a uma busca desenfread­a desses “terrorista­s”. Desse modo, Pepetela traça uma caricatura dos nossos tempos e da paranóia desencadea­da pelo terrorismo e pelo fundamenta­lismo que fazem que todos nos sintamos reféns do medo, de inimigos imaginário­s e imaginados que se encontram em tudo o que olha e

se move. Como lhe é caracterís­tico, Pepetela lança mão do humor cáustico e da ironia refinada, deixando quase fugir a ideia de que foi ele próprio que teve o impulso e o prazer de a personagem principal de se fingir, num jogo perigoso, de terrorista. Como se pode prever, o final da narrativa é bastante caótico e violento – ou seja, uma perfeita alegoria de nossos tempos

– deixando escapar o forte gosto de impotência e incapacida­de diante de forças ditas “maiores”. Assim, deambuland­o por território americano, Pepetela faz presente a premissa de “histórias locais” para exprimir “projectos globais”, fazendo entrever não apenas a África, mas uma série de outros espaços muito mais próximos, conhecidos e ameaçadore­s…

* Doutor em Literatura Portuguesa/ Literatura­s Africanas pela UFRJ

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola