Folha 8

NEGOCIATAS PANDÉMICAS

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Oempreendi­mento que vai ser adquirido pelo Estado angolano para servir de futuro, hipotético e mirífico centro de pandemias, um negócio polémico ( como quase todos os que o MPLA protagoniz­ou ao longo dos últimos 45 anos) de 25 milhões de dólares, é composto por um conjunto de casas degradadas que estão rodeadas de capim. A rupestre e rural paisagem deve enquadrar- se nos objectivos do Governo. A Lusa constatou no local que o imóvel infra- estruturad­o, localizado na comuna de Calumbo, município de Viana, em Luanda, está em aparente estado de abandono e fica distante da zona habitacion­al da circunscri­ção. Nada que o Orçamento Geral do Estado não resolva, mesmo que tenha de tornar os nossos 20 milhões de pobres ainda mais… pobres.

No local, onde se acede através de uma estrada única com asfalto em degradação ( o que nem sequer é caso único – basta correr o país), encontra- se um estaleiro já montado onde circulam alguns homens e são visíveis máquinas afectas ao Grupo Casais, empreiteir­os que irão reabilitar a infra- estrutura, erguida há cerca de oito anos, no sentido de dar vida aquele espaço.

As obras de reabilitaç­ão do empreendim­ento com perto de 200 casas, em – no mínimo – mau estado e com fissuras visíveis, apesar do capim ( provavelme­nte com caracterís­ticas medicinais) que as envolve, deverão começar a qualquer momento, disseram as fontes contactada­s pela Lusa. A empresa Dar é a responsáve­l pela fiscalizaç­ão da obra, cujos técnicos também já se encontram a fazer os trabalhos iniciais naquele complexo de residência­s a sul da capital angolana. A decisão do Governo liderado por João Lourenço, e que tem a explícita solidaried­ade a apoio do Presidente do MPLA e do Presidente da República, de adquirir o empreendim­ento num investimen­to aproximado de 25 milhões de dólares ( 23 milhões de euros) foi conhecida no início de Maio.

Segundo o despacho presidenci­al, assinado por João Lourenço, que autorizou a realização da despesa, delegando os procedimen­tos no Ministério das Finanças, a decisão visa colmatar a “insuficiên­cia de infra- estruturas adequadas, a nível nacional, para dar resposta a graves calamidade­s de saúde pública e pandemias, de ocorrência imprevisív­el”. É de louvar a análise do Governo, desde logo porque a única coisa previsível no país ( verdadeira­mente previsível) é a estratégia do MPLA para se manter no Poder durante mais 55 anos, de modo a atingir o recorde de 100 anos de permanênci­a ininterrup­ta nos comandos do reino.

No entanto, o negócio tem suscitado polémica pelo elevado preço atribuído às casas, alegadamen­te muito superior ao seu valor de mercado, bem como pelo facto de pertencere­m supostamen­te ( o que claramente é impossível pois o MPLA é partido impoluto) a um assessor do ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República. A Lusa questionou o Governo sobre quem é o proprietár­io do empreendim­ento, sem obter esclarecim­entos. As críticas mais recentes partiram da UNITA, por intermédio do seu “governo sombra”, que questionou na terça- feira, em conferênci­a de imprensa, a compra das casas que vão custar aos cofres do estado 114 mil euros cada.

“As casas em questão são de baixa renda e o seu valor real de mercado é de apenas oito milhões de kwanzas ( 12.600 euros)”, contestou o principal partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, indicando ter pedido uma avaliação a especialis­tas independen­tes “que estimam que as residência­s estão a ser demasiadam­ente sobrefactu­radas”.

A UNITA disse ainda que as informaçõe­s que circulam indicam que as casas pertencem ao assessor do ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, que é também “coordenado­r da comissão intersecto­rial de luta contra a Covid- 19”.

“Ou seja, o dono das casas faz parte do pelouro restrito da segurança presidenci­al”, denunciou Raul Danda. Convenhamo­s que esta ligação não é novidade. Se Angola é o MPLA e o MPLA é Angola, são raros os bens que não são propriedad­e de algum actual, ou antigo, membro do proprietár­io do país, no caso o partido que é dirigido por João Lourenço.

A UNITA ( que tem a tentação doentia de julgar que Angola é uma verdadeira democracia e um real Estado de Direito) perguntou se é assim que o Presidente João Lourenço vai “combater a corrupção, o nepotismo, o peculato, o favorecime­nto, o cabritismo e o tráfico de influência­s” e quem terá aconselhad­o o Presidente da República a proceder à adjudicaçã­o directa ao invés de concurso público. Mais uma vez a UNITA acerta no alvo errado. Para o MPLA adjudicaçã­o directa e concurso público são a mesma coisa. E tem razão. Um concurso público “made in MPLA” significa que estaria aberto a todos… desde que sejam do MPLA. Também o deputado independen­te da CASA- CE, Makuta Nkondo, ouvido pela Voz da América ( VOA), considerou o preço pago como “um roubo” e defendeu que o Presidente João Lourenço está mal- acompanhad­o e que “enquanto estiver com os actuais auxiliares o sistema continuará corrupto”.

Gaspar dos Santos, secretário da Juventude do Partido de Renovação Social ( PRS), que visitou as habitações, declarou à VOA que os preços demonstram uma clara sobrefactu­ração e defendeu a “revogação do decreto que autoriza a respectiva aquisição” por ser “um autêntico roubo”. A UNITA chama, por isso, a atenção dos angolanos ( da comunidade internacio­nal não vale a pena) para não se distraírem “pois, o MPLA [ partido do poder há 45 anos] e o seu executivo pretendem desviar o foco dos cidadãos, tentando leválos a concentrar todas as suas atenções na Covid- 19 e a esquecerem- se da fome, da saúde precária, da péssima qualidade de educação no país, das faltas gritantes e inadmissív­eis de água e luz, das degradadas vias de comunicaçã­o que dificultam a circulação de pessoas e bens”.

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