A EXALTAÇÃO E A CONTROVERSA LIDERANÇA
Ao seu lado, a contribuir para a afirmação da sua liderança, estão dois mestiços que o acompanharão a vida inteira, Lúcio Lara e “Iko” Carreira. Dois trunfos da sua tranquilidade, pois nenhum deles poderia jamais afastá-lo do poder, por ser nessa altura impensável um mestiço obter apoios para liderar um movimento de libertação dum país da recémlibertada África Negra
Ao seu lado, a contribuir para a afirmação da sua liderança, estão dois mestiços que o acompanharão a vida inteira, Lúcio Lara e “Iko” Carreira. Dois trunfos da sua tranquilidade, pois nenhum deles poderia jamais afastá- lo do poder, por ser nessa altura impensável um mestiço obter apoios para liderar um movimento de libertação dum país da recém- libertada África Negra.
Mas, mesmo assim, a posição de líder que Agostinho Neto ocupava então nem por isso se consolidou, pelo contrário, suscitou, pela sua actuação de tendência centralizadora, comentários críticos de alguns camaradas, aproveitados num primeiro tempo por Viriato da Cruz - na medida em estavam lançadas as divergências entre os dois homens, este último maoísta e Neto pró- soviético - com o objectivo de denunciar abertamente um regime incompatível com a prática da democracia interna. Rapidamente as coisas azedaram e chegou- se mesmo – mas mais tarde -, ao extremo de Viriato se posicionar abertamente do lado da FNLA, ou seja, o avesso do MPLA. Era a primeira vez que se manifestava um grave fraccionismo no seio do movimento. Agostinho Neto resolveu- o à sua maneira, mal, pela exclusão pura e simples dos seus adversários políticos. Num primeiro tempo graças a uma manobra no seio do Comité Central que levou à sua eleição como presidente e à supressão do cargo de secretário- geral do movimento, exercido até ai por Viriato ( resultado dum escrutínio que nunca foi aceite pelo secretário- geral até aí ainda em exercício), mais tarde à agressão física, mais tarde ainda à eliminação física ( assassinato) dos seus principais adversários políticos. Segundo a historiadora portuguesa, Dalila Cabrita Mateus, as divisões no MPLA percorrem toda a história do movimento. E vai daí a dar um exemplo, datado deste período, « ( ...) no início dos anos 60, um informador conta à polícia ter assistido a uma cena de pugilato em que teriam estado envolvidos dois grupos: de um lado, Viriato da Cruz, Matias Miguéis e outros; do outro lado, Agostinho Neto, Lúcio Lara, Henrique Carreira ( Iko), Domingos da Silva, Aníbal de Melo, Deolinda Rodrigues, Eduardo Macedo dos Santos, Gentil Viana e Américo Boavida. Este grupo consegue dominar o primeiro, cujos membros se refugiam em casa de simpatizantes ( Dalila Cabrita Mateus, PIDE/ DGS na Guerra Colonial, 19611974, Terramar, 2004, página 249) » .
Dino Matrosse, nas suas “Memórias”, fazendo referência às visitas que Viriato da Cruz fazia à residência de Ndolo, onde ele residia após ter chegado à capital do Congo, relembra essa passagem da história do MPLA, situando- a a 7 de Julho de 1963[ 3]. Deolinda Rodrigues, na realidade prima de Agostinho Neto, ou melhor, na tradição africana, irmã, e isso porque o pai de Neto era irmão de pai e mãe da mãe de Deolinda, cujo pai era natural de Kissembe/ Kalomboloca, e a mãe oriunda do Kwanza- Sul, também se refere a esta penosa época da história do MPLA.
Por exemplo, alguns meses depois da cena de pancadaria em Leopoldville, Deolinda, sempre preocupada com a formação duma Frente Nacional de combate ao colonialismo, assegura, numa carta endereçada a Maria, datada de 29.09.63, que « alguns camaradas sugerem uma reconciliação com Viriato » e questiona, « ( ...) Qual a vossa opinião? Que bases deve haver para tal reconciliação? ( D. R. ibidem, pág. 141) » . A querer unir.
Mais tarde, sempre na primeira linha de combate para criar uma Frente Unida de libertação de Angola, Deolinda lamenta, em carta datada do 5 de Novembro de 1963, enviada ao seu cúmplice amigo Ismael, o facto de Viriato ter distribuído um panfleto a acusar a ala de Neto de estar a informar os Portugueses. No dia seguinte, 6 de Novembro de 1963, envia outra carta ao camarada Miguel João, exortando- o a lutar pela união de forças, « Cada militante deve resistir à repressão de angolanos para com angolanos e todos juntos exigiremos a Unidade de todos os angolanos ( D. Rodrigues, ibidem, pág. 155) » , mas logo a seguir, na mesma carta, repete o que tinha escrito a Ismael e lamenta, « Ontem, o grupo de Viriato- Matias ( Matias Miguéis) distribuiu outro panfleto em que insistem que nós estamos ao serviço dos Portugueses. Esta é a faceta mais dura da nossa luta aqui: constatar que entre militantes dum MPLA antigo, surgem estas insinuações desastrosas, oportunistas e enganadoras » .
Sabe- se que de nada valeu o empenho das bases do MPLA para forçar o diálogo entre as duas alas rivais, de nada valeu o esforço de Deolinda Rodrigues para mudar nem que fosse um quase- nada o curso dos acontecimentos, fracasso do qual ficou o registo de um certo e visível arrefecimento das suas relações como seu tio Neto. Nada valeu de nada. Neto manteve- se insensível a todos os apelos e a rivalidade sino- soviética, que já era o catalisador das desavenças entre a FNLA e o MPLA, roía agora nas entranhas do MPLA os alicerces da sua própria sobrevivência.