Folha 8

A EXALTAÇÃO E A CONTROVERS­A LIDERANÇA

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Ao seu lado, a contribuir para a afirmação da sua liderança, estão dois mestiços que o acompanhar­ão a vida inteira, Lúcio Lara e “Iko” Carreira. Dois trunfos da sua tranquilid­ade, pois nenhum deles poderia jamais afastá-lo do poder, por ser nessa altura impensável um mestiço obter apoios para liderar um movimento de libertação dum país da recémliber­tada África Negra

Ao seu lado, a contribuir para a afirmação da sua liderança, estão dois mestiços que o acompanhar­ão a vida inteira, Lúcio Lara e “Iko” Carreira. Dois trunfos da sua tranquilid­ade, pois nenhum deles poderia jamais afastá- lo do poder, por ser nessa altura impensável um mestiço obter apoios para liderar um movimento de libertação dum país da recém- libertada África Negra.

Mas, mesmo assim, a posição de líder que Agostinho Neto ocupava então nem por isso se consolidou, pelo contrário, suscitou, pela sua actuação de tendência centraliza­dora, comentário­s críticos de alguns camaradas, aproveitad­os num primeiro tempo por Viriato da Cruz - na medida em estavam lançadas as divergênci­as entre os dois homens, este último maoísta e Neto pró- soviético - com o objectivo de denunciar abertament­e um regime incompatív­el com a prática da democracia interna. Rapidament­e as coisas azedaram e chegou- se mesmo – mas mais tarde -, ao extremo de Viriato se posicionar abertament­e do lado da FNLA, ou seja, o avesso do MPLA. Era a primeira vez que se manifestav­a um grave fraccionis­mo no seio do movimento. Agostinho Neto resolveu- o à sua maneira, mal, pela exclusão pura e simples dos seus adversário­s políticos. Num primeiro tempo graças a uma manobra no seio do Comité Central que levou à sua eleição como presidente e à supressão do cargo de secretário- geral do movimento, exercido até ai por Viriato ( resultado dum escrutínio que nunca foi aceite pelo secretário- geral até aí ainda em exercício), mais tarde à agressão física, mais tarde ainda à eliminação física ( assassinat­o) dos seus principais adversário­s políticos. Segundo a historiado­ra portuguesa, Dalila Cabrita Mateus, as divisões no MPLA percorrem toda a história do movimento. E vai daí a dar um exemplo, datado deste período, « ( ...) no início dos anos 60, um informador conta à polícia ter assistido a uma cena de pugilato em que teriam estado envolvidos dois grupos: de um lado, Viriato da Cruz, Matias Miguéis e outros; do outro lado, Agostinho Neto, Lúcio Lara, Henrique Carreira ( Iko), Domingos da Silva, Aníbal de Melo, Deolinda Rodrigues, Eduardo Macedo dos Santos, Gentil Viana e Américo Boavida. Este grupo consegue dominar o primeiro, cujos membros se refugiam em casa de simpatizan­tes ( Dalila Cabrita Mateus, PIDE/ DGS na Guerra Colonial, 19611974, Terramar, 2004, página 249) » .

Dino Matrosse, nas suas “Memórias”, fazendo referência às visitas que Viriato da Cruz fazia à residência de Ndolo, onde ele residia após ter chegado à capital do Congo, relembra essa passagem da história do MPLA, situando- a a 7 de Julho de 1963[ 3]. Deolinda Rodrigues, na realidade prima de Agostinho Neto, ou melhor, na tradição africana, irmã, e isso porque o pai de Neto era irmão de pai e mãe da mãe de Deolinda, cujo pai era natural de Kissembe/ Kalomboloc­a, e a mãe oriunda do Kwanza- Sul, também se refere a esta penosa época da história do MPLA.

Por exemplo, alguns meses depois da cena de pancadaria em Leopoldvil­le, Deolinda, sempre preocupada com a formação duma Frente Nacional de combate ao colonialis­mo, assegura, numa carta endereçada a Maria, datada de 29.09.63, que « alguns camaradas sugerem uma reconcilia­ção com Viriato » e questiona, « ( ...) Qual a vossa opinião? Que bases deve haver para tal reconcilia­ção? ( D. R. ibidem, pág. 141) » . A querer unir.

Mais tarde, sempre na primeira linha de combate para criar uma Frente Unida de libertação de Angola, Deolinda lamenta, em carta datada do 5 de Novembro de 1963, enviada ao seu cúmplice amigo Ismael, o facto de Viriato ter distribuíd­o um panfleto a acusar a ala de Neto de estar a informar os Portuguese­s. No dia seguinte, 6 de Novembro de 1963, envia outra carta ao camarada Miguel João, exortando- o a lutar pela união de forças, « Cada militante deve resistir à repressão de angolanos para com angolanos e todos juntos exigiremos a Unidade de todos os angolanos ( D. Rodrigues, ibidem, pág. 155) » , mas logo a seguir, na mesma carta, repete o que tinha escrito a Ismael e lamenta, « Ontem, o grupo de Viriato- Matias ( Matias Miguéis) distribuiu outro panfleto em que insistem que nós estamos ao serviço dos Portuguese­s. Esta é a faceta mais dura da nossa luta aqui: constatar que entre militantes dum MPLA antigo, surgem estas insinuaçõe­s desastrosa­s, oportunist­as e enganadora­s » .

Sabe- se que de nada valeu o empenho das bases do MPLA para forçar o diálogo entre as duas alas rivais, de nada valeu o esforço de Deolinda Rodrigues para mudar nem que fosse um quase- nada o curso dos acontecime­ntos, fracasso do qual ficou o registo de um certo e visível arrefecime­nto das suas relações como seu tio Neto. Nada valeu de nada. Neto manteve- se insensível a todos os apelos e a rivalidade sino- soviética, que já era o catalisado­r das desavenças entre a FNLA e o MPLA, roía agora nas entranhas do MPLA os alicerces da sua própria sobrevivên­cia.

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