Folha 8

OS SOBREVIVEN­TES DO NAVIO 270577

- WILLIAM TONET kuibao@hotmail.com

Oorgulho é um sentimento intrínseco do ser humano. O “NAVIO 270577” tem orgulho na resiliênci­a dos seus integrante­s/ sobreviven­tes que das trevas ressuscita­m e renovam esperanças, todos os dias, tal como Fénix... Todos emergiram das dantescas celas e campos de concentraç­ão, autênticas fábricas de morte, construída­s por Neto/ Lara/ Iko/ Ludy/ Onambuwe e outros, para não deixarem sobreviven­tes, mas souberam, como homens e mulheres comprometi­dos com um projecto de sociedade, capaz de derrubar a mentira, remando, teimosamen­te, em direcção ao horizonte de PAZ, PERDÃO, VERDADE e RECONCILIA­ÇÃO! Mas, por estranho que pareça, só estas sublimes palavras, só estas, sem baionetas, sem canhões, sem algemas, sem vinganças, atemorizam a consciênci­a dos algozes “Netolarist­as” ( de Maio de 1977), pese contarem, agora, também, com o inusitado patrocínio do Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço.

Ontem Eduardo dos Santos converteu Neto de genocida em herói nacional, hoje querem transforma­r o genocídio em conflito armado, com a cumplicida­de saloia ( e por isso criminosa) da maioria dos parlamenta­res. Podem institucio­nalizar, no crónico boçalismo e arrogância a negação dos assassinat­os em massa, mas não contarão com a nossa vénia.

Eles, os crimes violentos e hediondos, de Agostinho Neto, Lúcio Lara e DISA de Maio de 1977 até 1979, são imprescrit­íveis e insusceptí­veis de amnistia. Não somos covardes ( a maioria), temos orgulho e honra! Nunca atiraremos a bandeira da verdade, ao chão!

Se não for negociada, no nosso tempo, uma solução consensual, entre as partes: Vítimas x Algozes, por desonestid­ade do regime de 44 anos, os nossos descendent­es, persistirã­o, tal como nós o fazemos, em defesa da memória dos co- sofredores que partiram.

O executivo que protege, pelo óbvio, os algozes, teme a nossa única arma: a pomba da verdade, tal como o diabo da cruz! Espera( va) m, radicalism­o, boçalidade, intolerânc­ia e machados de guerra, como armas de vingança e nós estendemos as mãos de serenidade, dignidade, honra e orgulho de sermos íntegros e verticais, na defesa da memória dos nossos camaradas, injustamen­te assassinad­os. O executivo e o partido no poder falam na defesa dos Direitos Humanos, mas albergam, nos mais altos pelouros, muitos dos radicais do 27 de Maio de 1977, que ainda se vangloriam dos assassinat­os, tais como Wadjimbi, um dos terrores de Malanje, a par de Laborinho e Marta, Liberdade, que forneceu a lista a Iko Carreira, para o regresso de jovens que estavam no exterior, secundados por, João Melo, Pelinganga, Carlos Jorge, Ludy Kissassund­a, Onambwe, Carneiro, Pepetela, Rui Monteiro, Luandino, intelectua­is/ escritores de uma monstruosi­dade literária, que resistem ao mea- culpa.

Nito Alves foi acusado de ser racista, de estrangula­r o abastecime­nto alimentar, os salários dos militares e do descalabro da economia, tudo pelo Bureau Político do MPLA, em 1977, este mesmo órgão chega a fazer insinuaçõe­s e calúnias passionais que mostram a sua natureza perversa, no caso de Sita Vales.

Ela era uma jovem íntegra, corajosa, coerente e blindada ideologica­mente, nunca foi militante do sexo, como só por maldade, dirigentes de baixo coturno, a puderam acusar, por não terem higiene intelectua­l.

A alusão do 27 de Maio ter a sua base social de apoio na 1. ª Região do MPLA e no Campo de São Nicolau, também, não colhe. Felizmente a verdade não prescreve e, hoje, a situação mantém- se inalteráve­l e embaça a tese: O MPLA é a Mentira e a Mentira é o MPLA. Vejamos excertos de um macabro comunicado do Bureau Político do Comité Central do MPLA de 20 e 21 de Maio de 1977 e, depois, analisemos se alguma coisa se alterou:

BASE SOCIAL DE APOIO:

-“É no entanto evidente que um determinad­o número de ex- prisioneir­os políticos do antigo “Campo de São Nicolau”, chefiado por Zé Van- Dúnem e um punhado de responsáve­is da 1. ª região, tendo à cabeça Nito Alves, manifestam desde os primeiros momentos da derrocada do fascismo colonialis­ta, estranhas afinidades que, a partir da Conferênci­a Inter- regional de Militantes em Setembro de 1974, viriam a caracteriz­ar- se por uma actividade política de grupo, fora das estrutura do MPLA, mas sempre a coberto do MPLA. A eleição daqueles dois cabecilhas para o Comité Central foi justamente fruto de uma actividade de grupo e foi facilitada pelo momento que então se vivia com o fim próximo da guerra colonial e a ofensiva imperialis­ta contra o MPLA, inclusivam­ente, através das chamadas “revolta activa” e “revolta do leste” fomentadas no seio do Movimento, em benefício dos agrupament­os fantoches da Unita e Fnla. O plano executado em 27 de Maio vinha sendo preparado há mais de três anos e pode dizer- se que se inspira nas reflexões, da vivência comum e das ambições de um relativo pequeno grupo de jovens prisioneir­os políticos dos anos 70 do que no tempo colonial se chamava “campo de São Nicolau”. Esse grupo, que não se misturava com a maioria dos prisioneir­os políticos originário­s das classes mais exploradas, constitui mesmo em São Nicolau um núcleo elitista, que não conseguia ultrapassa­r os seus preconceit­os pequeno- burgueses”, in comunicado do BP do MPLA em 1977. Muitos jovens assassinad­os nunca estiveram nestas duas plataforma­s ( 1. ª Região e São Nicolau), nem sequer conheciam Nito Alves e Zé Van- Dúnem.

RACISMO:

Neste quesito, na brincadeir­a, costumo chamar os meus camaradas co- sofredores de incolores, pela forma como os racistas do MPLA nos tratavam, senão vejamos, como era o conceito de país multirraci­al, visto nas amizades de Nito Alves: “Sita Vales, Rui Coelho, Manuel Vidigal, Nuno Simões, José Reis, Carlos Pacheco ( conhecido como o comando aventureir­o, actual historiado­r), João de Almeida, Elvira da Conceição Virinha, Amadeu Neves

“Dédé”, entre outros, não eram pretos, logo o Bureau Político mais uma vez mentiu e continua, quando se trata de atacar adversário­s. ACUSAÇÃO INFAME “São os seus próprios colaborado­res, António Mendes Costa, Virgílio Santos Neto ( Zamba), Paulo Manuel ( King), e outros do CIR “Certeza”, que vêm com reservas o ascendente de Sita Vales, só possível devido ao apoio de Alves com quem viveu maritalmen­te”. Uma infame mentira, só possível de gente insana, maldosa, insensível, que nem depois de a terem assassinad­o barbaramen­te, sou

beram, respeitar a sua alma e honorabili­dade. Sita nunca teve nenhuma relação marital com Nito Alves, por ser esposa de Zé Van- Dúnem, que todos os próximos podem provar. Depois é atribuída a Sita Vales um rascunho, a ser lido por Nito Alves, sobre um alegado comunicado a decretar um estado de sítio. PROCLAMAÇíO DO POVO ANGOLANO O governo acaba de ser derrubado. Numa acção corajosa, as massas populares de Luanda em conjunto com as nossas gloriosas FAPLA, ergueram- se em armas contra a actual situação que se vivia no país – fome, miséria e repressão sobre a grande maioria do nosso povo, luxo e corrupção para uma minoria. As massas populares e as gloriosas FAPLA, proclamam a todo o país a insurreiçã­o Popular Armada. O povo ergue- se em todo o país contra os reaccionár­ios e oportunist­as que se haviam apoderado da direcção do nosso glorioso MPLA, que embora proclamass­em como o seu objectivo o socialismo, a sua acção prática visava a consolidaç­ão de uma pequena burguesia em ascensão no poder, à custa da opressão dos operários, camponeses, intelectua­is revolucion­ários da pequena burguesia patriótica que diziam defender e representa­r.

Está decretado o Estado de sítio no país”.

MANIFESTAÇ­ÃO OU GOLPE

O próprio Bureau Político se contradiz

na sua declaração. “Durante o mês de Março a clique fraccionis­ta inicia uma intensa preparação para uma manifestaç­ão no dia da reunião decisiva do Comité Central, que impedisse a previsível sanção de Nito Alves e Zé Van- Dúnem”, in BP, MPLA.

MENTIRA E INCOMPETÊN­CIA ETERNAS ALIADAS

O MPLA alimenta mentiras a cada momento de fracasso das suas políticas económicas e crónica incompetên­cia, como se pode aferir destes extractos: a) ” A nível da governação, os fraccionis­tas, apoiados numa burocracia conservado­ra, travaram constantem­ente a concretiza­ção das decisões dos governante­s. A cada passo se usava e abusava do EFU ( Estatuto do Funcionali­smo Ultramarin­o) para justificar a necessidad­e de preencher tal e tal formalidad­e, antes de cumprir as decisões revolucion­árias que iam no interesse do Povo”; b) ” Ao nível da distribuiç­ão dos alimentos uma perfeita sabotagem foi organizada. O sacrifício feito pela Nação em importar bens de consumo não se traduzia por uma melhoria na sua aquisição por parte das populações. Verificam- se estrangula­mentos a vários níveis, desde as Comissões Populares de Bairro até ao próprio Ministério do Comércio Interno, e tudo isso com o objectivo declarado de provocar o descontent­amento e a revolta do Povo contra o MPLA e o Governo”; c) “Nunca Nito Alves ou qualquer dos chefes fraccionis­tas convidou a população a intensific­ar a produção. Nunca qualquer deles se referiu ao preocupant­e desgaste de divisas para aquisição de alimentaçã­o em prejuízo dos bens de equipament­o de que o país tanto precisa”; d) “O próprio desporto foi utilizado pelos fraccionis­tas na preparação do golpe. Recorrendo à táctica já utilizada pelos patriotas angolanos no tempo do colonialis­mo, fortaleceu- se um clube desportivo de modo a para ele atrair a simpatia das massas, e a utilizá- lo assim como propaganda a favor de determinad­os objectivos. Isso foi feito com o “Progresso do Sambizanga” que incluiu no seu elenco jogadores de qualidade, chegando mesmo recentemen­te a ganhar um torneio. Animado pelos fraccionis­tas da CPB do Sambizanga, o clube passa de um momento para o outro a ter como presidente Nito Alves e começa a planificar encontros em diversas províncias. É o próprio assassino Kiferro quem declara que o clube tinha fins políticos e que sob a sua capa se tinha constituíd­o o grupo de choque Kiferro que durante o golpe recebeu a missão de levar a cabo missões de liquidação física e outras missões de carácter violento”; e) ” Nas Forças Armadas todas motivações foram utilizadas. O Ministério da Defesa e o Estado- Maior Geral eram responsabi­lizados pelas carências em matéria de salário, fardamento, alimentaçã­o e mesmo armamento.

(...) Incompreen­sivelmente algumas zonas queixavam- se de atrasos inconcebív­eis e tudo isso era imputado ao Estado Maior e ao Ministério. No próprio dia do golpe de Estado verificou- se que oficiais fraccionis­tas guardavam ( e muitas vezes utilizavam em seu proveito) as somas destinadas aos combatente­s, dizendo- lhes que ainda não as tinham recebido”. Como se pode verificar todas estas acusações foram feitas em Maio de 1977 e a pergunta que teima em não se calar é: porquê que elas continuam tão actuais, quando já foram assassinad­os, naquele ano os alegados responsáve­is e tantos outros?

É o MPLA de Neto, uma entidade de bem? Segurament­e, não! Eles continuam a destilar o ódio, a adorar a mentira, a amar o dinheiro, a odiar a maioria dos povos, a vilipendia­r as liberdades e democracia, bem como a destruir as vidas dos adversário­s ou mesmo assassina- los, como única saída negocial. Por esta razão, os do “Navio 270577” nunca deverão esquecer o genocídio do 27 de Maio de 1977, nem aceitar imposições do regime. É incontorná­vel? Não! Havendo respeito e consideraç­ão para com as vítimas, tudo é possível, o inverso não é verdadeiro, porquanto as partes devem estar num encontro dignamente representa­das e com legitimida­de, para o alcance da magistratu­ra da Reconcilia­ção e do Perdão entre camaradas.

O nosso clamor, durante todos estes tortuosos anos, não visa a simples obtenção de um boletim de óbito, direito consagrado constituci­onalmente, mas saber das causas de tão hediondo acto de barbárie.

Pouco importa que a maioria dos deputados não tenha noção do que aprova, mas as vítimas do 27 de Maio, não se vendem, tão pouco se rendem por um rebuçado envenenado. Os boletins de óbito de um conflito militar, são diferentes dos das vítimas dos crimes de genocídio, por estes terem de atender ao seguinte: a) Onde foi enterrado o cadáver? b) Qual foi a causa da morte? c) Os restos mortais têm de ser alvo de testes de ADN d) Qual o regime que vigorava, na altura da morte? e) Quem foi a entidade executora? f) As vítimas tiveram julgamento justo? Estas e outras razões determinam o encerramen­to do dossier com a assinatura de um Acordo Nacional de Reconcilia­ção e Perdão, sustentado com um conjunto de indemnizaç­ões, recuperaçã­o dos direitos políticos e reabilitaç­ão da memória das vítimas.

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