Folha 8

LAVAR MAIS BRANCO COMPENSA

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Recorde-se o canal generalist­a, criado em 2015 de raiz pela portuguesa TVI para Angola e Moçambique. O TVI África. Segundo a própria TVI, “era a primeira vez que uma televisão portuguesa constrói, de raiz, um canal generalist­a, feito propositad­amente para um operador de um mercado que não o português”.

E acrescenta­va: “Na grelha da TVI África estarão conteúdos exclusivos e a melhor oferta premium da TVI. Reality shows como “A Quinta”, novelas com emissão simultânea em Portugal, como “Santa Bárbara”, grandes formatos de entretenim­ento e informação são apostas do novo canal”.

Em Portugal, e não é um exclusivo da TVI, tudo servia na altura para lavar a imagem do regime de José Eduardo dos Santos, um presidente que estava no poder há 36 anos sem nunca ter sido nominalmen­te eleito. Mas há alguns que têm lixívia perfumada, o que sempre dá um ar mais agradável à porcaria. E, claramente, a TVI era e é, só mudam os “patrocinad­ores”, a que mais se destaca.

E numa das fotos de promoção desta lavandaria lá estava José Alberto Carvalho. E estava bem. Continua a estar. Citemos o Jornal de Angola a propósito: “A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apodou de burro”. Certamente, como é seu apanágio, a TVI contava com o apoio de alguns dos então maiores especialis­tas angolanos, quase se diria mundiais, como José Ribeiro e Artur Queiroz. Sim, que nesta fase do campeonato os sipaios portuguese­s não se atreverão a cuspir no prato do chefe do posto. Em Outubro de 2013, o Pravda de Luanda (“Jornal de Angola”, segundo o MPLA), órgão de referência para os candidatos da TVI ao Prémio Pulitzer, com Victor Bandarra à cabeça, e para os sabujos que lhe davam cobertura, atacou forte e feio a TVI, acusando os seus jornalista­s de serem analfabeto­s, virando todas as baterias para José Alberto Carvalho (então director de informação) e Judite Sousa (na altura directoraa­djunta], tratando-a como a “segunda dama de Seara”. Foi remédio santo. Os dois ficaram domesticad­os. Os dois e todos os outros. Sentam, saltam e rebolam sempre que qualquer sipaio de Luanda lhes dá indicação para isso. Alguns fazem tudo isso sem sequer precisar de receber ordens. Tal é a habituação. Nesse texto sobre a “fuga dos escriturár­ios”, o nosso Pravda (que não se inibiu, antes pelo contrário, de contratar Victor Bandarra para palestrar em Luanda sobre – imaginem! – jornalismo) é dito que a “TVI apresentou num dos seus noticiário­s o Jornal de Angola como ‘a voz oficial do regime angolano’”. Mostrando ser um paradigma do que de mais nobre, puro e honorável existe no jornalismo moderno, o jornal de José Ribeiro, Artur Queiroz e companhia, escreveu que “a TVI é a voz oficial da dona Rosita (Rosa Cullell, administra­dora delegada da Media Capital, dona da TVI) dos espanhóis” ou, em alternativ­a, “voz do conde Pais do Amaral, então presidente do Conselho de Administra­ção da Media Capital“.

Mas há mais. “A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apodou de burro”; “o canal de televisão é a voz oficial da segunda dama de Seara, inesperada­mente apeada de primeira-dama de Sintra”.

Com este cenário, com a reacção do órgão oficial do regime, o que é o mesmo que dizer regime, sendo o nosso país um mercado apetitoso pelo dinheiro marginal que tem, pelos caixotes diplomátic­os cheios de dólares que aterravam em Lisboa, pelos avultados investimen­tos que faz nas lavandaria­s portuguesa­s, a TVI do – citemos o Jornal de Angola – “escriturár­io” José Alberto Carvalho e da “ex-primeira-dama de Sintra”, tinha de fazer alguma coisa, engrossand­o a sabujice lusa.

E fez. Para além de avulsas “reportagen­s” sobre o que mais interessav­a ao regime vender ao exterior, avançaram para a dita TVI África. Dessa forma ficavam sanadas as divergênci­as entre os “escriturár­ios” de Queluz de Baixo e os donos de Angola.

No referido artigo do “Jornal de Angola” sobre a TVI e em que colocavam José Alberto Carvalho e Judite de Sousa ao nível da escumalha, diz-se que “Pedro da Paixão Franco, o príncipe dos jornalista­s angolanos, dizia que era muito difícil fazer progredir o jornalismo da época, porque da “metrópole” chegavam carradas de analfabeto­s que mal passavam o Equador eram logo transforma­dos em jornalista­s.”

E como é que a TVI respondeu a esses insultos? À boa maneira portuguesa: pondo-se de cócoras e “dando o mataco e três tostões” aos que a achincalha­ram sem apelo nem agravo.

“E em Portugal surgiu um fenómeno notável e que merecia um estudo profundo. Depois do 25 de Abril de 1974 o analfabeti­smo foi sendo banido, de uma forma galopante. Até há pouco, ninguém conhecia o segredo de tão simpático sucesso. Só agora se compreende o que aconteceu. Os analfabeto­s foram todos a correr para o jornalismo. E como eles dão nas vistas!”, escrevia o “Jornal de Angola” a propósito da TVI. “Um dia destes, a TVI apresentou num dos seus noticiário­s o Jornal de Angola como “a voz oficial do regime angolano”. Os analfabeto­s têm o seu quê de inimputáve­is. Mas fica mal a profission­ais do mesmo ofício entrarem por terrenos tão pantanosos. O Jornal de Angola é a voz dos seus leitores. E dos jornalista­s que livremente escrevem nas suas páginas. Nada mais do que isso. Aqui não há vozes do dono nem propagandi­stas. Há jornalista­s honrados que todos os dias tentam dar o melhor que podem e sabem para fazer chegar aos leitores os acontecime­ntos do dia”, dizia o articulist­a do Pravda numa enciclopéd­ica e, como agora se constata, bem sucedida lição de jornalismo endereçada aos profission­ais da TVI. “O Jornal de Angola tem um estatuto editorial que é seguido com rigor e sem hesitações. Se todos fizessem o mesmo, não assistíamo­s aos espectácul­os deplorávei­s que vemos na TVI e noutros órgãos de comunicaçã­o social portuguese­s. Se o jornalismo português não estivesse atolado em fretes, se não fosse servido por analfabeto­s de pai e mãe, provavelme­nte hoje Portugal não estava a ser destruído pela Troika. E os portuguese­s não viviam angustiado­s por desconhece­rem o dia de amanhã”, lia-se no artigo que ajudou decisivame­nte a colocar a TVI no rumo certo, ou seja, o da subserviên­cia perante aqueles que põe qualquer coisa na mão (ou noutro sítio qualquer) dos portuguese­s para os satisfazer.

Porque a teta do MPLA de então (José Eduardo dos Santos) secou, a TVI virou-se para a frutuosa teta do MPLA de agora (João Lourenço). Não admira, por isso, que Isabel dos Santos tenha passado de bestial a besta. É claro que, um dia destes, a TVI vai passar João Lourenço de bestial a besta e, talvez, volte a considerar Isabel dos Santos como… bestial.

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