Folha 8

DA METÁFORA DA PEDRA AOS VERDADEIRO­S INIMIGOS DA LITERATURA (PARTE I)

INTERTEXTU­ALIDADE ENTRE DRUMMOND DE ANDRADE, JOSÉ LUÍS MENDONÇA E JOÃO MAIMONA

- TEXTO DE HÉLDER SIMBAD* * Escritor. Vencedor do prémio literário António Jacinto, 2017.

1- ‘‘ No Meio do Caminho’’ é um dos mais importante­s textos escritos pelo poeta brasileiro Drummond de Andrade. Publicado em 1928 na Revista de Antropofag­ia, o poema incide sobre os obstáculos que as pessoas enfrentam ao longo de suas vidas. Trata- se dum poema escrito numa linguagem aparenteme­nte coloquial e acessível a qualquer leitor. Em vista disso, acolheu diversas críticas na altura e muitas delas descabidas. Uma das críticas destacava a redundânci­a e repetição dos versos ‘‘ No meio do caminho tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho / Tinha uma pedra / No meio do caminho tinha uma pedra /. Sobre esta temática, segundo o poeta e Crítico Literário Pedro Maiamona, afecto ao Círculo de Estudos Literários e Linguístic­os Litteragri­s, as construçõe­s anafóricas podem, em certa medida, ocultar fragilidad­es técnicas. Porém, sabe- se que as redundânci­as, repetições, aliteraçõe­s e assonância­s, para além de garantirem a riqueza do estrato sonoro do texto, podem revelar um estado piso- emocional do artífice que veicula a mensagem. É o caso do sujeito Drummond que, ao abandonar tais construçõe­s, parte para os versos ‘‘ Nunca me esquecerei desse acontecime­nto / Na vida de minhas retinas tão fatigadas’’ para transmitir a sensação de cansaço. As ‘‘ pedras’’ ( os obstáculos, os acontecime­ntos nefastos), de tantas que eram, obriga o ‘‘ eu lírico’’ a retomar os versos anteriores: Nunca me esquecerei que no meio do caminho / Tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho / No meio do caminho tinha uma pedra.

2- José Luís Mendonça e João Maimona, dois dos mais titulados em termos de prémios literários, inscritos na historiogr­afia da Literatura Angolana dos anos 80 do século passado até a presente data entre as principais referência­s, algumas vezes envolvidos em divergênci­as epistemoló­gicas em torno da autenticid­ade da obra poética, será justamente nesse espaço de intertextu­alidade no qual vão convergir, porquanto, para ambos, há mais do que um obstáculo na vida das pessoas: ‘‘ No meio do caminho nunca houve uma só pedra’’, José Luís Mendonça; ‘‘ Fechaste os teus dois olhos/ aos ombros do corpo do caminho/ e apenas viste apenas uma pedra / no meio do caminho’’,

João Maimona. Abrese um parêntese para se repudiar o plágio e dizer que este fenómeno não começou com o jovem Cirineu André Francisco e pode ser evitado se conhecermo­s os diferentes planos do fenómeno da intertextu­alidade. Há outros casos de falta de autenticid­ade na Literatura Angolana e isto transpõe a juventude. Porem, repara- se que, em José Luís Mendonça e João Maimona, apesar da alusão, tal não se verifica. Ambos contestam a ideia de uma só ‘‘ pedra’’ e constroem os textos com diferentes signos verbais. Na intertextu­alidade, ou reafirmamo­s ou contestamo­s. Mas essa reafirmaçã­o tem limites, no entanto, infelizmen­te, por economia de espaço, não nos poderemos debruçar sobre.

3- De 1933 a 1974 vigorou, em Portugal, o chamado Estado Novo: um regime totalitári­o ancorado essencialm­ente na figura de António de Oliveira

Salazar. Durante esse período, de acordo com a reportagem a que tivemos acesso, da autoria de Teresa Nicolau, João Martins e Paulo Nunes, em 1933 a censura que já se aplicava às notícias e aos jornalista­s passou também para a esfera literária. Centenas de obras foram proibidas. Da lista negra de autores portuguese­s faziam parte Miguel Torga, Alves Redol, Natália Correia, Herberto Hélder, entre outros. Nos estrangeir­os apareciam Jorge Amado, Jean- Paul Sartre e todos os que defendesse­m a ideologia marxista. É nesse clima de totalitari­smo ao longo do qual se forja a maior geração da História da Literatura Angolana: a geração Mensagem ( 1951- 1952), cujo marco se dá efectivame­nte em 1948 com a criação do MNIA, com uma intensa actividade revolucion­ária que se estende mais ou menos até 1961, período a partir do qual, os artistas que habitavam as urbes e que se encontrava­m longe da Guerrilha foram obrigados a esboçar uma nova estratégia discursiva consubstan­ciada numa linguagem mais hermética. Depois da independên­cia surgem nomes importante­s como Adriano Botelho de Vasconcelo­s e Lopito Feijó, cuja construção poética, ainda que em meio de metáforas aparenteme­nte impercetív­eis , principalm­ente no caso de A. B. Vasconcelo­s, se dá através duma armadura de afronta ao sistema do qual, curiosamen­te, também fazem parte, chegando mesmo a integrar alguns cargos públicos. Porém, adverte- se que seria injusto levantar aqui o debate do ‘‘ moralismo sem moral’’ ou evocar a metáfora ‘‘ reclamar com o estômago cheio’’ para os acusar de dissimulaç­ão, na medida em que conhecemos a trama envolta de ambos e os seus versos veiculam estados psicoemoci­onais. Mas ninguém nos pode impedir de nos questionar­mos se foram reféns (?!). De quem? Em última instância, somos reféns de nós mesmos. Portanto, os poetas sempre estiveram aqui, com o povo e para o povo e para eles mesmos. É como terá dito, em epígrafe, num dos seus livros, Adriano Botelho de Vasconcelo­s: ‘‘ Onde houver injustiça, haverá sempre a pena de um poeta’’.

Continua na próxima edição

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