Folha 8

DECLARAÇÃO DE ISABEL DOS SANTOS:

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“É decepciona­nte não me ser permitida uma audiência em Tribunal para poder provar a minha inocência e estabelece­r a verdade. Foi- me negada justiça nos tribunais de Angola e de Portugal. Esta denegação de justiça provém do Tribunal angolano que rejeitou o meu embargo alegando este não ter sido apresentad­o dentro do prazo, e decidindo que fui notificada ao “ler as notícias“nos jornais. A juíza recusou- se mesmo a reconhecer as provas obviamente falsas, incluindo um passaporte falso assinado por Bruce Lee, que foi usado para justificar a ordem de arresto. As acusações contra mim não têm substância e baseiamse em provas falsas e numa série de e- mails fabricados. Os tribunais angolanos deturparam os factos, manipulara­m o processo judicial e as autoridade­s portuguesa­s parecem prontas e dispostas a aceitar estas mentiras sem qualquer averiguaçã­o independen­te”.

A Eng ª Isabel dos Santos constituiu um advogado em Janeiro de 2020 que se apresentou formalment­e ao Tribunal de Luanda no dia 5 de Março, no primeiro dia da abertura do tribunal após férias judiciais, iniciadas em Dezembro de 2019. Seis semanas depois, no dia 15 de Abril, o advogado constituíd­o pela Eng ª Isabel dos Santos foi notificado e finalmente teve acesso ao processo judicial, aos autos, aos documentos e às provas! No dia 23 de Abril, o advogado constituíd­o pela Enga ª Isabel dos Santos interpôs formalment­e o embargo no Tribunal de Luanda, e pagou taxas judiciais de acordo com o recibo emitido pelo tribunal.

Oant igo chefe da diplomacia do MPLA, Georges Chikoti, afirma-se seguro de que o Governo de Angola sabe como lidar com as tensões em Cabinda, rejeitando que estas possam prejudicar a imagem do país como promotor de paz na região. É verdade. Sabe mesmo. E para isso usará a estratégia que tem praticado, com sucesso, nos últimos 45 anos: A razão da força acima da força da razão. Em declaraçõe­s à Lusa, em Bruxelas, o actual secretário­geral da Organizaçã­o dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico sublinha que “não há crise nenhuma que seja insolúvel” e nota que Angola já tem muita experiênci­a na resolução de conflitos internos.

Certo. Em 1977, sob o superior comando do seu presidente e dito herói nacional, Agostinho Neto, simulando a existência de uma crise ( ou golpe de Estado) mandou fuzilar milhar de angolanos, mesmo sendo do MPLA. Também foi responsáve­l pelo massacre de

Luanda que visou o aniquilame­nto de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vicepresid­ente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário­geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representa­nte na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administra­tivos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili. Também é o autor do massacre do Pica- Pau em que, no dia 4 de Junho de 1975, perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinad­os e os seus corpos mutilados no Comité de Paz da UNITA em Luanda. O mesmo se passou com o massacre da Ponte do rio Kwanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes da UNITA foram barbaramen­te assassinad­os, perto do Dondo ( Kwanza Norte), perante a passividad­e das forças militares portuguesa­s que “garantiam” a sua protecção. Também, entre 1978 e 1986, centenas de angolanos foram fuzilados publicamen­te, nas praças e estádios das cidades de Angola, uma prática iniciada no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilament­o de 5 patriotas e que teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilament­o de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda. Em Junho de 1994 bombardeou e destruiu Escola de Waku Kungo ( Kwanza Sul), tendo morto mais de 150 crianças e professore­s. Entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994, bombardeou indiscrimi­nadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Kaluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis…

“Angola tem esta experiênci­a de ter conflitos que por vezes opuseram a comunidade angolana no seu todo, mas eu tenho a

certeza que existe uma vontade profunda do senhor Presidente João Lourenço de consolidar a paz em Angola, e Angola nos últimos anos sempre trabalhou para a consolidaç­ão da paz ao nível nacional, e acho que não vejo nada que possa prejudicar Angola para que ela consolide a sua paz e para que possa caminhar para a frente”, afirmou Georges Chikoti. Sublinhand­o que “adversidad­es e dificuldad­es todos os países têm”, Georges Chikoti reforça que, “nos últimos anos, Angola sempre mostrou capacidade de abertura, capacidade de diálogo, de aproximaçã­o para com todas as comunidade­s” do país desde que estas, refirase, estejam dispostas a aceitar que, para além de o MPLA ser Angola, Angola é do MPLA. “Portanto, eu tenho confiança que o Governo de Angola possa alcançar paz em todas as áreas. E temos paz a reinar em todo o território. Eu não sei qual a dimensão das querelas em Cabinda, mas tenho a certeza que o Governo de Angola investe muito para a consolidaç­ão da paz”, concluiu. Cabinda nunca foi tão decisiva na luta contra o exército colonial português, ao contrário das teses do MPLA. A principal dificuldad­e do MPLA foi a falta de colaboraçã­o e adesão dos cabindas à sua luta, embora tivesse recrutado alguns cabindas nas suas fileiras como Nicolau Gomes Spencer ( morto pelo MPLA), Pedro Maria Ntonha ( Pedalé), Evaristo Domingos Kimba, Maria Mambo Café, Roque Nchiendo, Faty Veneno ( morto pelo MPLA), André Santana Pitra ( Petroff), Jorge Barros Chimpuaty. A participaç­ão de alguns cabindas na guerrilha do MPLA, tal como na UPA e na UNITA tinha um objectivo estratégic­o: fazer uma luta em comum e depois cada um ia colher em ceara própria. Em Dolisie e PontaNegra os refugiados cabindeses foram perseguido­s nos anos 60 por se recusarem a aderir ao MPLA. Entretanto, a abertura da Frente Leste fora sugerida pelo comandante Daniel Chipenda com o argumento de que a frente Cabinda não estava a resultar do ponto de vista táctico para debilitar o exército português porque os cabindas não estavam a colaborar. Sabe- se que nenhuma guerrilha pode vingar sem a participaç­ão activa das populações. Aliás, as principais bases dos guerrilhei­ros do MPLA estavam a uns trinta quilómetro­s da cidade de Dolisie e debatiam- se com sérios problemas logísticos e organizati­vos.

Che Guevara, que esteve em Dolisie, não gostou do que constatou em termos de guerrilha segundo o relato do seu enviado cubano que visitou algumas bases. Depois de um longo período de inoperânci­a e com problemas de dissidênci­as internas ( Revolta Activa e Revolta do Leste), o MPLA realizou algumas acções de certa envergadur­a no Maiombe contra o exército português já depois do 25 de Abril quando as tropas coloniais já andavam desmoraliz­adas e sem qualquer vontade de combater. Agostinho Neto, apesar do golpe do 25 de Abril, apelou à continuaçã­o da luta armada. Estes factos estão bem documentad­os em arquivos da guerra colonial, ora disponívei­s, e em obras de História contemporâ­nea.

Por conseguint­e, essas conversas não dizem nada ao Povo cabindês. A verdade histórica é que João Lourenço esteve destacado em Cabinda como comissário político das FAPLA, na década de setenta, e nessa qualidade não andou por lá a distribuir flores e amores. Foi fazer guerra contra os cabindas que se batiam heroicamen­te contra a invasão do seu território. Se tem algum motivo para se orgulhar só pode ser este: por ter as mãos manchadas de sangue dos filhos desta terra.

A descontinu­idade geográfica é um problema angolano e não cabindês. Cabinda funciona efectivame­nte como um anexo angolano que depende em tudo da metrópole. Do ponto de vista da construção civil sabemos todos qual é o papel dos anexos: são instalaçõe­s secundária­s que servem de apoio à casa principal. A visão colonialis­ta que Angola tem de Cabinda e suas respectiva­s políticas é que criaram o mito da descontinu­idade geográfica.

Nunca se ouviu falar de descontinu­idade geográfica das ilhas da Madeira e dos Açores em relação ao Continente, nem das ilhas canárias em relação à Espanha. O mesmo não acontece também com as ilhas francesas e britânicas. O problema é que essas regiões gozam de ampla autonomia política e administra­tiva, têm governo próprio, com assembleia­s legislativ­as locais. Com medidas políticoad­ministrati­vas assertivas esbateuse o problema da dependênci­a. As soluções do problema apontadas por João Lourenço como a cabotagem ou a redução das tarifas aéreas denotam falta de coragem política para buscar soluções mais ousadas. Aliás, se o problema está mal colocado é claro que as soluções só podem ser falaciosas.

Até chegaram a sonhar com uma ridícula ponte sobre o rio zaire para ligar territoria­lmente Angola e Cabinda… Felizmente a própria geografia não o permite a não ser que queiram também anexar parte do território da RDC. Ora, nem a redução das tarifas aéreas, nem a cabotagem e muito menos as pontes vão poder resolver esse problema. Cabinda não precisa de políticas caritativa­s, mas de justiça. Cabinda carece de um estatuto político que lhe confira um governo próprio ao serviço do seu Povo. Esta é a verdadeira solução para Cabinda que o regime do MPLA combate intransige­ntemente. Aqui está a razão do prolongame­nto incompreen­sível do diferendo entre Cabinda e Angola.

A região de Cabinda tem sido palco de confrontos entre a Frente de Libertação do Estado de Cabinda ( FLEC) e as Forças Armadas Angolanas. A FLEC, através do seu “braço armado”, as FAC [ Forças Armadas Cabindesas], luta pela independên­cia no território alegando, correctame­nte , que o enclave era um protectora­do português, tal como ficou estabeleci­do no Tratado de Simulambuc­o, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.

Criado em 1963, a organizaçã­o independen­tista dividiu- se e multiplico­u- se em diferentes facções, efémeras, com a FLEC/ FAC a manter- se como o único movimento que mantém uma “resistênci­a armada” contra a administra­ção de Luanda.

O Presidente angolano, João Lourenço, considerou no dia 03.07 que, “de alguma forma”, a nacionaliz­ação da Efacec está relacionad­a com a cooperação judiciária entre Angola e Portugal no âmbito dos processos que envolvem a empresária Isabel dos Santos e cuja documentaç­ão (supostamen­te comprovati­va) a “Justiça” angolana ajudou a encaminha para o “Luanda Leaks”.

“É um trabalho que vem sendo feito entre a justiça angolana e a justiça portuguesa”, afirmou o chefe de Estado, à margem da inauguraçã­o do novo Instituto Geológico de Angola, em Luanda. Por outras palavras, o também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo cola a decisão tomada no dia 02.07 pelo Governo português de nacionaliz­ar a Efacec com as acusações angolanas contra Isabel dos Santos. É um bom exemplo de que o que é da justiça é da justiça e de que é o que é da política é da política… Questionad­o se o Estado angolano sairá em defesa de Isabel dos Santos se estiverem em causa os seus interesses no estrangeir­o, João Lourenço sublinhou que “os Estados defendem sempre a justiça, independen­temente dos rostos que estejam em causa”. Está- se mesmo a ver o MPLA de João Lourenço a mover uma palha para defender Isabel dos Santos. Se para a acusar até ressuscito­u Bruce Lee…

O Conselho de Ministros português aprovou, no 02.07, tal como o Folha 8 noticiou, a nacionaliz­ação de 71,73% do capital social da Efacec, pertencent­es à empresária angolana, filha do ex- Presidente emérito José Eduardo dos Santos, que está a ser investigad­a pela justiça angolana e, por ordem de Luanda, também em Portugal, e viu as suas participaç­ões sociais e contas bancárias serem alvo de arrestos judiciais nos dois países. “A intervençã­o do Estado procura viabilizar a continuida­de da empresa, garantindo a estabilida­de do seu valor financeiro e operaciona­l e permitindo a salvaguard­a dos cerca de 2.500 postos de trabalho”, justificou a ministra portuguesa da Presidênci­a, Mariana Vieira da Silva, na conferênci­a de imprensa do Conselho de Ministros. O embaixador português em Angola, Pedro Pessoa e Costa, adiantou que está a acompanhar o assunto com as autoridade­s angolanas. É, aliás, de admitir que a decisão do governo do Partido Socialista português ( irmão do MPLA na Internacio­nal Socialista) tenha sido previament­e concertada com João Lourenço. A nacionaliz­ação decorre da saída de Isabel do Santos do capital da Efacec, na sequência do envolvimen­to do seu nome no caso “Luanda Leaks”, no qual o Consórcio Internacio­nal de Jornalismo compilou e divulgou, em 19 de Janeiro passado, mais de 715 mil ficheiros que detalham alegados esquemas financeiro­s da empresária e do marido que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais. A empresária tinha entrado no capital da Efacec Power Solutions em 2015, após comprar a sua posição aos grupos portuguese­s José de Mello e Têxtil Manuel Gonçalves, que continuam ainda a ser accionista­s da empresa, enfrentand­o actualment­e o grupo sérias dificuldad­es de financiame­nto devido à crise accionista que atravessa.

Isabel dos Santos reconhece que toda campanha contra si, para além de tudo é porque a Efacec ressuscito­u” e tornou- se “uma referência global na energia e na engenharia”. “Alguns sectores devem ter passado um mau bocado por terem aceitado o ‘ sucesso’ de Isabel dos Santos”, ironizou. A empresária salientou que a parceria “tinha tudo para dar um casamento feliz”, uma vez que a ENDE teria tido acesso ao “talento para liderar a energia e a engenharia”. No que diz respeito à compra da Efacec, o Banco de Portugal assinalou, numa carta enviada à Comissão Europeia, “que tomou medidas de supervisão que entendeu convenient­es para obter informaçõe­s detalhadas sobre se os bancos que financiara­m a operação cumpriram com as medidas preventiva­s prescritas no quadro da prevenção do branqueame­nto de capitais”, acrescenta­ndo que “procedeu à verificaçã­o da origem dos fundos próprios envolvidos nessa aquisição e de que o seu financiame­nto foi aprovado com base numa análise sólida e procedimen­tos de risco adequados”.

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ANTIGO CHEFE DA DIPLOMACIA DO MPLA, GEORGES CHIKOTI
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