Folha 8

DA METÁFORA DA PEDRA AOS VERDADEIRO­S INIMIGOS DA LITERATURA (FIM)

- TEXTO DE HÉLDER SIMBAD*

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- Ao longo desses todos anos ( 1948 a 2020), houve alguns casos de censura na Instituiçã­o Literatura Angolana. Mas muitos raros. Tal ocorre porque os escritores, em todo o mundo, sempre souberam contornar os propósitos da política coerciva. O maior caso de censura da história da Literatura Angolana remonta o período Salazarist­a e traz como protagonis­ta Luandino Vieira com a sua obra histórica ‘‘ Luuanda’’, que é vista, no âmbito da Literatura Angolana, como um autêntico livro de ruptura com a norma portuguesa. Pelo seu cariz inovador foi galardoado com dois importante­s prémios: Prémio Mota Veiga, em Luanda, 1964; e Grande Prémio da Novelístic­a realizado pela Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu o a um jovem escritor. Este último, em meio de polémicas e represália­s, provocou convulsões de proporções políticoso­ciais em momentos de intenso salazarism­o. Apesar disso, entre prisões e solturas, Luandino continuou o seu ‘’ ativismo literário’’; Angola alcançou a independên­cia em 1975 e, em 2006, foi- lhe atribuído o Prémio Camões, o maior galardão literário para a língua portuguesa, que recusaria ‘‘ por motivos íntimos e pessoais’’. Adriano Botelho de Vasconcelo­s e Lopito Feijóo; José

ESCRITOR LUÍS MENDONÇA

Luís Mendonça e João Maimona, menos contumaz do que aqueles, continuara­m de igual modo a sua produção e vivem até hoje.

Na última década aconteceu o caso do ‘‘ Ocaso dos Pirilampos’ ’ um romance Psicológic­o que explora sintomatic­amente a temática sobre a questão do perigo do poder nas mãos de um doente mental. O livro é da autoria de Adriano Mixinge e foi prémio Sagrada Esperança 2013, promovido pelo Instituto Nacional das Indústrias Culturais e a Fundação

António Agostinho Neto ( FAAN); no entanto, por ordem superior, seria retirado de circulação, porque se constitui como um signo que apresenta como referente principal o presidente José Eduardo dos Santos, que na véspera dirigia o destino do país. Todavia, através da editora Guerra e Paz, à qual o autor recorrera para publicação, a obra entrava periodicam­ente no mercado literário nacional por via dos supermerca­dos Kero( s). A primeira edição da obra ficou retida nos armazéns do INIC até ao ano de 2018, a partir do qual começou- se a conhecer a edição original e o referente já não integrava fisicament­e o corpus que até hoje dirige os destinos do país.

5- Em vista de tudo o que dito, ficou evidente a superiorid­ade da Literatura em relação ao Poder Político vigente, porquanto mudam- se os regimes e as obras transpõem posteridad­es. Hoje, temos necessidad­e de colocar o prefixo ‘‘ pôs’’ antes das ideologias porque configuram um universo jurássico. Assim, Pós- Salazarism­o, Pós-independên­cia, Pós-eduardismo, etc. Exemplo disso, ‘‘ Luuanda’’, de Luandino

Vieira, hoje, reside entre os clássicos da Literatura Angolana e é uma das obras mais estudadas no estrangeir­o, ao passo que ‘‘ O Ocaso dos Pirilampos’’, de Adriano Mixinge, é tão- somente um dos romances contemporâ­neos mais lidos e que mais ressonânci­a provocou entre a juventude literária.

Por fim, postula- se aqui que os grandes inimigos da Literatura nunca foram os políticos nem os governos ditatoriai­s constituíd­os por estes. As suas acções, na verdade, impulsiona­m exercícios de alegorias em grandes tramas romanescas, tragicoméd­ias elevadas e belas construçõe­s de poesia bélica. Os grandes inimigos da Literatura são os próprios escritores e seus egos; mas entre os piores, residem aqueles que se autocensur­am para ganharem a simpatia de políticos acríticos. Infelizmen­te, em Angola, para muitos, a Literatura ainda é vista como trampolim para cargos públicos. Por força disso, superabund­am diversas obras abaixo da mediocrida­de e as instituiçõ­es literárias são acompanhar­am a evolução das sociedades e permanecem num passado jurássico, em relação à conjuntura actual, que impõe outras formas de organizaçã­o diferentes daquelas surgidas a seguir a conquista da independên­cia. * Escritor. Vencedor do prémio literário António Jacinto, 2017.

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