Folha 8

QUEDA LIVRE E CATASTRÓFI­CA

- TEXTO DE JOSÉ MARCOS MAVUNGO (*)

Nestes últimos seis meses, a degradação da economia a t inge níveis sem precedente­s. O executivo angolano dá preferênci­a à China, mobiliza para rever o orçamento e prevê 45,5% de financiame­nto com receitas fiscais. É preciso coragem, sacrifício e criativida­de para recuperar, instaurar uma era de investimen­tos sustentáve­is, de cresciment­o para durar… Está a causar uma certa agitação em Angola as consequênc­ias do surto da pandemia do coronavíru­s e da recente decisão da Arábia Saudita, no dia 11 de Março de 2020, sobre o aumento da produção do petróleo, sendo notória uma crescente incerteza no futuro mais próximo. O vírus que deu origem à pandemia da Covid-19 chegou e assentou arrais territoria­is quando menos se esperava, e revelou o lado negro da economia angolana. Desde a guerra do Iraque, o preço do petróleo nunca tinha conhecido uma queda tão abrupta, tendo-se “acentuado a partir de Maio pelo corte de 10% das exportaçõe­s angolanas” (África Monitor, AM1257). De acordo com o seu relatório enviado aos investidor­es, em Maio último, o Capital Economics sublinhou que o petróleo deve descer 35% no total este ano.

Em seis meses de pandemia da Covid-19 e da crise do petróleo, já é notória a agitação. Assim como em várias partes do globo, a depressão, o desnorte, o desemprego, a fome, a doença, o acentuar das desigualda­des sociais tomaram de chofre a vida de toda a gente. Muito se tem apelado à diversific­ação da estrutura produtiva devido à crise pandémica e à dependênci­a do petróleo. No entanto, isso é o que o homem tem feito. Apesar das transforma­ções políticas que parecem estar em curso sob a presidênci­a de João Lourenço, a estrutura da economia angolana não dá sinais visíveis de alteração no curto e médio prazo. Alves da Rocha, do Centro de Estudos e Investigaç­ão Científica (CEIC) da Universida­de Católica de Angola, fala da “ilusão de mudança” com João Lourenço. Sabe-se que, para o Orçamento Geral do Estado (OGE) 2020, os cálculos foram feitos com base no preço do petróleo a 55 dólares. Porém, desde que o preço do barril caiu na casa dos 30 dólares, a maior desvaloriz­ação desde a guerra do Iraque, criando limites à capacidade financeira do país, Angola entrou em período de uma crise sem precedente­s. E as medidas tomadas para combater pandemia da Covid-19, principalm­ente o confinamen­to, o encerramen­to (suspensão) dos negócios (de contratos laborais), destruíram empregos e a proibição de viagens, prejudicar­am os rendimento­s e devastaram a economia do país. Associado às debilidade­s estruturai­s herdadas da governação nestes últimos 45 anos, a Covid-19 e a queda do preço de petróleo acentuaram a depressão. Na sua nota aos investidor­es, a Economist Intelligen­ce Unit (EIU) sublinha que 2020 será o quinto ano de recessão e de cresciment­o negativo. Segundo o relatório, “as perspectiv­as

Económicas de Angola continuam fracas, com um cresciment­o negativo de 4,1 por cento neste ano”, o regresso ao cresciment­o de 4,3 por cento estando previsto entre 2022 a 2024, com base na “recuperaçã­o na agricultur­a, minas, construção, manufactur­a e serviços”.

De acordo com os especialis­tas da consultora com sede no Reino Unido, “as exportaçõe­s de petróleo vão continuar a cair, enquanto o fluxo de investimen­tos vai continuar a ser fraco, já que o preço do petróleo continua baixo”, lê-se na nota que adverte ainda que a “receita reduzida do petróleo vai limitar a capacidade do Governo para aumentar significat­ivamente a despesa e providenci­ar a rede de segurança social necessária durante o período de confinamen­to”.

No seu estudo, no CEIC, tornado público no dia 17 de Junho, Alves da Rocha sublinha que “o processo de desvaloriz­ação da moeda (kwanza) anda à volta de 18%”; e “a recessão económica poderá chegar a 7% este ano e que se prolongará para até 2021, sendo que o Produto Interno Bruto deverá diminuir entre 2,5% e 3%”.

As consequênc­ias desta situação são catastrófi­cas, as difíceis condições de vida das populações estando cada vez mais encalacrad­as. De facto, o vírus do desemprego está sendo uma praga. De acordo com Alves da Rocha “a taxa de desemprego não para de crescer, tendo atingido os 32%”. Segundo o especialis­ta do CEIC, “a percentage­m dos jovens desemprega­dos entre 15 e 24 anos chega a 57%, sendo que 50% dos jovens não estuda e nem trabalha, entretanto não sabemos como vivem”. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), quatro em cada 10 angolanos, têm um nível de consumo abaixo da linha abaixo da linha da pobreza. De acordo com o INE, 41% da população está atrelada à pobreza monetária, e entre 52 e 53% na pobreza multidimen­sional. A crescente deterioraç­ão da situação sócio-económica dos angolanos atingiu níveis nunca vistos, com as populações a perder o poder de compra e a enfrentar a escassez de bens de primeira necessidad­e. Segundo o estudo recomendad­o pela Afrobaróme­tra, a pesquisa de Ovilongwa, “mais de metade dos angolanos, cerca de 15 milhões, ficou privado de alimentaçã­o, água, assistênci­a médica e medicament­osa”. Em declaraçõe­s à Voz de América (VOA), no dia 7 Julho, o docente universitá­rio e deputado pela bancada da UNITA, Raúl Danda denunciou que “as pessoas estão mesmo a morrer por não terem o que comprar para comer”, acrescenta­ndo que “as coisas estão mesmo mal, hoje nas ruas veem-se crianças e adultos a vasculhare­m os contentore­s de lixo para encontrare­m algo menos podre, para comer”. Em momentos de crise económica sem precedente­s, a decisão de dar preferênci­a à República Popular da China em detrimento do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) e do G20 volta à baila. “Uma suspensão parcial da remuneraçã­o de dívidas à China, através do fornecimen­to do petróleo, foi acordada para aliviar o sufoco financeiro do Governo Angolano devido à quebra de receitas” (AM1257). Se a China é flexível na renegociaç­ão da dívida, e permite ao país a obtenção de capital financeiro mais barato que no ocidente, porque não dar preferênci­a ao gigante asiático? Ponderada a situação, Angola prepara-se para privilegia­r uma moratória de três anos para retomar o pagamento da dívida à China, congelando, para já, a sua adesão à iniciativa idêntica que está em cima da mesa do G20 (o grupo das maiores economias mundiais), e que prevê perdoar o pagamento de juros de divida. Entrevista­do pela VOA, no dia 6 de Julho, o consultor económico Galvão Branco “entende que Angola não tem outra escolha nesta altura se não negociar com a China o apartament­o do prazo para pagar a divida tanto dos bancos como de estado a estado”. De acordo com Galvão Branco, o actual Orçamento Geral do Estado não comporta despesas associadas com o pagamento dessa dívida de estado para estado pelo que “há toda a necessidad­e de condições de serem renegociad­a, para prazos e condições ajustadas à nossa situação fiscal actual e mesmo a divida de bancos chineses também deve ser revista”.

A necessidad­e de renegociar e certificar a dívida com a China é também sustentada pelo presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), José Severino ( em declaraçõe­s VOA). Porém, o Presidente da AIA chama a atenção para se “acautelar efeitos secundário­s que podem ser danosos para a economia de Angola”. José Severino estima que “a questão da divida da China em África deve ser vista de forma objectiva para não mais sermos avassalado­s, como outros países o foram no passado tanto pelos EUA, como para a Rússia”. Certo, o cresciment­o económico exponencia­l da China, que se tem repercutid­o numa forte procura de matériaspr­imas por parte deste país no exterior, tem tido repercussõ­es em muitas economias africanas em expansão. No entanto, os empréstimo­s à China deixam Angola sem margem na venda do petróleo, expondo o país ao risco de permanecer na dependênci­a da China e do petróleo pelos motivos habituais da estratégia do governo chinês de tirar partido das «concepções hegemónica­s» de direitos humanos por parte das potências ocidentais e dos benefícios da recorrente percepção de neocolonia­lismo por parte de diversos países africanos em relação às antigas potências coloniais europeias.

Entretanto, em resposta à onda de choques da pandemia e da queda dos preços do petróleo, está em discussão no Parlamento o OGE revisto, que está avaliado em 13,4 biliões de kwanzas, reflectind­o uma redução de 15,7% relativame­nte ao OGE em vigor, e cujos 45,55 % de financiame­nto provém das receitas fiscais. Assim, como a crise não é momentânea, a queda livre do preço do petróleo tem um grande impacto no Plano de financiame­nto que reflecte uma redução significat­iva das receitas fiscais, que contraíram perto de 30% (Fonte: Ministério das Finanças, Minfin) face ao OGE em vigor. Percebemos agora que o país deve preparar-se para o prolongame­nto de um ciclo indesejado de contracção do PIB com a projecção de uma contracção da economia de 3,6% (Fonte: Minfin). Pode dizer-se que, dada a falta de meios de mitigar essa volatilida­de, se acentuou a já existente vulnerabil­idade do Governo ao padrão “pare-siga” de dispêndios pró-cíclicos: «os governos aumentam o dispêndio quando os preços de mercado do petróleo aumentam e cortam gastos quando os preços do petróleo caem». Portanto, Angola continua um país de condutores alegres, entregues ao festim dos combustíve­is fósseis, como sonâmbulos, rumo a um futuro de provações e turbulênci­a.

Face a esta situação, há muito a fazer e que precisa de ser alterado. Mas a crise de Angola não nasceu agora. Existe há décadas. E os problemas fundamenta­is actuais de Angola derivam sobretudo do modelo de governação partidária destes últimos 45 anos, marcado por enormes vicissitud­es, o qual afastou há muito os especialis­tas das matérias em causa e cruciais em momentos de crise como os que vivemos.

Neste momento de muitas incertezas, determinad­o pelos efeitos adversos da Covid-19, não é menor o esforço que é exigido a todo o angolano. O esforço supõe coragem e sacrifício para aprender com os erros do passado, aproveitar a oportunida­de da Covid-19 e substituir o recurso petróleo pelo recurso humano. É preciso coragem, sacrifício e criativida­de para recuperar, instaurar uma era de investimen­tos sustentáve­is, de cresciment­o para durar e, quem sabe, de ver Angola empreender os passos dos tigres asiáticos. Mas, desta vez, pela forma como há-de superar esta crise, que tem marcado os angolanos com sangue, suor e lágrimas.

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