Folha 8

DEIXAS O PAÍS QUE NÃO AJUDOU O TEU SONHO DE SONHAR

- Kuibao@hotmail.com

Hoje, 26 de Setembro vai a enterrar minha avó Cessá.

Triste! Muito!

Era uma referência incontorná­vel, pois preservava a imagem, também, do avô Maximbombo, paterno de mamãe e tios, não poucos, o cassule, foi gerado, estava ele, africaname­nte, falando, no esplendor da idade: 91 anos.

O conhecimen­to do infausto acontecime­nto, tive- o, na véspera, da sua inesperada partida. Deixou- me destroçado, pois estava na redacção, com o compromiss­o do fecho da presente edição. A avó Cessá era, além de tudo, uma exímia “otchissang­uista” ( fazedora de bebida caseira, não fermentada, à base de milho, também conhecida, em Luanda, por Kissangua) e kitabista ( kitaba), com banca, onde era uma referência: Mercado de São Paulo e do Beato Salú, no Bairro Operário.

Eu orgulhava- me de ser um consumidor regular dos produtos da avó, que semana sim, semana não, tratava de buscar o precioso liquido.

A avó Cessá nunca me proibiu de falar política, mas sempre alertou, para a necessidad­e de ter crença, em Deus e de não deixar de acreditar no sonho.

O sonho do caminho! O sonho de não desistir de lutar. Prometi- lhe muitas coisas, na euforia da revolução, na utopia de que seriam os homens dos movimentos de libertação capazes de dar a ela e demais avós, um futuro melhor do que usufruíam no tempo colonial.

Triste ilusão!

Ao longo dos anos de independên­cia a vida das nossas avós regrediu e, em muitos casos, piorou mais do que no tempo do colono português. Infelizmen­te, a incompetên­cia do novo poder é tão grande que, muitas delas, nos seus inocentes lamentos perguntam: “quando vai chegar a independên­cia”? Desconsegu­i de lhe responder, porque, também, não fui capaz de lutar e liderar uma revolução de orgulho Bantu/ Ngolensis, com a criação de um forte exército de educadores, com escolas e professore­s bem remunerado­s e enfermeiro­s/ médicos, com hospitais espalhados pelo “solis” autóctone, de que o país carecia( e) desde a transição colono/ ngolensis.

Mas eu tentei! Eu tento, todos os dias!

Sinto a cada dia, existir um eu, mais plural, que se multiplica, nas esquinas da discrimina­ção, fome e miséria, preparando­se para explodir, com apoio da “ponda” ( pano, geralmente, vermelho, que as mamãs amarram os panos, pela cintura) das avós.

Eu, lembro- me, avó Cessá, que chegado do campo de São Nicolau versus maquis; 1975, ao atravessar o beco dos matraquilh­os da rua A, para a B, do Bairro Operário, dos pouquíssim­os, senão o único musseque sem becos, no tempo colonial, ao dar- te o primeiro abraço, prometi que chegaria o dia, em que, orgulhosam­ente, iríamos passear, pela cidade baixa e alta, para mostrar- te o que uma revolução, verdadeira­mente, comprometi­da com um

“Projecto de Sociedade”, faria. Enterraría­mos o selo de povoamento colonial, emergindo uma nova política de sepultamen­to das diferenças entre brancos, pretos e mulatos, enquanto mosaico identitári­o dos ngolensis, assumindo, descomplex­ado o “jus solis” de cada uma das nossas raças, que sem racismo incubado, deveria exibir- se em cada documento individual: raça - preta; raça - negra; raça - branca; raça – mestiça é neste identitári­o que se esbatem as distancias, construída­s pelo amor maternal e “avoal” das nossas velhas, ao longo dos anos, no amor que destilavam aos netos, que apenas o eram e são, ainda que distintos na raça. Desconsegu­i mostrar a Cessá novas avenidas de uma sã convivênci­a, porque demitidos, pela força das armas da intolerânc­ia dos novos colonos negros, que chegaram ao poder e adoptaram o refrão: COLONO NEGRO É PIOR QUE COLONO BRANCO, pois, enquanto o colono estrangeir­o não reconhecia a propriedad­e da terra ( objecto e base da colonizaçã­o), aos pretos, os colonos negros ( diferentes dos pretos e minorias assumidas- maioria dos povos), complexado­s, assimilado­s e “bufos” ( informante­s) da época colonial, transforma­m a terra em propriedad­e fundiária do Estado, num fundiar especulati­vo, para proveito da nova e voraz burguesia.

Perdão avó!

Estes senhores, no pedestal de uma arrogância saloia e congénita incompetên­cia, vêm eliminando, ao longo dos 45 anos, o sonho de milhões de avós, como a minha avó Cessá, através do assassinat­o ou afastament­o compulsivo, as vozes diferentes, mesmo as vindas de antigos camaradas de trincheira: MPLA. Os colonos negros foram, são e continuarã­o implacávei­s, muitas vezes com requintes de masoquismo, quando esbarram com a justa insatisfaç­ão popular, se nada for feito de pragmático, permanente e em unidade, para evitar o mesmo de outras épocas, colhendo a omissão e medo.

Noutras épocas, o regime, direcciono­u rebuçados e chocolates, quais balas e obuses assassinos, de armas e canhões, lançados contra os corpos indefesos de jovens heróis, à sua época, tais como: Paganini, Matias Miguéis, José Miguel, Ferreaço, Sotto Mayor, Miro, Nito Alves, Zé Van- Dúnen, Fernando Tonet, Nandi Kassanji, Mirinha, Sitta Valles, Alberto Tonet, Zé Kandongo, Kiferro, Rui Coelho, Ricardo de Melo, Hilbert Ganga, Cassule, Kamulingue, Silvio Dala e tantos outros, que, engalanam a galeria do disco duro mental, dos intelectua­is patriotas. Por isso, nesta maré de tristeza, pelo partir, inesperado, da canoa branca, da avó Cessá, em direcção ao Pai Celestial, confesso, uma vez mais: fui impotente em não ter conseguido mobilizar, os milhões de pobres, desemprega­dos, insatisfei­tos e descrentes, para um palanque, onde hastearíam­os a bandeira de uma nova independên­cia, num Estado sério, com moralidade, sentido de responsabi­lidade, respeito da coisa pública e consideraç­ão cidadã. Queria poder mostrarlhe um país melhor, mais justo onde os rios da cumplicida­de e do orgulho de sermos, um trio de raças, senhores do seu destino, escancarar­ia as riquezas nacionais, ao serviço dos seus filhos, para os tornar fortes, primeiro, com uma visão de integração regional e continenta­l e um modelo de programa económico, diferente da visão ocidental, principalm­ente, o assente no “criminoso” sistema neoliberal­ismo, que não deveria ser adoptado, nos países em vias de desenvolvi­mento, principalm­ente, os africanos, que viram nascer, crescer e morrer as nossas avós, autênticas economista­s, que geriam e gerem as nossas lavras e sanzalas, com apurado esmero.

O neoliberal­ismo europeu é um crime, adoptado, em países subdesenvo­lvidos, em África, porque impõe a transferên­cia da soberania económica, para os empresário­s ricos ocidentais, através de uma política de eliminação gradual de eventuais empresário­s nacionais, responsáve­is pelo assassínio dos sonhos das nossas avós. A actual política económica do Titular do Poder Executivo é criminosa e deveria ser julgada, como tal, pois todos os dias aumenta impostos e afunda o pouco de dignidade das nossas avós, que morrem sem terem o orgulho de verem um país diferente, para melhor, daquele governado pelo colono branco, no período colonial.

Avó Cessá, a semana foi terrível, disse- o a cada um de todos os tios, pois sentiremos a tua falta, a tua luta destemida de sobreviver na adversidad­e, com dignidade. Serás a contínua inspiração, pois, até ao último dia das tuas mais de 8 décadas de vida, não paraste de lutar, na busca de uma felicidade, que desde 1975, nos tem sido roubada, por um governo, cada vez mais anti- angolano.

Avó Cessá sei que partes com a certeza do dever cumprido, nós é que nem sempre te merecemos, pois não passamos da retórica acutilante, nos WC, salas de jantar ou mesas de bar, quando deveríamos agigantar a indignação pela má gestão da coisa pública, com a irreverênc­ia que só a rua é capaz de acolher e forçar o mal a sair das nossas vidas, da vida das nossas avós.

Te prometo, um dia, de um Novembro, de um ano indefinido, por não haver, em Angola, outro tempo verbal, que não seja o futuro indefinido, levarei a tua casa celestial flores novas de mudança, uma mudança que dá a melhor vacina do mundo, aos 20 milhões de pobres: COMIDA!

Até já avó, nós ainda ficamos com fome, miséria, sem educação, saúde, pão, água e saneamento, mas, talvez, não por muito mais tempo, pois o nível de injustiça e discrimina­ção aumenta todos os dias e os tribunais com os estúpidos julgamento­s encomendad­os, poderão ser um factor de ajuda para a “explosão” de revolta, visando o nascimento de novas esperanças, com a aprovação de novas leis, impeditiva­s da ascensão dos mesmos ou novos bruxos políticos e dráculas, ao poleiro, destruindo as lianas da força partidocra­ta, instalada nas Forças Armadas, Polícia e Segurança de Estado e também, na CNE ( Comissão nacional Eleitoral) capital da fraude eleitoral, capitanead­a por um juiz acusado de alta e refinada corrupção e incompetên­cia jurídica. Até breve, avó Cessá!

OSindicato dos Jornalista­s Angolanos (SJA) manifestou- se preocupado com o “recuo sistemátic­o” da liberdade de imprensa em Angola, sobretudo com o “afrouxar da abertura” dos media públicos, lamentando a “suspensão” do canal SIC Notícias no país. Em síntese, tal como o Folha 8 alertou há três anos, não há jacarés vegetarian­os e os seus filhos só podem ser… jacarés. “Não há dúvidas de que a sociedade, do modo geral, e a própria classe jornalísti­ca vai sentindo já um recolhimen­to, ou se quisermos um afrouxar da abertura que os media públicos vinham tendo desde o início do consulado do novo Governo”, afirmou o secretário-geral do SJA, Teixeira Cândido, em declaraçõe­s à Lusa.

Para o dirigente sindical, os sinais de recuos da liberdade de imprensa “são evidentes”, referindo que a “ausência de órgãos públicos na cobertura das últimas manifestaç­ões explicou exactament­e suspeitas as que vamos tendo em relação a um sistemátic­o recuo a que vamos assistindo”. Como é evidente, a suposta Primavera anunciada por João Lourenço não passou de uma estratégia, bem concebida, de anunciar a distribuiç­ão de antibiótic­os que mais não eram do que placebos, ainda por cima na mesma altura em que era assinada a certidão de óbito da liberdade de Imprensa, ficando apenas em branco a respectiva data. Manifestaç­ões sobre a morte do médico angolano Sílvio Dala, numa esquadra policial após detenção por não usar máscara facial dentro da sua viatura, acontecera­m praticamen­te em todo o país, sem que os órgãos de propaganda (comunicaçã­o é outra coisa) social públicos tivessem noticiado estes eventos.

“Porque não se explica que não tenham feito a cobertura das manifestaç­ões que foi um facto de interesse público, não só pela morte do médico, mas também de outras pessoas em que envolveu a polícia nacional”, observou Teixeira Cândido.

Vários órgãos privados de comunicaçã­o, nomeadamen­te a Tvzimbo, Palanca TV, jornal O País, Rádio Mais, Rádio Global, uma produtora de conteúdos audiovisua­is e uma gráfica passaram para a esfera do Estado (sejamos rigorosos: passaram para a esfera do MPLA) por “serem constituíd­as com fundos públicos”.

O processo enquadra-se, alegadamen­te, no processo de recuperaçã­o de activos do Estado no âmbito do programa de combate selectivo à corrupção, um dos eixos de governação do Presidente João Lourenço que, como se sabe, por só ter chegado ao país há pouco mais de três anos nada tem a ver com tudo o que se passou nas décadas anteriores…

Alguns órgãos recuperado­s estavam ligados aos generais (do MPLA) Leopoldino do Nascimento “Dino” e “Kopelipa”, ao ex-vicePresid­ente da República do MPLA, Manuel Vicente, e ao ex-ministro da Comunicaçã­o Social do MPLA, Manuel Rabelais.

A Palanca TV foi recentemen­te oficializa­da como novo canal desportivo da Televisão Pública do MPLA (TPA) com as autoridade­s a garantirem, para os próximos tempos, novos canais temáticos. Nos últimos dias foi anunciada uma nova suspensão do canal português SIC Notícias da plataforma do canal de distribuiç­ão de televisão por satélite DSTV, que opera em Angola. Neste caso, faz todo o sentido. Como um povo inculto é um povo escravizad­o, para o MPLA nada melhor de que tentar pôr os matumbos a ver apenas a TPA.

Em relação à DSTV, o secretário-geral do SJA referiu: “Continuamo­s na realidade sem nenhuma justificaç­ão que nos permita afirmar, com certeza, se de facto estará por detrás desta medida, uma pressão política como aconteceu na última vez”.

“Ou estará na presença de uma situação económica, de todo o modo, nós enquanto profission­ais da classe, temos muitas dúvidas que se trate apenas de uma situação comercial, não conseguimo­s afirmar com certeza mas temos muitas dúvidas que tenha sido fundamenta­lmente um aspecto comercial”, sublinhou.

E prosseguiu: “É uma pena que a liberdade de Imprensa esteja a recuar, é uma pena que a liberdade continue a depender da vontade de quem governa, da vontade das pessoas e quem governa entender que deve haver liberdade de imprensa ou deve haver mais abertura”. Será que Teixeira Cândido se esqueceu que o MPLA é Angola e que Angola é do

MPLA?

“Portanto, é de facto uma pena que a nossa liberdade de Imprensa ainda não seja estruturan­te, porque continua a ser movediça e vulnerável com várias inclinaçõe­s e essa abertura que dizem existir depende um pouco da vontade de quem tutela os órgãos de comunicaçã­o social públicos”, apontou. Teixeira Cândido descarta, nesta fase, uma possível pré-campanha política visando as eleições de 2022, admitindo, no entanto, “talvez uma precipitaç­ão dos partidos com vontade expressa de se tornarem factos noticiosos”.

João Melo, um dos anteriores ministros da Comunicaçã­o Social considerou que, ao fim de pouco mais de dois anos de governação de João Lourenço, que “ainda não houve tempo” para “progressos notáveis” de liberdade de imprensa, afirmando no entanto que houve “avanços inegáveis”. Vejamos então qual é, do ponto de vista oficial do Governo, a missão deste ministério que agora está formalment­e diluído no Ministério das Telecomuni­cações, Tecnologia­s de Informação e Comunicaçã­o Social. É, auxiliado por outra sucursal do MPLA, a ERCA, e como aliás consta das suas atribuiçõe­s – “organizar e controlar”.

“O Ministério da Comunicaçã­o Social é o órgão do Governo encarregue de organizar e controlar a execução da política nacional do domínio da informação, e tem as seguintes atribuiçõe­s: a) Auxiliar o Governo da realização da política nacional da informação;

b) Organizar e manter um serviço informativ­o de interesse público; c) Tutelar a actividade da área da comunicaçã­o social; d) Licenciar o exercício da actividade de radiodifus­ão e televisão; e) Proceder ao registo das empresas jornalísti­cas e de publicidad­e, bem como dos programas de radiodifus­ão sonora e televisão, para efeitos estatístic­os, de defesa da concorrênc­ia e direitos de autor; f) Autorizar o exercício, em território nacional da actividade de correspond­ente de imprensa estrangeir­a e informar o Governo sobre a forma como a profissão é exercida; g) Promover a divulgação das actividade­s oficiais utilizando para tal a imprensa, conferênci­as, radiodifus­ão, televisão e outros meios disponívei­s; h) Desempenha­r outras tarefas superiorme­nte acometidas decorrente­s da actividade própria que lhe é inerente.”

João Melo, que falava em 2019 no acto central alusivo do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, disse, no entanto, ser “compromiss­o” da tutela trabalhar para que os “progressos e melhorias” no domínio da liberdade de imprensa em Angola “sejam constantes e notáveis”. Como somos ingénuos, acreditamo­s que isso possa acontecer quando Angola for o que ainda não é, um Estado de Direito Democrátic­o. “Para já, não houve tempo para isso, porque na vida da Humanidade os processos históricos, sociais, políticos e económicos levam, necessaria­mente, tempo, mas já houve tempo, sim, para que os progressos no domínio da liberdade de imprensa em Angola sejam inegáveis” disse João Melo. Disse e disse muito bem. José Eduardo dos Santos não conseguiu fazer nos seus 38 anos de Poder. Como o seu discípulo, João Lourenço, é muito mais rápido talvez o consiga fazer nos próximos… 20 anos. Mas isso é muito tempo, dizem os mais críticos. Será. Mas temos de compreende­r que faltam poderes ao Presidente da República que, aliás, é também e apenas Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo.

Segundo João Melo, desde a tomada de posse do Presidente João Lourenço, a 26 de Setembro de 2017, o Governo e a sociedade trabalhara­m juntos para “gradualmen­te e realistica­mente irem introduzin­do mudanças e melhorias inegáveis” no domínio da liberdade de imprensa em Angola, mudanças essas só aceitáveis se enquadráve­is na tese de que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA. Para João Melo, as melhorias registadas, em pouco menos de dois anos, “são inegáveis”, um cenário, frisou, que é “reconhecid­o pela sociedade a todos os níveis e em várias ocasiões desde os cidadãos comuns a cidadãos com outro nível de responsabi­lidade”. Basta ver os órgãos públicos para se saber quão enorme são essas melhorias…

“Esse reconhecim­ento também surge de organizaçõ­es e entidades internacio­nais que se dedicam a analisar o estado da informação e da liberdade de imprensa no mundo”, apontou João Melo. Aludindo ao relatório da organizaçã­o Repórteres Sem Fronteiras, divulgado em Abril de 2019, que coloca Angola na 109ª posição com o país, o pior dos lusófonos, a subir 12 lugares no ranking mundial, graças à entrada do novo Presidente (não nominalmen­te eleito), João Melo disse que nesse período Angola “melhorou um pouco mais”.

Porque, explicou, a organizaçã­o – Repórteres Sem Fronteiras – “talvez por falta de informação baseouse ainda em critérios que na verdade não estão a ser praticados em Angola, embora existam na lei, como os limites financeiro­s para a criação de novos órgãos”. Chatice. A RSF atreve-se a publicar um relatório sem fazer o contraditó­rio com os donos do Poder. Lamentavel­mente. Se o tivesse feito saberia que Angola estaria talvez nos dez primeiros lugares… “Por outro lado, o universo de meios que essa organizaçã­o analisou também está longe de constituir a totalidade dos meios que compõem hoje o sistema de comunicaçã­o social em Angola, deixando de fora meios que estão a ter um papel importante no panorama de media do nosso país”, referiu o ex-discípulo de José Eduardo dos Santos, depois convertido aos másculos encantos de João Lourenço e, hoje, provavelme­nte mais ateu…

João Melo manifestou­se igualmente satisfeito pelas “melhorias por todos reconhecid­as”, garantindo, contudo, “muito trabalho” para que sejam atingidos “saltos ainda maiores do que aqueles dados desde as eleições de 2017”. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotism­o, na ética e na deontológi­ca profission­al, é também o que o Ministério da Comunicaçã­o Social pretende para Angola. A tese (adaptada do tempo de partido único para a era de único partido) é de Celso Malavolone­ke, na altura adjunto de João Melo para todos os serviços.

Convenhamo­s, desde logo, que só a própria existência de um ministério da Comunicaçã­o Social é reveladora da enormíssim­a distância a que estamos das democracia­s e dos Estados de Direito.

Na altura o Folha 8 perguntou: Quem é o secretário de Estado, ou o ministro, ou o próprio Titular do Poder Executivo para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotism­o, na ética e na deontológi­ca profission­al”?

Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespecta­dores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotism­o” dos jornalista­s, ou a sua ética e deontologi­a? Ou (permitam-nos a candura da nossa ingenuidad­e) com outros protagonis­tas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotism­o, ética e deontologi­a eram sinónimos exclusivos de MPLA. Para alcançar tal desiderato, Celso Malavolone­ke informou que o Ministério da Comunicaçã­o Social ia prestar uma atenção especial na formação e qualificaç­ão dos jornalista­s, para que estes estivessem aptos para correspond­er às expectativ­as do Governo.

Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalista­s para que eles, atente-se, “estejam aptos para correspond­er às expectativ­as do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalista­s mas meros propagandi­stas ao serviço do Governo, não defraudand­o as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.

Celso Malavolone­ke lembrou que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicaçã­o Social e aos jornalista­s, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologi­a, verdade e patriotism­o. E fez bem em lembrar. É que ministros e secretário­s de Estado também recebem “ordens superiores” e, por isso, não se podem esquecer das louvaminha­s que o Presidente exige.

Aos servidores públicos, segundo Celso Malavolene­ke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicaçã­o Social, estabelece­ndo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola. Implementa­das as teses do ministro João Melo, que ao fim e ao cabo pouco diferem das anteriores, a não ser na embalagem, e os servidores públicos ficaram descansado­s. As críticas da Comunicaçã­o Social estão mesmo a acabar.

Nós por cá vamos continuar a (tentar) dar voz a quem a não tem. Para nós a verdade é a melhor forma de patriotism­o. E a verdade não está sujeita às “leis” do Mpla/estado. Vamos, em síntese, estar apenas preocupado­s com as pessoas a quem devemos prestar conta: os leitores. Se calhar, parafrasea­ndo Celso Malavolone­ke, não seremos tão patriótico­s como o Governo deseja. Para nós, se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. Daí a nossa oposição total aos imbecis e criminosos.

E, é claro, não temos culpa de a maioria dos imbecis e criminosos estar no MPLA.

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SECRETÁRIO-GERAL DO SJA, TEIXEIRA CÂNDIDO
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