A DECISÃO DO GOVERNO PORTUGUÊS
O Conselho de Ministros de Portugal aprovou em 2 de Julho o decretolei para nacionalizar 71,73% do capital social da Efacec, apontada pelo Governo como “uma referência internacional em sectores vitais para a economia portuguesa”. “A intervenção do Estado procura viabilizar a continuidade da empresa, garantindo a estabilidade do seu valor financeiro e operacional e permitindo a salvaguarda dos cerca de 2.500 postos de trabalho”, justificou na altura a ministra da Presidência do Conselho de Ministros, Mariana Vieira da Silva.
“O Conselho de Ministros tomou esta decisão porque a Efacec está em situação de grande impasse accionista, na sequência do processo Luanda Leaks, em que foi decretado o arresto desta participação social”, afirmou por sua vez o ministro Pedro Siza Vieira.
Em Portugal, os trabalhadores da Efacec estavam com o coração nas mãos após o anúncio da venda da participação de Isabel dos Santos ( declarada “inimiga número 1” pelo governo angolano). Temiam o que seria uma certeza, novos despedimentos. O Sindicato das Indústrias Transformadoras e Energia do Norte ( Site Norte) tinha- se mostrado “apreensivo”, primeiro com o arresto das contas e participações em empresas de Isabel dos Santos e, mais recentemente, com o anúncio da venda da participação da empresária angolana na Efacec, rejeitando que tal possa vir a ser pretexto para novos despedimentos na empresa, na qual a filha do antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos é a maior accionista, através da Winterfell Industries. A empresária Isabel dos Santos confirmou em Janeiro uma ordem do Presidente de Angola, João Lourenço, para a saída da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade ( ENDE) da portuguesa Efacec Power Solutions. Em Agosto do ano passado, em declarações ao jornal Valor Económico, Isabel dos Santos reiterou que não foram utilizados fundos públicos na compra de acções na Efacec e declarou que a ENDE não chegou a pagar o valor total da sua participação, que desceu de 40% para 16%.
“Fomos notificados de que o Presidente da República deu instruções ao Ministério de Energia e Águas da saída da Efacec da ENDE – Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade”, disse Isabel dos Santos. A empresária reafirmou que a Efacec não foi adquirida com fundos públicos, sublinhando que foi ela própria quem avançou com o dinheiro para permitir a entrada da ENDE na Efacec.
“A Efacec foi comprada por 195 milhões de euros e a [ entrada da] ENDE custou 16 milhões de euros. Como é que o Estado [ angolano] pagou?”, questionou Isabel dos Santos, acrescentando que cada accionista teve de fazer a sua parte e pagar pelas suas acções. “Supostamente, com os 40%, o capital da Winterfell, a ENDE deveria pagar 40 milhões de euros, mas só pagou 16 milhões de euros. O valor total nunca foi pago. Fui eu quem pagou adiantadamente o resto do dinheiro para a ENDE entrar no negócio”, acrescentou a empresária.
Isabel dos Santos insistiu que, “apesar da fraca parceria”, a Efacec ressuscitou” e tornouse, actualmente, “uma referência global na energia e na engenharia”. “Alguns sectores devem ter passado um mau bocado por terem aceitado o ‘ sucesso’ de Isabel dos Santos”, ironizou.
A empresária salientou que a parceria “tinha tudo para dar um casamento feliz”, uma vez que a ENDE teria tido acesso ao “talento para liderar a energia e a engenharia”. “O projecto para construir uma fábrica de cabos eléctricos em Angola, em 2019, permitiria transferir ‘ know- how’ e criar cerca de 300 novos empregos especializados”, acrescentou.
As suspeitas de que foram envolvidos fundos públicos datam de Agosto de 2015, depois de um decreto presidencial do então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos, ter autorizado a ENDE a comprar 40% das acções da Winterfell que, cerca de três meses depois, formalizou a compra da Efacec. As dúvidas foram alimentadas pelo facto de o valor que a ENDE pagou pela compra não ter sido revelado. Na ocasião, o Parlamento português perguntou ao Governo de Lisboa se foram seguidos os procedimentos de combate à lavagem de capitais.
Nos anos mais recentes foram concluídos vários contratos avultados, como o projecto formalizado em 2014 para aumentar a capacidade de uma central hidroeléctrica da barragem de Luachimo, na província da Lunda Norte, com uma duração de 37 meses e num valor próximo do 83 milhões de euros. Recorde- se que Comissão Europeia questionou em Fevereiro de 2016 as autoridades portuguesas sobre a venda de 66,1% da Efacec a Isabel dos Santos, no âmbito da legislação europeia de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Em 5 de Fevereiro de 2016 a comissária europeia Vera Jourova informou os eurodeputados do Intergrupo do Parlamento Europeu sobre Integridade e Transparência, Corrupção e Crime Organizado, que a Comissão questionou Portugal sobre “a conformidade da compra da empresa portuguesa Efacec por Isabel dos Santos”.
Em Outubro de 2015, os deputados enviaram para a Comissão Europeia, Autoridade Bancária Europeia ( ABE) e Grupo de Acção Financeira ( GAFI) uma carta a solicitar a investigação sobre a legalidade da compra da Efacec por Isabel dos Santos e dirigiram uma pergunta ao Banco de Portugal ( BDP) a este propósito. De acordo com as regras da União Europeia, as entidades portuguesas, nomeadamente, as instituições financeiras envolvidas na operação, “têm o dever legal de executar diligência reforçada sobre quaisquer operações que envolvam Pessoas Politicamente Expostas ( PEP na sigla inglesa) – ou seja, o dever de estabelecer a origem dos fundos de PEP estrangeiros, ter uma imagem clara de como o PEP adquiriu a riqueza, de forma geral, ou para o negócio particular em que estão envolvidos”. Os eurodeputados tinham pedido ao Banco Central Europeu ( BCE), à Comissão Europeia e à ABE, enquanto agentes da supervisão da integridade do sistema financeiro europeu, para determinarem se o BDP – a autoridade de supervisão portuguesa – e as instituições financeiras em causa estariam a cumprir a legislação europeia no que respeita a esta aquisição, bem como a outras participações significativas de Isabel dos Santos em empresas em Portugal, particularmente, no sector de petróleo, através Galp, na banca, através do BPI e do BIC, e em telecomunicações, através do operador NOS, bem como em outros investimentos imobiliários.