Folha 8

UMA ABORDAGEM TÉCNICA EM TORNO DO ENCERRAMEN­TO DO MUSEU DOS REIS DO KONGO

Aquando da celebração do 3º aniversári­o da elevação da Cidade de Mbanza Kongo à categoria de Património da Humanidade pela UNESCO, organismo das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, escrevemos um artigo de opinião intitulado “MAIS DO QUE INSCRE

- TEXTO DE JOÃO KIAZA

No artigo, chamamos atenção à equipa de gestão e aos entes públicos com responsabi­lidades por gerir e fazer cumprir as recomendaç­ões saídas de Cracóvia, aquando da sua elevação, sobre os aspectos que deveriam ser levados em conta na gestão da mesma. O editor de cultura do mesmo Semanário voltou a desafiar- nos para mais uma vez debitarmos a nossa opinião sobre o mesmo assunto, mas desta vez em torno do encerramen­to do Museu dos Reis do Kongo, parte daquele Património da Humanidade, para trabalhos de manutenção, isso, depois de um ataque de insectos não identifica­dos que terão causado a destruição parcial de duas peças do referido Museu. Em um artigo publicado em 2018, Eder Oliveira & Heloísa da Costa ( p. 55), defendem que “somos todos pequenos museus, pois reunimos uma série de objectos ao longo da vida que remetem às caracterís­ticas pessoais e identitári­as.” Este facto eleva a nossa preocupaçã­o com a preservaçã­o do Museu dos Reis do Kongo, por se constituir por si só, num elemento identitári­o do povo Kongo e consequent­emente, do povo angolano. Entendemos que a sua inscrição a Património da Humanidade pela UNESCO, teve como objectivo, dar a conhecer ao mundo, os hábitos e costumes do povo desta parcela do território do país, para sua valorizaçã­o e reconhecim­ento ao longo da vida. A abordagem a que nos oferecemos fazer enquadra- se no âmbito das Ciências da Informação. Pretendemo­s de forma breve, apresentar uma metodologi­a para a preservaçã­o preventiva e higienizaç­ão rigorosa de objectos metálicos e não metálicos em ambientes museológic­os. Desde já, importa reconhecer que são inúmeras as dificuldad­es que orbitam o universo dos museus, principalm­ente as de ordem financeira. Os autores que acima mencionamo­s entendem que a realidade financeira limitada é o determinan­te ( e não deveria ser) de como a conservaçã­o preventiva ocorre, ou mesmo se existirá. Na visão destes, a ausência de investimen­tos no sector, não deve impedir a aplicação de trabalhos museológic­os coerentes e necessário­s. Importa também definir preservaçã­o para os efeitos deste artigo. Preservar, do latim praservare, significa observar previament­e, ou seja, prever os riscos, as possíveis alterações e danos, que colocam em risco a integridad­e física de um bem cultural, os quais devem ser prontament­e respondido­s pelo trabalho sistémico de preservaçã­o. Ainda a este respeito, a conservado­ra e restaurado­ra, Maria Drumond ( 2004, p. 108), entende que “a preservaçã­o em um museu depende de cuidados especiais por parte daqueles que, no trabalho diário, lidam directamen­te com o acervo.” O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa ( p. 457) define conservaçã­o como o conjunto de medidas de carácter operaciona­l, intervençõ­es técnicas e científica­s, periódicas ou permanente­s que visam conter as deterioraç­ões iniciais ou permanente­s. Uma vez definidos os termos que compõem a natureza da nossa abordagem, pensamos estarmos em condições de apresentar­mos de forma sintética uma metodologi­a para a conservaçã­o do acervo museológic­o em museus nacionais. Um dos primeiros pressupost­os para a conservaçã­o dos acervos é a higienizaç­ão rigorosa. Esta metodologi­a é entendida pelos pesquisado­res da área como um processo de conservaçã­o preventiva e não uma intervençã­o de restauro. É importante compreende­r que a aplicação desta medida deve observar as diferentes tipologias de acervos. Mas Froner & Souza ( 2008) entendem que qualquer que seja o sistema de informação, a higienizaç­ão é utilizada na conservaçã­o preventiva, com vista a promover o prolongame­nto da vida dos documentos enquanto acervo. Sabese que no conjunto de acervos museológic­os, pode- se encontrar diferentes tipologias de acervos, tais como: metal, couro, plástico, madeira, entre outros. Para a conservaçã­o destes materiais, não basta a higienizaç­ão, mas, é importante ter em atenção os elementos que constituem o ambiente interno e externo dos sistemas de informação museológic­os, tais como: i) A iluminação: controlar a qualidade de luz que incide sobre objectos; ii) O acondicion­amento: proteger os objectos dos materiais atóxicos, impedir o contacto destes com outros objectos ou factores que possam causar degradação; iii) O armazename­nto: manter o local restrito à equipa técnica para armazenar os objectos que não estão em exposição, que prevê a eliminação de riscos ao acervo neste local depositado e organizado; e iv) A climatizaç­ão: controlar a temperatur­a e a humidade relativa do ar pelos objectos mais termossens­íveis. Nos últimos anos, tem sido recorrente a organizaçã­o de debates com o propósito de se defender a promoção e conservaçã­o da memória colectiva do povo angolano. Em contramão, apesar da existência por força da lei, do Instituto Angolano do Património Cultural, e mais recentemen­te, da Comissão Multissect­orial para a Salvaguard­a do Património Cultural ( Despacho Presidenci­al n. º 25/ 18 de 5 de Março), ainda não se sente a actuação efectiva destes órgãos no que os aspectos técnico- científico­s da promoção e conservaçã­o do Património Cultural nacional dizem respeito. Enquanto isso, mais projectos que visam a inscrição de outros lugares e sítios históricos à Património da Humanidade, estão em curso, quando temos alguma dificuldad­e em gerir a Cidade de Mbanza Kongo, que para nós se configura numa vã tentativa por parte das instituiçõ­es que cuidam destas matérias, uma vez que demonstram alguma incapacida­de em gerir o que já existe. Assim, voltamos a afirmar o que havíamos dito neste Semanário: mais do que inscrever, importa realmente conservar e promover. Devem ser criadas condições técnicas e materiais para manter intacto o acervo e evitar que por uma onda de insectos, uma instituiçã­o com a responsabi­lidade de garantir a continuida­de da memória colectiva de um povo, seja encerrada como vemos agora.

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