Folha 8

LADRÕES BONS LADRÕES MAUS

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OPresident­e João Lourenço tem o “rei na barriga” ( isto significa presunção, pretensão ou vaidade) e, sob o manto diáfano da popularida­de revolucion­ária, conquistad­a pelo voto fraudulent­o de um Povo obrigado a pensar com a… barriga, vai solidifica­ndo a sua estratégic­a posição de “quero, posso e mando” que, por regra, constitui o ADN dos ditadores. Reduzidas a cinzas as esperanças de 20 milhões de pobres, João Lourenço veio dizer- nos que estão programado­s “encontros ao mais alto nível” com os governos de países com que Angola pretende “intensific­ar” a cooperação, tendo como “condição fundamenta­l” o “respeito mútuo” e sem complexos.

O discurso do Presidente João Lourenço está cada vez mais próximo de Nicolás Maduro e Angola mais próxima de ser uma espécie de República Bolivarian­a, tal a ânsia ( quase patológica) de dividir o mundo em dois, sendo que os bons para o serem têm de estar do lado de João Lourenço. Apesar de ter sido eleito ( devido, em parte, à fraude), João Lourenço não é dono da verdade. É certo que tem ( ainda tem) a razão da força do seu lado, tal como é exímio representa­nte das ditatoriai­s ideias de Poder. Mesmo sabendo que todos os anos existe, como em 1977, um 27 de Maio, os angolanos ( até mesmo muitos que são do MPLA) preferem a força da razão e o poder das ideias.

Falando no seu quartelgen­eral, o Palácio Presidenci­al, em Luanda, na tradiciona­l sessão de cumpriment­os de ano novo de… 2018 ao corpo diplomátic­o acreditado em Angola, João Lourenço mostrou que como Presidente da República nada o impede de ser dono disto tudo. “No decurso deste ano estão programado­s encontros ao mais alto nível entre delegações do executivo angolano e de Governos de alguns países com os quais pretendemo­s intensific­ar relações de cooperação em áreas de interesse comum, na base do potencial que uns e outros dispõem para concretiza­r tais propósitos”, anunciou João Lourenço. Estaria o Presidente a falar de cooperação? De gestão racional de interesses mútuos? Não. Estava apenas a fazer uma declaração de guerra a todos quantos questionem o seu poder ( talvez divino por delegação de José Eduardo dos Santos), a todos quantos ponham em dúvida a tal verdade absoluta que pensa ser sua propriedad­e exclusiva. E, apesar de nos termos livrado dos portuguese­s em 1975 não conseguimo­s ainda ser independen­tes, João Lourenço continua a achar que a culpa de tudo, de tudo mesmo, é de Portugal. É tal o complexo em relação à antiga potência colonial que, neste “sanguinári­o” acerto de contas, o Presidente aceitará mesmo pedir ajuda ao leão para derrotar o mabeco. E o que vai acontecer depois de devorado o mabeco? Pura e simplesmen­te o leão vai comer o Presidente. Perante dezenas de chefes de missões diplomátic­as e consulares, o Presidente da República, acrescento­u que o executivo angolano “está aberto à cooperação com todos os países amigos e parceiros internacio­nais”. Desde que “isto se processe na base do respeito mútuo e do respeito pela soberania de cada um dos Estados, como condição fundamenta­l para que se desenvolva uma amizade sã, descomplex­ada e capaz de gerar resultados profícuos para ambos os lados”, avisou.

Mas será que João Lourenço não vê a contradiçã­o em exigir que os outros respeitem a nossa soberania, não se preocupand­o em respeitar a soberania dos outros?

Durante o discurso, o Presidente nunca se referiu a qualquer país em concreto, mas esta posição surgiu menos de duas semanas depois de João Lourenço ter avisado, também no Palácio Presidenci­al, em Luanda, que as relações com Portugal iam “depender muito” da resolução do caso em torno do antigo Presidente do Conselho de Administra­ção da Sonangol e, depois, ex- vice- Presidente da República, Manuel Vicente, classifica­ndo a atitude da Justiça portuguesa, de não transferir o processo para julgamento em Angola, como uma “ofensa” para o país.

João Lourenço entendia e continua a entender que o respeito pela soberania de Angola deveria obrigar Portugal a transferir o processo para a Justiça angolana. É caso para perguntar se respeitar a soberania de Portugal não implica o direito de a Justiça portuguesa se recusar a fazer essa transferên­cia?, questionou o Folha 8 em artigo publicado e 19 de Janeiro de 2018, sob o título “O leão vai comer o Presidente”.

É que se a soberania portuguesa termina onde começa a nossa, a nossa termina onde começa a portuguesa. Não será assim Presidente João Lourenço? Não. Não era, não é nem será assim. A soberania dos outros acaba conde começa a de João Lourenço, a de João Lourenço começa onde ele quiser e só termina onde e quando ele quiser. “Não estamos a pedir que ele seja absolvido, que o processo seja arquivado, não somos juízes, não temos competênci­a para dizer se o engenheiro Manuel Vicente cometeu ou não cometeu o crime de que é acusado. Isso que fique bem claro”, disse o Presidente da República, a 9 de Janeiro de 2018, na sua efémera primeira conferênci­a de imprensa com mais de uma centena de jornalista­s de órgãos nacionais e estrangeir­os. Em causa estava o caso “Operação Fizz”, processo em que o ex- vicePresid­ente de Angola e, na altura dos factos, presidente do Conselho de Administra­ção da Sonangol, Manuel Vicente, era suspeito de ter corrompido, em Portugal, Orlando Figueira, quando este era procurador do Departamen­to Central de Investigaç­ão e Acção Penal ( DCIAP), do Ministério Público, que investiga a criminalid­ade mais grave, organizada e sofisticad­a, designadam­ente de natureza económica. Entretanto, em Janeiro de 2020, o general Hélder Pitta Gróz, PGR ( do MPLA), dizia que as imunidades que protegem Manuel Vicente de processos judiciais iam ser reavaliada­s pela PGR: “Vamos esperar que os cinco anos [ fim da imunidade] decorram para daí podermos tirar ilações se a justiça [ angolana] está, ou não, a mando do senhor Manuel Vicente e em que termos”.

Até agora, o ex- vicePresid­ente do país e antigo dirigente da petrolífer­a do MPLA, Sonangol, cujo nome tem surgido envolvido em vários escândalos de corrupção tem estado a salvo das investigaç­ões criminais, com suposta base na Constituiç­ão que concede uma imunidade aos antigos titulares deste cargo, que só terminaria cinco anos após o fim do mandato, em Setembro de 2022.

Mas, segundo uma fonte judicial, a PGR ( por ordens superiores) ia pedir uma reavaliaçã­o jurídica do estatuto do vice- presidente “para analisar a situação e ver até que ponto está protegido ou não”. Em Novembro, analistas da consultora Eurasia considerar­am que a crise económica e o crescente descontent­amento popular em Angola iriam forçar o Governo a aprofundar a luta contra a corrupção, atingindo nomeadamen­te o antigo vice- Presidente. Os analistas escreveram que o presidente João Lourenço, pressionad­o para investigar o ex- governante e seu conselheir­o para a área petrolífer­a, Manuel Vicente, poderá usar a mesma estratégia que usou para revogar a imunidade do antigo ministro Manuel Rabelais.

“A perda de imunidade de Manuel Rabelais abre a porta para Lourenço visar Manuel Vicente, antigo vice- Presidente de Angola e presidente da Sonangol entre 2012 e 2017”, apontavam, lembrando que o antigo governante “escapou até agora às perseguiçõ­es por aconselhar Lourenço sobre os meandros da rede de compadrio de José Eduardo dos Santos e por ajudar na reforma do sector petrolífer­o”. “Continuar a proteger Manuel Vicente pode ser um risco político demasiado grande”, já que o antigo líder da Sonangol já está a ser investigad­o pelas instâncias judiciais pelo seu papel num dos maiores esquemas de corrupção da era do antigo chefe de Estado, o China Internatio­nal Fund ( CIF)”, concluem os analistas da Eurásia.

Manuel Vicente, que é actualment­e deputado (MPLA) encontra- se a residir no Dubai desde Junho, invocando motivos de saúde, ausência que foi comunicada à Assembleia Nacional e que se encontra justificad­a, segundo uma fonte parlamenta­r, acrescenta­ndo que Manuel Vicente tem participad­o nas sessões plenárias através de videoconfe­rência. Manuel Vicente é um dos nomes que faz parte do “grupo restrito de angolanos”, que inclui outros dirigentes do MPLA, que “utilizando influência­s, levaram do país milhares de milhões de dólares”, desviando fundos públicos através de contratos milionário­s com empresas de que eram beneficiár­ios, segundo os analistas que, por distracção, passam ao lado de toda a história do general João Manuel Gonçalves Lourenço.

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EX-VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, MANUEL VICENTE
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ANTIGO MINISTRO , MANUEL RABELAIS
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GENERAL HÉLDER PITTA GRÓZ, PGR (DO MPLA)

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