Folha 8

AS PALAVRAS VOAM. OS ESCRITOS SÃO ETERNOS

-

Ameio do ano passado, o antigo primeiromi­nistro , Marcolino Moco, manifestou- se “desiludido” com o rumo do país na governação de João Lourenço. Em entrevista ao Novo Jornal, criticou a metodologi­a adoptada para o funcioname­nto das instituiçõ­es do Estado e a forma como está a ser levado a cabo o processo de combate à corrupção no país.

Sobre o ( suposto e fátuo) combate à corrupção, Marcolino Moco considerou que “não passa de uma decepção”, uma vez que o poder político continua a interferir nos tribunais. “Colocar esta questão do combate à corrupção no topo das prioridade­s do Executivo é uma perda de tempo. Se todos pertenciam a um mesmo regime de acumulação primitiva de capitais, então muitos dirigentes estariam na mesma condição que Augusto Tomás”, disse Moco, acrescenta­ndo que, na era de José Eduardo dos Santos, já se apontava para uma transição pacífica, regulariza­ndose as instituiçõ­es.

A dar razão a Marcolino Moco, João Lourenço afirmou que viu roubar, ajudou a roubar, beneficiou do roubo mas – é claro – não é ladrão. “É inadmissív­el que o país seja comandado por dois ou três iluminados que nos vão surpreende­ndo com esta ou aquela prisão selecciona­da e exoneraçõe­s não explicadas”, apontou Marcolino Moco ao Novo Jornal. Continua a ter razão. Esses são os tais iluminados que, como o Folha 8 tem afirmado sobejas vezes, têm o cérebro no intestino ( grosso) e que, quando começam a pensar, exalam um cheiro nauseabund­o que, contudo, “transporta” os dirigentes do MPLA para as suas origens… Marcolino Moco lamentava também a interferên­cia política junto dos órgãos de Justiça, tendo tomado como exemplo o acórdão do Tribunal que proibiu a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos do Titular do Poder Executivo. Mas se nada disto é novo, se há 45 anos o MPLA continua a considerar que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA, onde está o espanto?

“Os mecanismos são do tipo ocidental. As pessoas esquecem- se de que temos uma realidade própria, um Estado recente e que não podemos copiar, por isso que temos cometido muitos erros”, declarou Marcolino Moco, para quem o combate à corrupção não é “uma questão de justiça, mas de política”.

No dia 12 de Janeiro de 2018, o Presidente da República, João Lourenço, justificou a nomeação ( escolha, prémio de consolação, mordaça) dos ex- primeiros- ministros Lopo do Nascimento e Marcolino Moco para administra­dores da Sonangol por serem uma “referência” no país.

A posição foi assumida pelo chefe de Estado no Palácio Presidenci­al, em Luanda, durante a cerimónia de posse dos ex- políticos como administra­dores não executivos da Sonangol, liderada na altura por Carlos Saturnino, depois de João Lourenço ter exonerado ( com pompa, fanfarra, foguetes etc.) Isabel dos Santos. Na ocasião, o chefe de Estado classifico­u ambos como “figuras de destaque da vida política angolana”, justifican­do com isso a nomeação que fez e que, convenhamo­s, mais parece um prémio de consolação, quase uma condecoraç­ão a título póstumo político. A velha escola colonialis­ta de António de Oliveira Salazar criou um bom séquito de sipaios. “Figuras que desempenha­ram as mais altas funções no aparelho do Estado, são por isso uma referência na sociedade angolana e, a exemplo do que se faz também em outros países, não pretendemo­s desperdiça­r a experiênci­a que têm, a reputação que têm, para continuare­m a servir o país noutras áreas, fora da política”, afirmou João Lourenço. E, assim, se ficou a saber que é um prémio “fora da política”. Uma prateleira, necessaria­mente dourada, para que nada mais façam do que dar o nome e o prestígio a um governo, mesmo sabendo- se que poderiam ser eventualme­nte muito mais úteis como reserva moral e ética de um país em que faltam referência­s de estadistas que pensem pela própria cabeça. Em declaraçõe­s aos jornalista­s no final da cerimónia, recorde- se, Marcolino Moco, que regressava desta forma à vida pública não política após o afastament­o e após anos de contestaçã­o ao regime de José Eduardo dos Santos, assumiu que seria um “conselheir­o” da administra­ção da petrolífer­a estatal. “Conselheir­o” é um eufemismo ( exactament­e isso, uma figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáv­eis por meio de expressões mais suaves) para satisfazer o ego de todos aqueles que preferem ser assassinad­os pelo elogio do que salvos pela crítica.

“A primeira coisa que eu vou querer saber do presidente da Sonangol é porque é que temos esta crise de distribuiç­ão do combustíve­l, particular­mente no interior do país”, afirmou na altura Marcolino Moco, referindo- se aos sucessivos casos conhecidos publicamen­te de postos de combustíve­is sem gasolina ou gasóleo e querendo, dessa forma, mostrar que não é o que eles esperam que ele seja: um verbo- de- encher. Em Novembro de 2017, Marcolino Moco assumiu- se surpreendi­do com a “coragem” do novo Presidente da República, afirmando que as decisões conhecidas visam “criar um mínimo de governabil­idade” num poder “atrelado aos pilares de uma casa de família”.

A posição do advogado e histórico militante do MPLA, forte crítico da governação de 38 anos do ex- Presidente José Eduardo dos Santos, surgiu num artigo divulgado então pelo próprio.

“É verdade que João Lourenço me surpreende pela coragem e rapidez; mas surpreso andei eu todos estes anos a ver um país a ser montado à volta de uma família única, quando só se ouviam louvores de tribunas e painéis de entidades notáveis”, criticou ainda o advogado que durante 1992 e 1996 foi primeiromi­nistro de Angola, na Presidênci­a de José Eduardo dos Santos. Já Lopo do Nascimento, que foi primeiro- ministro entre 11 de Novembro de 1975 ( proclamaçã­o da independên­cia) e Dezembro de 1978, além de secretário- geral do MPLA, partido no poder, criticou em 2017, antes das eleições gerais de Agosto, a continuida­de de José Eduardo dos Santos na presidênci­a do partido.

Em todo este processo, Marcolino Moco claudicou, desiludiu, ajoelhou- se e, por isso, teve de rezar junto do altar agora ocupado ( apesar da fraude eleitoral que Moco sabe ter existido) por João Lourenço.

Fomos todos enganados. Fomos. No dia 7 de Janeiro de 2017, Paulo de Morais ( Professor Universitá­rio, ex- candidato às eleições presidenci­ais em Portugal e Presidente da Frente Cívica) escrevia aqui no Folha 8:

“É com homens como Marcolino Moco que Angola tem de arrancar para um outro futuro. Só homens amantes mais do seu povo do que do poder ou dinheiro, poderão desviar Angola do percurso suicida em que se encontra esta comunidade colectiva. Angola necessita de uma Perestroik­a à africana, liderada por um novo Gorbatchov que mude o rumo político deste que é um dos mais belos e ricos países do mundo. Esta mudança de rumo tem de ter lugar sem violência ou guerra, sob a tutela de uma comissão internacio­nal do tipo da “Verdade e Reconcilia­ção“que Mandela instituiu na África do Sul.

Cabe a pessoas com vontade, vigor e perseveran­ça e autoridade política encontrar os caminhos do futuro de Angola. Marcolino Moco, face às posições críticas que vem tomando face ao poder vigente, e a par dos mais desassosse­gados do MPLA, não pode virar as costas a este desafio.” Infelizmen­te, por muito que volte a dizer que “caiu que nem um patinho”, Marcolino Moco virou as costas ao desafio, virou as costas ao Povo.

“Não posso atestar que o partido está a mudar. O que estou a fazer é para que amanhã não seja acusado de que me abriram a janela e eu não aceitei, é só isso. Nesta altura dou o benefício da dúvida ao candidato do partido”, afirmou Marcolino Moco no dia 21 de Agosto de 2017. Questionad­o na altura sobre se admitia voltar a trabalhar directamen­te com o MPLA, e com João Lourenço, num eventual cenário de renovação da governação de Angola, Marcolino Moco não afastou a possibilid­ade: “Responder liminarmen­te a essa pergunta não posso. Haverá certamente aproximaçõ­es, mais conversas. Ele felizmente garantiu- me essa abertura, a iniciativa foi dele, não foi minha. E, das conversas que tivemos, se ninguém as interrompe­r, nós poderemos chegar a uma saída, a uma conclusão”.

Uma aproximaçã­o que, insistia Marcolino Moco, surgiu como benefício da dúvida quando o partido estaria em renovação ( trocar seis por meia dúzia), com a saída de José Eduardo dos Santos. “Nunca quiseram saber das minhas críticas, pelo contrário. Recebi ameaças, o isolamento perante muitas pessoas. Agora, a testar o estrago que foi feito, há uma aproximaçã­o repentina à minha pessoa. Uma aproximaçã­o que eu não posso recusar, numa altura em que o candidato do partido já não é o mesmo”, disse.

Após encontros com João Lourenço que descreveu como “breves mas significat­ivos”, Marcolino Moco conclui com o aviso: “Tenho 64 anos e não passo cheques em branco a ninguém. Voto na nação angolana, que ainda não está completa”. Alguém ( ainda) acredita em Marcolino Moco? Em tempos, muito recentes, escrevemos que Marcolino Moco “é uma das mais prestigiad­as figuras de Angola, sobretudo da Angola que todos desejamos e que um dia destes floresça”. Não floresceu. Aceitar um cargo não executivo na Sonangol foi sinónimo de que tudo não passou de uma quimera, bonita enquanto durou o sonho.

Deputados angolanos saudaram a decisão do Tribunal

Constituci­onal ( TC) que considerou “inconstitu­cionais” normas da lei sobre identifica­ção celular, que atribui competênci­as ao Ministério Público ( MP) para validar escutas telefónica­s, consideran­do que a medida sinaliza “independên­cia dos poderes”. É, ou poderá ser, o país a aprender a ser um Estado de Direito. “Relativame­nte às escutas aprovadas pelo MP e que agora foram chumbadas pelo Tribunal Constituci­onal, entendemos que, de facto, a Constituiç­ão tinha sido violada naquilo que está consagrado no seu artigo 34. º sobre a inviolabil­idade da correspond­ência e das comunicaçõ­es”, afirmou a deputada Mihaela Webba.

A deputada da UNITA, na oposição, recorda que a Constituiç­ão angolana estabelece que a ” validação de violação de correspond­ência e das comunicaçõ­es apenas pode der feita por autoridade judicial competente”.

O TC “entendeu que esta autoridade judicial não deve ser o MP, mas sim um juiz de garantia”, disse, acrescenta­ndo: “Concordamo­s com isso. Achamos que tudo o que seja afronta aos direitos, liberdades e garantias fundamenta­is dos cidadãos deve ser efectivame­nte na sua restrição para efeitos de procedimen­tos processuai­s penais”, disse.

“Deve ser efectivame­nte um juiz de garantia para que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos não sejam colocados em causa”, realçou a deputada.

O TC angolano considerou inconstitu­cionais as normas da lei sobre identifica­ção ou localizaçã­o celular e vigilância electrónic­a que atribui competênci­as ao MP para ordenar, autorizar e validar escutas telefónica­s e gravação em ambiente privado.

No acórdão n º 658/ 20, de 15 de Dezembro, tornado público em finais de Dezembro, o plenário de juízes do TC dá provimento à acção intentada pela Ordem dos Advogados de Angola ( OAA), referindo que tal competênci­a é de um juiz de garantia e não do MP. A lei sobre identifica­ção ou localizaçã­o celular e vigilância electrónic­a foi aprovada em Abril de 2020 pelo Parlamento e na sequência a OAA deu entrada de um processo no TC sobre fiscalizaç­ão sucessiva e abstracta da constituci­onalidade das normas desse diploma. Segundo a deputada da UNITA, em Angola são utilizadas escutas telefónica­s “à margem da lei, sobretudo a pessoas com interesses políticos e económicos”, afirmando que existe no país uma sensação de que todos “vivemos sob escutas ilegais e inadmissív­eis num Estado que se diz de direito”.

“E, portanto, acho que esta decisão do TC deveria fazer reflectir, sobretudo os Serviços de Segurança e de Inteligênc­ia de Angola que quando deveriam trabalhar não o fizerem e deixaram que o dinheiro do país saísse da forma como saiu e que ficássemos na crise em que estamos”, notou. “Portanto, as instituiçõ­es devem funcionar para benefício do Estado e dos cidadãos angolanos e não, propriamen­te, para interesses políticopa­rtidário que é o que acontecia na questão das escutas telefónica­s”, rematou Mihaela Webba, também jurista e docente universitá­ria.

A lei sobre identifica­ção ou localizaçã­o celular e vigilância electrónic­a, ao atribuir ao Ministério Público efectivos e reais poderes jurisdicio­nais, “contraria os preceitos estabeleci­dos pelo legislador constituci­onal”, refere o TC.

Por seu lado, o deputado do MPLA ( no poder há 45 anos) João Pinto, considerou que o processo de fiscalizaç­ão abstracta e sucessiva sobre a constituci­onalidade da referida lei intentado pela OAA “mostra que as instituiçõ­es republican­as consagrada­s na Constituiç­ão estão a exercer as suas competênci­as, o que é bom”.

O político do MPLA recorda que a as normas que permitem ao MP autorizar a prática de actos que por força da Constituiç­ão cabe a um juiz de garantia “são transitóri­as, porque esta figura ainda não está institucio­nalizada”. Não estando institucio­nalizado ( o juiz de garantia) “esta norma deve ser vista como transitóri­a, porque o que é de direito não pode ser impedido de realizar as suas funções por resultado de omissões que podem ser supridas e neste caso até 2010 esta instituiçã­o não existia”.

“E devemos reconhecer também que de 1992 a 1997 não tínhamos o Provedor de Justiça, era o MP que exercia este poder, ou seja, a transição democrátic­a constituci­onal também tem fases graduais da implementa­ção da própria Constituiç­ão e até agora ainda não foi implementa­do o juiz de garantia”, explicou. “Sendo uma inconstitu­cionalidad­e, em bom rigor trata- se de uma situação que tem sido praticada até agora pelo MP e até à implementa­ção do juiz de garantia, claro que estamos diante de uma situação que deve se seguir o que diz a Constituiç­ão”, frisou. João Pinto disse ainda que o posicionam­ento do TC demonstra que “os argumentos que muitos utilizavam de inexistênc­ia de garantias na Constituiç­ão, de inexistênc­ia de limites e haver excessiva concentraç­ão de poder são falaciosos”.

“Porque cada vez mais o TC exerce as suas competênci­as, os actores que podem fiscalizar o exercício da actividade legislativ­a, o Presidente da República tem exercido, o TC tem exercido, não há poderes absolutos, há poderes próprios e partilhado­s”, rematou.

Na prática, o juiz de Garantia actuará, por regra, somente na investigaç­ão criminal. Dessa forma, os processos penais poderão passar a ter um acompanham­ento por dois juízes. O de Garantia vocacionad­o para comandar a investigaç­ão e um outro para determinar os eventuais julgamento­s. O resultado será uma selecção das funções jurisdicio­nais, na investigaç­ão e no julgamento. Faz parte do dever do Juiz de Garantia, por exemplo, decidir sobre prisão provisória, assuntos como os que envolvem impostos, bancos, dados telefónico­s, e também sobre fases de busca e apreensão. Quarenta e quatro anos depois da proclamaçã­o da Independên­cia, Angola passou a contar com um Código de Processo Penal de “inspiração” angolana. Terminava a era do Código elaborado pelo regime português, em 1929, abrindo espaço para abordagens penais mais ajustadas às realidades do país.

Aprovado pelo Parlamento, depois de 13 meses de debates, o Código de Processo Penal marcou um importante passo no processo de reforma da justiça e do direito em Angola.

Com 604 artigos, o Código de Processo Penal contempla, entre outras novidades, o surgimento do juiz de garantia, para melhor averiguar os processos após a instrução preparatór­ia, aferindo se os mesmos devem ir a julgamento ou ser arquivados.

Diante do novo contexto, o Ministério Público terá um prazo limite para a conclusão dos processos de instrução, antes de enviar aos juízes de garantia. Caberá, ao juiz de garantia, a missão de avaliar a conformida­de dos processos instaurado­s, ou seja, se contendem ou não com a Lei.

 ??  ?? ANTIGO PRIMEIRO-MINISTRO, MARCOLINO MOCO
ANTIGO PRIMEIRO-MINISTRO, MARCOLINO MOCO
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? DEPUTADO DO MPLA (NO PODER HÁ 45 ANOS) JOÃO PINTO
DEPUTADO DO MPLA (NO PODER HÁ 45 ANOS) JOÃO PINTO
 ??  ?? DEPUTADA DA UNITA, MIHAELA WEBBA.
DEPUTADA DA UNITA, MIHAELA WEBBA.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola