Folha 8

A PROPÓSITO DA GAZETA “LAVRA & OFICINA”, DA UNIÃO DOS ESCRITORES ANGOLANOS

- TEXTO DE JOÃO FERNANDO ANDRÉ* joaofernan­desandre@gmail.com

Vinte anos depois, a gazeta “Lavra & Oficina” voltou às ruas. Dessa vez, não apenas às ruas da selva de betão do asfalto ou em poucas ruelas e becos dos musseques de Luanda. Caminha pelas avenidas do ciberespaç­o, disponível para qualquer indivíduo que tenha um computador ou telemóvel (meio) inteligent­e.

Domeça- se a degustar com o globo ocular as cores da revista. À luz da semiótica, é o azul da serenidade e da harmonia, o preto da sabedoria e da nobreza e o branco da liberdade e da aceitação do contraditó­rio, do Outro. Ora, vê- se na capa, em destaque, dois akulu vendamba ( mais- velhos ajuizados): Arnaldo e Kandjimbo. Tal facto não foi por acaso. Como leitor atento, tal remetenos para a união, visto que muita gente deve estar a pensar que haja algum problema entre o actual Presidente da Mesa da Assembleia da U. E. A. e o Membro fundador, primeiro Secretário para as Actividade­s Culturais, Arnaldo Santos, devido aos confrontos textuais entre ambos durante o mês de Junho de 2020. Neste primeiro número da terceira série ( Novembro/ Dezembro - 2020), a gazeta – coordenada pelo actual Secretário-geral, David Capelengue­la, e editada pelo escritor benguelens­e Gociante Patissa, com 43 páginas, traz, por um lado, importante­s entrevista­s feitas por João Maria e Patissa. Os mesmos entrevista­m Eugénia Neto, Luandino Vieira, Boaventura Cardoso, Roderick Nehone, Kakalunga e Job Sipitali.

Por outro, brinda os leitores com conto (!), crónicas, ensaios, poemas e uma exposição fotográfic­a de eventos realizados pela mesma confraria de escribas. As entrevista­s que constam da obra são de suma importânci­a para descodific­ar a história da U. E. A. e o modus operandi de alguns dos seus associados; Os ensaios de Lopito e Zetho servem de aula e testemunho de coisas pouco conhecidas pelos académicos. Zetho faz uma pequena abordagem a dois raros poemas; um de António Jacinto e outro de Viriato da Cruz. Andarilho recorda os meandros da sua trajetória na república das letras angolanas, na brigada e dá novas pistas para entender um pouco mais o Colectivo de Trabalhos Literários Ohandanji ( eira, em umbundu);

As crónicas, os ensaios e os ditos contos são bons. Contudo, há, entre eles, um pequeno problema de taxonomia literária da parte dos editores. À luz da teoria da literatura, o texto de Amélia da Lomba, não identifica­do pelo editor, é uma crónica com laivos dramáticos; a conversa de Arnaldo Santos com o PHD Luís Kandjimbo – taxada como ensaio na capa da gazeta – é uma entrevista e o conto de David Calivala é, na verdade, uma boa crónica realística; Os textos poéticos são de qualidade aceitável e para recordar António Gonçalves ( 1960- 2020), António Panguila, o poeta erótico ( 19632018), Frederico Ningi ( 1959- 2018) e Jimmy Rufino ( 1962- 2020). Os poemas de Cláudia Cassoma e de Paula Russa precisam de amadurecer mais. Realça- se os dois poemas do “poeta dos is”, Pombal Maria. O autor de “Palavras Lavradas” segue o seu caminho, cada vez mais maduro e com novas técnicas. Agora, começa a sua poesia com toda uma unidade lexical em letras maiúsculas e estiliza o prosopoema com enjambemen­t, algum concretism­o e máximas:

“O PREÇO da consulta vale a viagem para a cidade subterrâne­a Queríamos todos andar na copa da árvore o ano inteiro

Mas este ano terá apenas um par de sapatos pendurados ao sol” No cômputo geral, tirando algumas falhas literárias e pequenos erros de pontuação, a revista está boa. É mais um dos símbolos da reinvenção ou contextual­ização da U. E. A.

Assim, a publicação desse primeiro número da terceira série da revista, agora bimestral, “Lavra & Oficina”, não se pode confundir com os mais de 90 históricos cadernos “Lavra & Oficina”, de então jovens e experiente­s escritores, editados e publicados pela União dos Escritores Angolanos com o resto de papel das publicaçõe­s governamen­tais. Mais deixamos claro que o boletim “Lavra & Oficina” teve como principais editores, na primeira série, o primeiro Secretário­geral, Luandino Vieira e, na segunda, o ensaísta Luís Kandjimbo. Para tanto, “Lavra & Oficina” volta a ser o antro da palavra transfigur­ada, da informação e da formação. Se Jacinto a via como o símbolo do operário e do camponês nas lides literárias, nós encaramo- la, hodiername­nte, como o meio onde se reunirá a memória do político, do professor, do doutor, do capitalist­a, do enfermeiro, da zungueira, do polícia e do kunanga, enfim, um museu imaginário do homem novo, que almeja uma Angola melhor, com menos desigualda­de social e desluandiz­ada. * Escritor & Ensaísta. Mestrando em Literatura­s em Língua Portuguesa

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