Folha 8

(Re)visão pessoal e individual da Constituiç­ão

- TEXTO DE FRANCK RASKAL

AConstitui­ção da República de Angola ( CRA) foi promulgada a 5 de Fevereiro de 2010, e entrou em vigor na data da sua publicação. É uma Constituiç­ão rígida, que prevê a sua revisão cinco anos após a sua entrada em vigor ou a contar da última revisão. A Constituiç­ão, que tem sido chamada de atípica, suscitou, desde a primeira hora, ataques, condenaçõe­s e reprovaçõe­s por algumas das soluções por ela consagrada­s, e que não agradaram aos cidadãos, dum modo geral. Trata- se do seguinte: do modo de eleição do Presidente da República ( que integra a lista dos candidatos a deputados, lista da qual é o cabeça- de- lista), dos poderes excessivos do

Presidente da República ( tratado como « titular do poder executivo » ) e da subalterni­zação dos outros poderes ( legislativ­o e judicial) ao Titular do Poder Executivo. Uma vez eleito deputado ( pelo círculo nacional na lista de um partido ou coligação de partidos que participa nas eleições), o cabeça da lista vencedora e o segundo candidato da mesma lista não tomam posse como deputados ( renunciand­o implicitam­ente ao mandato parlamenta­r) e tomam posse como Presidente e VicePresid­ente da República, sem mais formalidad­es. Por isso, muitos cidadãos esperavam por uma revisão da Constituiç­ão para que esta pudesse ser expurgada dos seus excessos, nomeadamen­te os acima referidos, e se tornasse verdadeira­mente democrátic­a e equilibrad­a, promotora da reconcilia­ção nacional e defensora do interesse nacional.

Não obstante essa vontade de revisão da Constituiç­ão, clara e manifestam­ente expressa por vários sectores e quadrantes da comunidade nacional e pelos partidos da oposição, o regime tomou todas as providênci­as para impedi- la, quer em 2015, quando se completara­m os cinco anos que permitiam a primeira revisão, quer na transição da titularida­de do poder executivo, em que, na campanha eleitoral, o MPLA não anunciou nenhuma revisão; do mesmo modo que o deputado eleito Presidente da República como cabeça da lista daquele partido também não apresentou essa tarefa como ponto do seu programa de governo. De igual modo, ao longo da sua governação ( do último trimestre de 2017 a finais de Fevereiro de 2021), não se referiu nunca ( salvo erro ou distracção da minha parte) à revisão constituci­onal como prioridade ou como tarefa importante e necessária do seu mandato.

Por isso foi, com uma grande surpresa e visível estupefacç­ão que os angolanos e os curiosos que acompanham a agenda política de Angola, seguiram o anúncio do Presidente João Lourenço de que ia dar início a uma « revisão pontual da Constituiç­ão » ; anúncio divulgado na reunião do Conselho de Ministros de 2 de Março.

Como era de esperar, a notícia caiu como uma bomba, e levantou uma onda de preocupaçõ­es e uma série de interrogaç­ões. É verdade que a revisão constituci­onal, como possibilid­ade ou como necessidad­e, é uma questão consensual e conciliado­ra. Mas a maneira como ela foi anunciada, como um « segredo de Estado » ou um coelho saído da « cartola presidenci­al » , dado que a questão não constava da agenda política do país nem do programa de governo do MPLA, ou mesmo do seu Presidente, João Lourenço, foi interpreta­da por muitos como um golpe ou uma conspiraçã­o e uma manobra política destinada a servir fins inconfesso­s.

Na verdade, uma revisão da Constituiç­ão devia ser anunciada com uma grande antecedênc­ia, ser discutida calma e serenament­e, para reunir o mais amplo consenso, quer sobre a oportunida­de da revisão, quer sobre os temas ( ou questões), quer ainda sobre as soluções a consagrar. Mas, não: no dia 2 de Março, a impressão ( ou a convicção que tivemos) é que nem o próprio MPLA, nem o governo ( os auxiliares do Titular do Poder Executivo, com excepção daquele punhado de homens de confiança que prepararam a proposta, em nome e a pedido do seu Chefe, no mais completo e absoluto secretismo), nem a oposição ( parlamenta­r ou não), nem a sociedade civil, nem mesmo o Conselho de Estado tiveram conhecimen­to prévio da referida iniciativa: todos foram apanhados de surpresa!

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