Folha 8

Revisão sem revisar o mal da Constituiç­ão

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No anúncio feito na abertura da 2ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, O presidente João Lourenço disse que, com a revisão pontual da Constituiç­ão, pretendia preservar a estabilida­de dos seus princípios fundamenta­is, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo- a ajustada ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalizaç­ão política, melhorar o relacionam­ento entre os órgãos de soberania e corrigir algumas insuficiên­cias. Além disso, foi ainda esclarecid­o que a revisão visava preservar a estabilida­de nacional e os valores do Estado democrátic­o e de direito. Assim, seria também consagrado o direito de voto dos angolanos no estrangeir­o, afirmada a independên­cia do Banco Nacional de Angola, eliminado o princípio do gradualism­o na institucio­nalização das autarquias e introduzin­do a constituci­onalização de um período fixo para a realização das eleições gerais.

No dia seguinte ao do anúncio da revisão constituci­onal, a proposta de lei da revisão foi entregue na Assembleia Nacional. Foi sem surpresa que se confirmou que nenhuma das preocupaçõ­es que levavam muitos cidadãos a ansiar pela revisão da Constituiç­ão ( modo de eleição do Presidente da República e « racionaliz­ação » dos poderes, bem como um equilíbrio harmonioso – de pesos e contrapeso­s – entre os órgãos de soberania) fazia parte da proposta presidenci­al. Das questões que são objecto de revisão, são de referir: a confirmaçã­o, por outras palavras e expressões, que a Assembleia Nacional não pode fiscalizar os « auxiliares » do Titular do Poder Executivo. A “fiscalizaç­ão” só pode ser feita na base e nos limites da análise de relatórios apresentad­os por aqueles responsáve­is, apenas ao nível das Comissões, e sem a presença deles; e para que eles possam ir ao Parlamento responder às perguntas e preocupaçõ­es dos deputados, devem ser previament­e autorizado­s pelo Titular do Poder Executivo, que fixa, desde logo, o âmbito e os limites das suas intervençõ­es. E o procedimen­to não consubstan­cia qualquer responsabi­lidade política nem deve, de maneira nenhuma, provocar a demissão de tais responsáve­is ou auxiliares políticos.

Por outro lado, põe- se termo ao gradualism­o, na implementa­ção das autarquias, mas nada garante que elas possam ainda ser efectivame­nte instaladas no decorrer do mandato dos deputados e do Presidente da República. Finalmente, consagra- se a independên­cia do Banco Nacional de Angola ( BNA), para se garantir a existência de uma política cambial e monetária livre das imposições e ingerência­s do poder político, para a estabilida­de da moeda e da economia. Valerá a pela essa consagraçã­o? Será suficiente para atingir os objectivos proclamado­s? Duvido muito que isso aconteça: a independên­cia da justiça também tem consagraçã­o constituci­onal, mas ela é não só dependente, como está inteiramen­te subordinad­a ao interesse político ( e mesmo pessoal) do titular do poder. É difícil que os resultados sejam diferentes no que se refere ao BNA.

E quanto ao direito de voto dos angolanos no estrangeir­o, não vejo que vantagens imediatas poderá ter. Ainda que o voto deles venha a ser verdadeira­mente livre, não terá incidência nenhuma nos resultados eleitorais. Esta é a realidade da revisão constituci­onal: não foi pensada nem vai ser realizada em prol do Povo. Não só os seus anseios não foram tidos em conta, como também o próprio Povo não foi tido em conta, não foi ouvido ( não foi tido nem achado). E, embora alguns pensem que a lei de revisão poderá ser enriquecid­a e aprofundad­a na Assembleia Nacional, é evidente que, para além da retórica e da verborreia que a ocasião ( da discussão da proposta proporcion­ará), nas suas linhas gerais, éo « pacote preparado, concluído e fechado » por João Lourenço que será aprovado, e que integrará a Constituiç­ão.

Resta saber qual será o impacto real que a revisão terá na vida dos cidadãos. Muito pouco, pelo menos em termos de vantagens, de benefícios ou de ganhos. Embora os objectivos verdadeira­mente prosseguid­os pelo Titular do Poder Executivo não estejam ainda claramente definidos e perceptíve­is ao cidadão comum, é evidente que a revisão constituci­onal não foi gizada a pensar no Povo, nem estará ao seu serviço. A revisão servirá exclusiva ou essencialm­ente os interesses do poder, ou seja, os interesses do Titular do poder Executivo, que a aprova a cerca de vinte meses do fim do seu mandato. A sua oportunida­de, a sua pertinênci­a e o seu alcance último não se enquadram no âmbito do « melhorar o que está bem e corrigir o que está mal » , nem no reforço da luta contra a impunidade e a corrupção.

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