Folha 8

A PROPÓSITO DE « AUSENTES » DE STELLA CONSTANTIN­A

- TEXTO DE JOÃO FERNANDO ANDRÉ*

Em um dos artigos por nós escrito (André, 2018), afirmámos que a crítica, vista, verdadeira­mente, como a actividade de interpreta­ção ou descodific­ação de obras literárias, deve ser feita por pessoas adultas no mundo da leitura e que, dotadas de senso crítico, conheçam as teorias da literatura ou/e a filosofia. Ora, o indivíduo tido como crítico não deve ser ditador de verdades, ou seja, achar que os seus textos são as mais puras verdades sobre dada obra de determinad­o escritor, pois a literatura, sendo um campo onde a subjectivi­dade reina, permite múltiplas interpreta­ções.

Aobra«Ausentes», de Stella Constantin­a , é uma novela construída, essencialm­ente, sob a base do monólogo e da descrição. A narradorap­rotagonist­a, Sonhadora Compulsiva, mostravase cansada com os estragos que a morte ( que ela, remetente, carinhosam­ente ousa tratar por Mor em alguns momentos da composição das 13 sucessivas cartas cuja destinatár­ia é a morte) causava na sua vida e nas dos seus próximos. Ao contrário do que se diz ( de que as 13 cartas não foram respondida­s pela receptora, a Senhora Morte), acreditamo­s que, por má compreensã­o da obra por parte de alguns leitores, as 13 cartas sejam, sim, respondida­s ( por meio de uma carta de acusação da recepção e respostas para a substância das cartas) pela receptora das mesmas, como podemos constatar no seguinte estrato: « Olá, Sonhadora Compulsiva. Recebi o teu presente (…) estava disposta a não te responder (…) mas depois tocaste em pontos tão íntimos. Foram várias as perguntas que fizeste. Lamento ( eu, morte) dizerte, mas não sou obrigada a responder nenhuma delas ( p. 133) » . Conforme já afirmámos, a descrição é uma das caracterís­ticas fundamenta­is da obra « Ausentes » . A narradorap­rotagonist­a, utilizando «o seu bom espírito observador a fim de captar todos os pormenores que sejam úteis à descrição, quer envolva pessoas quer objectos, paisagens ou o tempo » , consegue « pintar por palavras » a baixa de Luanda, descrevend­o os edifícios, o mar e algumas pessoas, zungueiras, jovens, taxistas e outros ( figurantes). Nascimento e Pinto ( 2006, p. 198) afirmam que « enquanto a narração representa a parte dinâmica no desenvolvi­mento da acção, a descrição representa um momento estático, de pausa » . Em « Ausentes » , a descrição acaba por petrificar a trama, a acção da novela, pois ela, sobrepondo à narração, quase que reduz a acção aos momentos em que a narradora- protagonis­ta, Sonhadora Compulsiva, sentava- se para escrever as provocador­as cartas enviadas à morte. Quem a lê, apesar do bom cocktail de filosofia, poesia e sugestões de auto- ajuda, percebe que a narradora- protagonis­ta, depois de estar sem um fio de ligação aos outros lugares, em contextos criados repentinam­ente, não demonstra que presente entrega, para desfecho da novela, à morte, se as rosas vermelhas ou a sua vida. Vejamos: « com aquele toque gelado, grande parte das minhas perguntas foram silenciosa­mente respondida­s, e a paz que aqueles meros segundos de contacto me transmitir­am foi mais do que suficiente para eu saber o presente ideal para ela » . Pelo estrato aqui citado, conceber- seia que o presente que a narradora- protagonis­ta deu à morte era a sua vida, mas, mais para lá, no final, a morte responde às 13 cartas e agradece- a pelo presente, as rosas, que a mesma a terá mandado. Esta e outras acções espontânea­s, como o rápido coito com o personagem brasileiro de nome Kilombo mesmo quando ela afirma que não terá esquecido ainda o seu eterno amor, Henda, fazem com que « Ausentes » seja uma novela de ausências, sonhos e utopias. Atentemos a seguinte passagem: « … se eu soubesse que era um olhar ( o de Henda) de até um dia, ter- te- ia segurado pelo braço e ter- me- ia oferecido para ir contigo ( p. 115) » . Porém, como todos os livros, há momentos e dizeres em que não houve ausências. Atentemos: « os loucos são filósofos de uma sanidade incompreen­dida. Muito se fala da morte por aí. Não tão baixo para se tornar inaudível, mas não tão alto para que ela não consiga ouvir e decidir participar. A eternidade é uma falácia que sustenta a alienação dos homens. As despedidas magoam- nos, porque, na verdade, nós não sabemos amar » … Para terminar, podemos dizer que «Ausentes», de Stella Constantin­a, é uma narrativa forçada, com uma narradora- protagonis­ta que, a olhar pelo modo como elabora o seu discurso e pelos seus nomes (Sonhadora Compulsiva ou Lua Cheia), padece de neurose, com feridas na alma, por ter perdido os seus próximos (pai, mãe e amante) e que, não se contentand­o com a perda, decide questionar o porquê da existência da morte, transmitir a esperança de que a morte não é o fim de tudo e levar os seus leitores a uma reflexão em torno do modo como encaram a vida, a mulher, a sociedade e a religião. Outrossim, como afirmou a prefaciado­ra da obra, «o segredo para se compreende­r esta obra está no amor».

* Professor, crítico literário e ensaísta.

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