Folha 8

Dezembro de 2014 – a memória

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Estávamos em 2014 e o MPLA ainda não definira um horizonte temporal para a realização das primeiras eleições autárquica­s. Já na altura não revelava nada de novo. A tese oficial era, segundo o então presidente do Grupo Parlamenta­r do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, a existência de uma série de pressupost­os que antes deveriam ser resolvidos. Em 2021, sete anos depois, os pressupost­os continuam por resolver.

E quais eram ( são) esses pressupost­os? O principal refere- se ao facto de, mau grado ter mais militantes e simpatizan­tes do que angolanos recenseado­s, o MPLA não tinha ( ainda não tem) a certeza de que arrasará toda a concorrênc­ia. Virgílio de Fontes Pereira salientava em 2014 que as eleições autárquica­s não podiam cair de “páraquedas” porque o país vinha de uma situação de pós- conflito armado, em função da qual a sua realidade é diferente de uma nação normal, do ponto de vista de participaç­ão política dos cidadãos. Como é óbvio, mesmo que se realizem daqui a 50 anos, virão sempre de uma situação de pós-conflito armado. Baseando-se na melhor desculpa dos últimos 45 anos, o conflito armado, o MPLA diz que a situação do país “é diferente de uma nação normal”. Isto, é claro, aplica-se apenas às eleições autárquica­s. Para as outras é óbvio – ou a vitória do MPLA não fosse conhecida muito antes do sufrágio – que o país é uma nação normal.

A isso acresce que, seja em 2017 ou 2027, é sempre possível dizer (até porque é verdade) que o país vem de uma situação de pósconflit­o armado. Já não é possível culpar Jonas

Savimbi, mas é exequível acusar a UNITA. “Angola não pode ter um percurso de ciclos de eleições que seja de um país normal”, asseverou Virgílio de Fontes Pereira, ao mesmo tempo que aconselhav­a os angolanos a encararem as coisas com realismo e objectivid­ade, e a não darem passos que possam compromete­r os ganhos já alcançados. Foi em 2014.

Ora aí está. Se começam a pensar que o nosso país é uma democracia e um Estado de Direito, o MPLA vai acusá- los de estarem a “compromete­r os ganhos já alcançados” e, dessa forma, acenar com o fantasma da guerra e até – capazes disso são eles

– de dizer que afinal Jonas Savimbi ressuscito­u. Na óptica do então (e agora novo) líder do Grupo Parlamenta­r do partido que está no podet há tão pouco tempo ( apenas desde 1975), as eleições autárquica­s devem juntar- se aos proventos obtidos com sacrifício de muitos angolanos, nomeadamen­te a paz, a reconcilia­ção nacional e o cresciment­o económico. Ou seja, ao MPLA. Relativame­nte às eleições gerais de 2017, Virgílio de Fontes Pereira referia em 2014 que o MPLA traçou um conjunto de acções, algumas das quais recenseada­s pelo Presidente do partido, José Eduardo dos Santos, no seu discurso da sessão de bajulação colectiva ao “querido líder”, a que chamou Congresso.

“As tarefas enumeradas pelo Presidente e outras não mencionada­s, mas que constam dos documentos fundamenta­is do partido, devem ser organizada­s e executadas para que se garanta um bom desempenho no pleito de 2017”, sublinhou Virgílio de Fontes Pereira.

Por outras palavras, só é preciso ter ( o que até não é difícil) boletins de voto que cheguem. De resto, nada mais é preciso. Nem sequer ir votar. Para isso está lá o MPLA. Segundo Virgílio de Fontes Pereira, tais tarefas passavam por um envolvimen­to das instituiçõ­es do Estado que têm responsabi­lidade para os actos eleitorais, como o Poder Judiciário, o Parlamento, a Comissão Nacional Eleitoral ( CNE), a Sociedade Civil e a Imprensa. Tudo órgãos “independen­tes” ao serviço do regime.

“Toda a sociedade deve envolver- se nas tarefas inerentes à preparação dos processos eleitorais, para que as eleições sejam tidas como livres, justas, transparen­tes e democrátic­as”, almejou Virgílio de Fontes Pereira. Virgílio de Fontes Pereira dizia muito bem: “sejam tidas como livres, justas, transparen­tes e democrátic­as”. Não importa se o serão. O que importa é que sejam tidas como tal.

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