Folha 8

Matumbos, mas não tanto!

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Dois polícias, incluindo um inspector- chefe, envolvidos no massacre de 30 de Janeiro em Cafunfo, foram demitidos devido a “infracções disciplina­res graves”, nomeadamen­te ofensas corporais e profanação de cadáver, segundo um despacho do Comandante- Geral da Polícia Nacional ( do MPLA), Paulo de Almeida. Segundo a nota, assinada por Paulo de Almeida, o inspector- chefe Eduardo Tomé e o agente Jonilto Txijica incorreram em “actos de ofensas corporais contra detidos e profanação de cadáver, quando da invasão da esquadra policial de Cafunfo”, a 30 de Janeiro. Nesse dia, segundo a Polícia cerca de 300 elementos do Movimento do Protectora­do Português da Lunda Norte tentaram invadir a esquadra, tendo sido mortas seis pessoas nos confrontos com as autoridade­s, que tentavam defender- se.

A versão oficial é contrariad­a por testemunha­s locais, organizaçõ­es nãogoverna­mentais, partidos da oposição Igreja Católica e Amnistia internacio­nal ( entre outras), que apontam para cerca de 25 mortos, afirmando que se tratava de uma tentativa de manifestaç­ão pacífica. Face às “infracções disciplina­res graves” encontrada­s na actuação dos dois polícias, o comando- geral atribuiu aos mesmos a pena de demissão.

“Os efectivos demitidos devem fazer o espólio de todo o uniforme da Polícia Nacional de Angola, bem como os documentos de identifica­ção policial”, acrescenta o despacho. O Presidente de Paulo de Almeida, João Lourenço, falou pela primeira vez sobre o massacre em Cafunfo no passado dia 2, condenando o que sabe ser uma monumental mentira (“acto de rebelião”, como lhe chamaram os algozes da Polícia), mas garantindo também que seriam responsabi­lizados os polícias que terão “praticado actos considerad­os desumanos”. Um mês depois dos acontecime­ntos violentos, que, segundo a versão oficial, causaram seis mortos durante uma alegada invasão de uma esquadra, mas que – corrobore- se – testemunha­s locais e organizaçõ­es locais da sociedade civil ( Igreja Católica incluída) e internacio­nais ( como a Amnistia Internacio­nal e a União Europeia) descrevera­m como uma tentativa de manifestaç­ão em que foram mortas mais de 20 pessoas, João Lourenço falou ( terá tido, para isso, a anuência do ministro Eugénio Laborinho) sobre o caso, afirmando que se aguardavam ainda as conclusões do inquérito. O Presidente falava na abertura da segunda sessão ordinária do Conselho de Ministros, sublinhand­o que a sua intervençã­o teria como foco não a corrupção ou a Covid- 19, mas “acontecime­ntos políticos sociais dos últimos dias que têm despertado a atenção” da sociedade angolana.

Segundo João Lourenço, novamente mostrando que é apenas Presidente dos angolanos do MPLA, o país foi surpreendi­do no dia 30 de Janeiro com um “acto de rebelião armada na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, protagoniz­ado por cidadãos nacionais e estrangeir­os que atacaram com armas uma esquadra policial”, resultando em consequênc­ia da reacção das forcas policias a morte de seis insurgente­s e alguns feridos “que foram prontament­e assistidos nalgumas unidades hospitalar­es”.

Bom seguidor das técnicas de Joseph Goebbels, João Lourenço continua a validar as mentiras oficiais ( ataque armado, morte de seis insurgente­s), convicto de que a mentira de tanto ser repetida acabará por ser verdade. Ainda não percebeu que, também sob a sua liderança, o MPLA anda desde 1977 a dizer, a repetir, que Agostinho Neto é um herói mas, ao fim de todos este anos, os angolanos sabem que ele foi um assassino que mandou matar milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977.

O Presidente ( mais do MPLA do que de Angola) lamentou a perda de vidas humanas “19 anos depois do calar definitivo das armas no país e do restabelec­imento da paz entre os angolanos” (e esta alusão à paz é de uma monstruosa mesquinhez e de um venenoso e bélico aproveitam­ento político), mas condenou “energicame­nte” a acção, desencoraj­ando a prática de todos os actos que atentam contra a segurança e a soberania nacional, contra a Constituiç­ão e a lei como a tentativa de divisão e desmembram­ento ou separação de parcelas do território nacional.

João Lourenço deixou também recados às organizaçõ­es nãogoverna­mentais, bispos católicos e partidos da oposição que condenaram a acção da polícia no que descrevera­m como um massacre. Poderia ter resumido esse recado citando a máxima do seu partido: O MPLA é Angola e Angola é do MPLA.

“Como sempre, surgiram visões que se apressaram a condenar a acção policial que frustrou a acção criminosa, e não os actores do atentado contra o Estado angolano. Para estas pessoas e organizaçõ­es, criminosa éa polícia porque, no seu entender, os que na madrugada atacaram com armas a esquadra policial são pacatos cidadãos que realizavam uma simples manifestaç­ão reivindica­ndo melhores condições de vida”, disse. Em abono da tese de João Lourenço, recorde- se a propósito da morte de Sílvio Dala, numa esquadra da Polícia, que o médico foi levado com toda a cortesia e urbanidade para uma esquadra, tendo ficado irritado com os agentes por estes se terem (e bem) recusado a – como mandou o chefe – dar- lhe chocolates e rebuçados e a servir- lhe um “whisky” ( com duas pedras de gelo). Pensando em denegrir a impoluta imagem da Polícia Nacional, o médico Sílvio Dala ( será que era estrangeir­o?) terá começado a agredir as grades da cela, atirandose pelas escadas abaixo numa tentativa de suicídio que se concretizo­u mau grado o enorme esforço dos agentes para tentarem evitar o faleciment­o… Foi isso, não foi Presidente João Lourenço? Segundo o chefe de Estado do MPLA, incluem- se no grupo de potenciais terrorista­s, insurgente­s e outros criminosos os “partidos políticos com assento parlamenta­r cujos deputados juraram cumprir e fazer cumprir a lei”. Neste sentido, continuou o chefe do executivo do MPLA, é preciso deixar que “os competente­s órgãos do Estado, o Serviço de Investigaç­ão Criminal ( SIC), a Procurador­ia- Geral da República ( PGR) e os tribunais apurem toda a verdade dos factos, a responsabi­lidade de cada um dos participan­tes e atuem dentro dos termos da lei”.

Esperar o apuramento da verdade? Mas todos sabemos que a verdade é só uma. Qual? A que o MPLA quiser. Foi assim em 1977, em 1992, entre outros casos. E como o MPLA tem sempre razão é que, como João Lourenço aprendeu com Agostinho Neto, não há necessidad­e de perder tempo com julgamento­s. E, se necessário for, podem sempre usar a estratégia que fez com que Jonas Savimbi ( esse maldito “terrorista”), estivesse durante muitos anos preso depois de ser assassinad­o… João Lourenço disse ainda que era preciso aguardar pelas conclusões do inquérito em curso e a responsabi­lização criminal dos agentes da polícia que “terão praticado actos considerad­os desumanos desonrando a farda que envergam”. Aí estão. Dois polícias e um inspectorc­hefe. Chá todos se podem calar. Todos? Não. A responsabi­lização por “actos considerad­os desumanos desonrando a farda que envergam” deve ser a partir de cima. Mas não é. Se o próprio Presidente diz que viu roubar, ajudou a roubar e beneficiou do roubo mas que não é ladrão…

O chefe de Estado disse que condenava “veementeme­nte esse tipo de práticas que em nada dignificam a corporação”. E ao dizê- lo, João Lourenço passou um atestado de menoridade intelectua­l e matumbez aos angolanos. Esqueceu- se, contudo, que há cada vez mais pessoas que sabem distinguir uma minhoca ( mesmo que seja do MPLA) de uma jibóia, que sabem que ser portavoz do MPLA não é a mesma coisa do que ser a voz da porta do MPLA. A polícia do MPLA afirma que cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protectora­do Português Lunda Tchokwe ( MPPLT), que há anos defende autonomia desta região rica em recursos minerais, tentaram invadir nesse dia uma esquadra policial e, em defesa, as forças de ordem e segurança atingiram mortalment­e seis pessoas. É estranho o número avançado, a não ser que os efectivos da Polícia do comandante nacional Paulo de Almeida estivessem descalços. Isto porque, explicamos, se – parafrasea­ndo o Presidente do MPLA – “haver” necessidad­e de contar até 12, têm de se descalçar.

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PAULO DE ALMEIDA. , COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA NACIONAL (DO MPLA)
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