Folha 8

A PROPÓSITO DE «AS SIMETRIAS DE MULHER» , DE MARIQUITA 50

- * PROFESSOR, ESCRITOR & CRÍTICO LITERÁRIO TEXTO DE JOÃO FERNANDO ANDRÉ*

Sob a bata de Marquita 50, a escriba Cíntia Gonçalves, aliás, Eliane, teceu o seu poemário de estreia: «As Simetrias de Mulher». Com esse poemário, arrebatou a única edição do prémio FEJETEC (2018) e chegou a merecer o segundo lugar do prémio “Um Bouquet de Rosas para ti”, organizado pelo Memorial António Agostinho Neto em 2018.

Aun idade lexical que dá título à obra, simetria(-s), remete para a relação de tamanho ou de disposição que, entre si, devem ter as coisas ou as partes de um todo em relação a um ponto. O poemário está repartido em três partes cujo melhor termo a se lhes aplicar é secções. A poetisa, aliás, poeta se soar melhor para as divas, labuta no universo da palavra e procura quase que produzir poemas assexuados ou textos líricos promotores da igualdade artística entre os sexos. Vê- se nos versos que dão boas- vindas aos leitores, « Edificar yingyang » :

« Mulher acordada dorme sob fotográfic­a margem de águas escorregad­ias » Ora, tal exercício poético é um acto feminista se tivermos em conta que ainda são poucas as senhoras que produzem literatura em Angola. E mais, que reconheçam que há uma desigualda­de social e artística entre os géneros.

Cada secção de « As Simetrias de Mulher » abre com uma prosa poética que as rege.

Na primeira secção, « Vidros de sol, escrita assexual » , a sujeita lírica deixa claro que “a vontade é de abrir com os dentes a luz e extrair do Mayombe de cada uma os fios de alegrias, a vontade é de encontrar um outro trajecto, um lugar num universo de vidros de sol guardados em ninho de memórias.”

É na primeira secção onde a noção do poder do homem é questionad­o e a posição a que a mulher, “rainhartes­ã”, é relegada não é aceite. Nessa parte da obra, as mulheres são “sol letradas/ começos sem atalhos”. É aí onde “mães inventam estrelas.” Há, na primeira e na segunda sessão, um conjunto de textos que transmitem os desejos da sujeita poética:

« Consumir o éter na sombra de constelaçõ­es sonhadas? »

Na segunda secção, « Entre meus reflexos procuro porquês » , sente- se a sujeita lírica em frequentes indagações. Ela busca enigmas na alquimia das palavras. Usando algum concretism­o e meio hermética, procura o divino “com mãos acesas/ no olhar dos astros.”

“Em pedaços de caminhos”, a sujeita lírica faz barulho em « margens desenhadas » .

Na última secção, « Há simetria » , reconhece ela que “as palavras ardem na volúpia do desejo da mulher feita de sexo e espírito.” É a parte mais condensada. As palavras tecidas e aqui citadas jogam com o quadro que dança na capa da obra: uma mulher composta por três partes simétricas. Cabeça, tronco e membros ( superiores e inferiores). Entretanto, dá- se mais realce, infelizmen­te, à parte inferior quando há muito mais para ver numa mulher.

À guisa de conclusão, entendemos que os poemas da obra « As Simetrias de Mulher » fazem parte daquele grupo de textos que buscam a arte pela arte. Outrossim, a verdadeira substância da obra de 70 páginas encontra- se na composição de um poema disc jockey com os títulos de todos os poemas das três simetrias de Marquita 50:

« Rosa sem arbítrio nem desígnio/ Transparen­tes/ Por baixo dos sonhos/ Desassosse­gado útero/ Entre as mãos/ Inventar horizontes/ Doce Março/ Fogo ar dente/ Enigmas/ Ser sendo/ Desesperan­ça/ Coisas para serem lidas de costas/ Conto poema/ De vagar/ Dividir/ Pensamento mutilado/ Pouco mais que só rir/ Te m p o / L u a ( a n d a ) / Desbravar/ 1 ª forma/ Observação/ Agrispátri­a/ Question ável / Tecido imperfeito/entre porquês/ Dança poética/ Ante o divino/ In ( verso)/ Momento a gotejar/ Recôndida poesia/ Além de mim/ Agris voo/??/ Atravessar/ Olhar dos Astros/ Altero a posição do sol/ Poema infinito/ Meu colo/ Foz do eu/ Entre laçadas / Candente verbo/ Coincidênc­ia do desejo sob as mãos/ Interpreta­ção simples/ Tão dorida ausência/ Revelação/ Olhos/ vestidos de púrpura/ Doces gemidos nas minhas mãos/ Toque de sonho além- mar/ Corpo do meu corpo/ Revigorand­o. »

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