Escravos de 1619 Lourenço
Oministro das Re lações Exteriores de Angola, Téte António, diz que tudo indica que as relações diplomáticas entre Angola e EUA iniciadas em 1993 “ainda não exploraram aspectos histórico- culturais que unem estes povos”. Sabese, em síntese, que foram militantes do MPLA que em 1619 chegaram ( como escravos) a Jamestown, na Virgínia. Por isso, o Tio Sam que se prepare para abrir a arca do fiado… O governo de Angola e a Câmara de Comércio dos Estados Unidos da América ( EUA) em Angola sublinharam que existe uma necessidade de “reconectar” o continente africano com o americano para sarar o passado trágico da escravatura. A questão da actual escravatura, mais sofisticada, praticada pelo MPLA ficará para outra altura, quiçá para quando Angola for de facto uma democracia e um estado de direito. O ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, disse, na conclusão de um webinar sobre o Legado da Escravidão para os Africanos e AfroAmericanos, que se pretende um “alicerce para a criação de uma maior sinergia e aproximação entre Angola” e os “irmãos americanos”. Téte António sublinhou a vontade da parte de Angola para uma “cooperação estreita e aprofundada em áreaschave tais como agroindústria, educação, saúde, turismo, serviços”, entre outros. As declarações foram feitas no final de uma reunião híbrida ( virtual e presencial) realizada a partir de Luanda e Washington, em que o director executivo da Câmara de Comércio dos EUA em Angola, Neil Breslin, também sublinhou que uma maior aproximação entre os dois países pode abrir as oportunidades que existem em Angola para investidores americanos. Com o “espírito” de “dois continentes, um povo”, Neil Breslin recordou que existem estudos que mostram que “até 25% dos americanos que se identificam como descendentes de africanos, podem ser potencialmente de Angola” e que, assim, o número de americanos com raízes angolanas pode chegar a 12 milhões de pessoas.
Por sua vez o ministro da Cultura, Turismo e Ambiente, Jomo Fortunato, lembrou que o comércio de escravos, “maior tragédia da história da humanidade, pela sua duração, amplitude, crueldade e acentuada exploração”, foi iniciado nos EUA em 1619, com a chegada forçada de 20 angolanos à localidade de Jamestown, na Virgínia.
O professor Fernando Manuel, docente da Academia Diplomática do
Ministério das Relações Exteriores, considerou que a chegada dos primeiros 20 angolanos aos EUA foi um “tesouro guardado há muito tempo a sete chaves, agora descoberto graças à aproximação” entre os dois países.
Jomo Fortunato declarou que “tudo indica” que as relações diplomáticas entre Angola e EUA iniciadas em 1993 “ainda não exploraram aspectos históricoculturais que unem estes povos e países há quatro séculos”, mas merecem uma “ampla divulgação e promoção”. “A cooperação bilateral, sobretudo entre instituições culturais e de investigação científica afigura- se importante”, declarou Jomo Fortunato.
Para o embaixador de Angola nos Estados Unidos da América, Joaquim do Espírito Santo, o “bom momento” nas relações entre os dois países pôs fim ao “ciclo de tragédia e injustiça”, para abrir portas a “um relacionamento de liberdade e esperança”. Angola foi uma das principais zonas de exportação de escravos de África, pela acção dos colonizadores portugueses, recordou o director do Museu Nacional da Escravatura, Vladimiro Fortuna. Wanda Tucker, norteamericana descendente dos primeiros angolanos chegados como escravos aos EUA há 402 anos, destacou que o conhecimento dos afro- americanos sobre a escravatura limitase à narrativa dos colonizadores europeus mas esquece o impacto que a escravatura teve nas vítimas e povos africanos. A docente universitária disse que essa narrativa deixa de lado “muito contexto, história, conhecimento sobre os angolanos escravizados” e “toda a riqueza” sobre o passado dos seus descendentes angolanos. Quando visitou Angola, há alguns anos, Wanda Tucker ficou encantada e surpresa com a riqueza cultural que desconhecia e ficou marcada com uma frase de um líder de aldeia no município de Calandula. “Quando perguntei que mensagem tem para a minha família nos Estados Unidos”, contou a descendente de angolanos, o líder da aldeia “pediu para dizer- lhes: ` vocês têm familiares cá’”. “Fiquei chocada”, acrescentou ainda Wanda Tucker: “Eles nunca se esqueceram de nós [ descendentes de africanos na América], mas nós esquecemo- nos deles”, lamentou.
Em Agosto de 2019, o Governo angolano disse que iria assinalar os 400 anos da chegada dos primeiros 20 escravos angolanos ao território norte- americano com um conjunto de actividades nacionais e internacionais comemorativas da efeméride, preparadas por uma comissão interministerial.
Tudo isto numa altura em que o país “comemora” a chegada da escravatura angolana ao reino do MPLA, em 1975. Segundo um despacho presidencial, datado de 9 de Agosto de 2019, esta celebração “encerra uma oportunidade singular para Angola projectar a sua imagem e divulgar a sua importância histórica no desenvolvimento dos Estados Unidos da América”.
Tendo em conta “a relevância da história angolana protagonizada pelos filhos da nossa pátria além- fronteiras”, o Governo decidiu, por isso, juntar- se à comemoração no Museu Nacional da História Afro- Americana, em Washington D. C..
Foi em Agosto de 1619 que os primeiros navios portugueses transportando africanos que tinham sido raptados e vendidos como escravos no território que viria a ser Angola chegaram à cidade de Jamestown, no estado da Virgínia, na altura uma colónia britânica. A comissão, na altura, era coordenada pelo então ministro das Relações Exteriores, Manuel Domingos Augusto, e integrava ainda a exministra da Cultura, Maria da Piedade de Jesus ( coordenadora- adjunta), o ex- ministro das Finanças, Archer Mangueira, o ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Adão Correia de Almeida e a ex- ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Maria do Rosário Sambo. Segundo o arqueólogo português Miguel Almeida, Angola deveria criar um centro de investigação científica, para atrair investigadores seniores para transmitirem conhecimentos aos jovens que, posteriormente, devem dar continuidade ao processo investigativo sobre a rota de escravos. A sugestão foi feita durante uma palestra sobre o tema “Projecto, a Rota de Escravos- 400 anos da chegada dos primeiros Escravos à América do Norte em 1619”, no âmbito do Festikongo que assinalou o segundo aniversário da elevação de Mbanza Kongo a Património Cultural da Humanidade.
“Se Angola fizer um investimento na criação de um centro de investigação sobre o tráfico de seres humanos, que ocorreu nos séculos passados, vai atrair para o país investigadores seniores, que hoje trabalham sobre o assunto”, sugeriu Miguel Almeida, acrescentando que o centro poderia vir a ser um projecto capaz de atrair jovens que estão a começar a fazer investigação científica. O arqueólogo português disse que o projecto de investigação científica sobre a escravatura tem de ser conduzido pelos próprios angolanos, depois de uma formação teórica e prática apoiada por aqueles que são os melhores da arte. Miguel Almeida, também director de uma empresa privada de arqueologia que está a conduzir, desde 2009, um trabalho de escavação e documentação de restos mortais de escravos africanos, descartados numa lixeira na localidade de Lagos ( Portugal), disse que um centro com as características do que augura para Angola pode tornar- se num caminho para criar ciência, desde que se invista financeiramente no projecto.
Miguel Almeida sugeriu que os investigadores que estiverem vinculados ao centro podem ir às universidades para ajudarem na formação de jovens, com vista a criar a “ciência pura e dura”, bem como divulgar conteúdos e valorizar a cultura nacional.
De acordo com o arqueólogo luso, para a efectivação do projecto são necessários três factores, criar o centro de investigação, estabelecer relações com as universidades e uma equipa capaz de transformar a riqueza material em conhecimento para a sociedade. Miguel Almeida disse na sua dissertação que a escravatura, que afectou alguns países do continente africano durante séculos, continua a ter um impacto negativo nas economias dos Estados que viram partir a sua força de trabalho mais valiosa para a Europa e América, onde criaram riqueza. “Actualmente, a escravatura continua a ter um impacto negativo nas economias dos países lesados. Não há nada mais relevante para a economia de um país do que a sua juventude e nós, infelizmente, estamos a ver muitos jovens africanos a morrer no Mediterrâneo, quase todos os dias, e é evidente que isso tem um impacto extremamente negativo e tem de ser solucionado”, disse, sublinhando que “os países africanos lesados com o comércio de escravos, entre os quais Angola, devem ter um papel mais activo na abordagem do assunto.”