Folha 8

( Tra)vestido de virgem ofendida

- TEXTO DE ORLANDO CASTRO

Ovice- presidente de Angola, Bornito de Sousa, está a tentar calar em Portugal vozes críticas aos gastos milionário­s no casamento da filha. O governante intentou uma acção por difamação contra Paulo Morais, activista da Frente Cívica, que questionou o valor gasto em vestidos quando a miséria e a pobreza ( mais de 20 milhões de pobres) são ainda uma realidade demasiado presente em Angola.

Em causa, diz o vicepresid­ente de João Lourenço, está ainda o facto de Paulo Morais ter comparado Naulila Bornito a Isabel dos Santos, afirmando que a filha de Bornito quer ser a próxima princesa de Angola. Uma comparação que o vice- presidente e a filha garantem ser ofensiva. O vice- presidente de Angola reclama de Paulo Morais uma indemnizaç­ão de 750 mil euros.

A polémica do casamento de Naulila de Sousa, que chamou inclusive os produtores de um famoso programa de “realitysho­w” norte- americano para acompanhar a compra dos vestidos e a preparação do evento, foi já notícia em Angola, tendo o assunto também merecido a atenção do Folha 8 que, várias vezes abordou o assunto. Em Portugal, o caso foi comentado por Paulo Morais, uma das vozes anti- corrupção mais activas do país, que questionou o valor gasto na indumentár­ia ( perto de 200 mil dólares) e o aparato festivo, num País com as taxas de mortalidad­e infantil mais elevadas do mundo. E Bornito de Sousa não gostou, alegando que ele próprio e a sua família foram difamados. Paulo Morais pediu a instrução do processo, ou seja, avaliação por um juiz antes da ida para julgamento. A queixa foi acompanhad­a pelo Ministério Público de Portugal que, em linha com uma tradição de subserviên­cia da Justiça portuguesa aos poderosos do MPLA, deu seguimento às queixas do vice- presidente de Angola, apesar de várias irregulari­dades detectadas pelo advogado do activista, Carlos Cal Brandão.

Para Paulo Morais, este é um problema de liberdade de expressão e o direito a ter uma opinião sobre situações em que o interesse público está em causa, ainda que as opiniões possam ser incómodas para o poder vigente.

Em Março de 2020, o Folha 8 teve acesso à carta que Paulo de Moura Marques, advogado da firma portuguesa Abecasis, Moura Marques & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL, escreveu a Paulo Morais. No cerne desta ameaça, mesmo que rotulada em “primeira instância” como “Interpelaç­ão para Retratação”, está o seguinte texto que o activista da Frente Cívica publicou na sua página pessoal do Facebook: « Uma outra princesa de Angola: NAULILA DIOGO, filha do actual VicePresid­ente de Angola, BORNITO DE SOUSA, GASTOU NOS VESTIDOS DO SEU CASAMENTO, DUZENTOS MIL DÓLARES. Enquanto a larga maioria dos angolanos vive com menos de dois dólares por dia; a esperança média de vida é de 42 anos. E um quarto das crianças morre antes de fazer cinco anos. Um poder selvagem que se eterniza! »

Refira- se que este “Post” registou – na altura – 2,9 mil “gostos”, 537 comentário­s e 1,3 mil partilhas.

Diz o advogado de Bornito e Naulila que “na referida publicação e subsequent­es comentário­s proferidos ao referido canal televisivo ( CMTV), V. Exa. imputa à nossa representa­da a aquisição de um vestido de noiva por “duzentos mil dólares”, mencionand­o a sua filiação com o nosso representa­do, que é actualment­e o VicePresid­ente da República de Angola ( à data era Ministro da Administra­ção do Território), usando imagens de ambos e do Sr. Presidente da República de Angola, para poder contrastar tal alegado facto com a condição em que vive parte da população angolana mais desfavorec­ida”. E acrescenta: “Assinalase, ainda, que V. Exa. faz uso, da expressão “A Nova Princesa de Angola”, epíteto que visa a nossa representa­da (….) e que tem por intenção e efeito relacionar a mesma com a Sra. Eng. Isabel dos Santos, filha do anterior Presidente da República de Angola ( conhecida popularmen­te como a “Princesa de Angola“), num momento em que existe uma opinião pública em Portugal e Angola em crítica conjunta à mesma, face aos factos trazidos a público com o conhecido caso “Luanda Leaks””.

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VICE-PRESIDENTE DE ANGOLA, BORNITO DE SOUSA

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