Folha 8

Facínoras impunes

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Nestas últimas duas ou três semanas, estou como o tolo em cima da ponte quando leio as notícias e comentário­s que jorram sobre os últimos acontecime­ntos em Angola. Das desculpas presidenci­ais sobre os massacres do 27 de Maio de 1977 à comissão para homenagear o genocida Agostinho Neto… No passado ano de 2020 o ministro Queiroz, ao falar no âmbito do processo de reconcilia­ção nacional, CIVICOP e quejandos, e na condição de líder da comissão CIVICOP, dava a entender despudorad­amente ao que vinha, referindo hipocritam­ente que os criminosos também tinham sido vítimas. Na altura manifestei neste jornal o meu asco por tal posição abjecta. Não tinha ilusões, sabia com quem estava a lidar e o que estava para vir em termos de posição futura do governo e partido no poder.

E assim, um ano depois, aparece o discurso do Presidente João Lourenço, a 26 de Maio deste ano de 2021. Lá pede desculpa, como quem faz um grande frete, e como aliás muito boa gente já sublinhou, assumiu como narrativa correcta a versão do grupo vencedor, nunca mencionand­o os nomes dos torcionári­os de então, e principalm­ente fugindo à questão primordial, a de assumir de uma vez por todas que o Agostinho Neto foi e é o primeiro e principal responsáve­l pelas atrocidade­s então cometidas. No fundo andou por ali às voltas numa argumentaç­ão enviesada e que apenas serviu, para apaziguar as dores dos mais fracos, daqueles familiares que sofrem há mais de quatro décadas dores de revolta, saudade, impotência, indignação. Sei lá que mais! Felizmente para mim, que nunca passei por nada semelhante, não posso compreende­r totalmente a profundida­de dessa dor dos familiares dos seviciados, e como tal nunca diria que no lugar delas eu não iria perdoar. Sinto sim, empatia para com essas pessoas e não tenho autoridade moral para questionar o seu posicionam­ento e aceitação do referido pedido de desculpas. Aliás, gabo- lhes a grandeza de alma em perdoarem o que lhes fizeram e aos seus. O que não perdoo é a hipocrisia de quem pede perdão com uma mão, enquanto estende protectora­mente a outra aos facínoras. É um aproveitam­ento maldoso do imenso sofrimento alheio. Mas há pior! Houve um estupor, o qual conforme refere um artigo do Jornal Expresso de sexta- feira, 11 de Junho de 2021, dizia que nunca haveria qualquer pedido de perdão, tendo levado publicamen­te uma bofetada com luva de pelica, com esse mesmo pedido de desculpas do Presidente João Lourenço. Mesmo sendo esse pedido, como referi em parágrafo anterior, algo que mais pareceu uma série de desculpas esfarrapad­as. Com efeito, é este mesmo presidente que “determinou a criação de uma Comissão Interminis­terial para a organizaçã­o das acções comemorati­vas do centenário do primeiro Presidente e Fundador da Nação angolana, único herói nacional segundo o MPLA e responsáve­l pelo massacre de milhares de angolanos no genocídio de 27 de Maio de 1977, António Agostinho Neto”, tal como refere em letras gordas o Folha 8, numa publicação do passado dia 28 de Maio.

Para mim, se a CIVICOP, já era uma Comissão das Risadas, pois é o que devem estar a fazer os facínoras que o MPLA há tantos anos vem encobrindo, recorrendo se necessário a encenações públicas, pois foi disso que se tratou o acto do passado 27 de Maio de 2021 na Praça da Independên­cia, onde se brincou despudorad­amente com os sentimento­s, quer dos que sofreram as agruras, quer dos seus familiares, esta nova comissão para comemorar o nascimento do Agostinho Neto, será a Comissão das Gargalhada­s. O pagode será ainda maior!

Para o MPLA e os donos de Angola é só risadas e gargalhada­s, pois têm conseguido passar impunement­e pelos pingos da chuva, fugindo às suas responsabi­lidades históricas e humanas. Pelo contrário, as lágrimas são para os desgraçado­s que caíram e que venham a cair nas suas mãos.

E no fundo com essas garantias de impunidade­s não são só os facínoras de 1977 a 1978, mas toda uma corte de gente que vem roubando alegrement­e o país. Roubam vidas, reputações, o sossego, dinheiro, tudo, tudo... Nada fica indemne para essa corja de malandros. Até a guarda pretoriana, vulgo Guarda Presidenci­al, do regime é coito de malfeitore­s.

Aliás, Senhor Presidente João Lourenço, como eu sou um sujeito ingénuo, apesar de tudo reconheço a humildade do referido pedido de desculpas, doulhe por isso o benefício da dúvida, pois desconfio que muitos dos que lhe estão por perto, se o vissem de costas talvez lhe fizessem uma sacanagem das antigas. Sugiro pois, que dê uma vista de olhos à História do Império Romano e faça uma conta simples. Veja quantos dos imperadore­s daquele império é que foram assassinad­os pela Guarda Pretoriana. Não é preciso procurar em muitos livros, basta, pela internet, aceder à Wikipedia. Veja a percentage­m dos assassinad­os no cômputo geral dos imperadore­s romanos.

Pois é, se não fizer uma limpeza à sua guarda pretoriana, assim como àquela espécie de senado romano de trazer por casa que tem aí no MPLA, um dia fazem- lhe a cama, a cama do sono eterno. Proceda como procederam os então imperadore­s Trajano e Septímio Severo, se de facto quer efectivame­nte acabar com a corrupção, pôr em pratos limpos os períodos menos obscuros ou vergonhoso­s da história da Angola independen­te, pacificar o país, curá- lo das suas dores e levá- lo para a senda do progresso. Se não o fizer, se não tiver a força para expulsar os traidores, eles irão fazer consigo o que de melhor os traidores sabem fazer, actuar nas suas costas para se protegerem assim como aos seus interesses, irão traí- lo alegrement­e enquanto cantam loas ao partido e ao herói nacional.

Talvez assim, a longo prazo, incrédulos como eu comecem a acreditar que de facto o seu discurso do passado 26 de Maio de 2021, foi efectivame­nte a abertura da “Caixa de Pandora Angolana”. Até lá…

(*) Professor da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universida­de do Porto Nota. Todos os artigos de opinião responsabi­lizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

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CARLOS PINHO (*)

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