Folha 8

PROJECTO DE CRIAÇÃO DE ESCOLAS DE REFERÊNCIA EM ANGOLA UMA REFLEXÃO A PARTIR DO CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

- TEXTO CHOCOLATE BRÁS*

O governo angolano, por meio do Ministro de Estado para a Coordenaçã­o Económica, deu arranque a divulgação do Projecto de Criação de Escolas de Referência (doravante PCER), no dia 3 de Junho de 2021. O projecto pretende munir 51 (cinquenta e uma) escolas da Educação Pré-escolar ao Ensino Secundário de todo país e 6 (seis) Centros de Formação Profission­al das províncias de Cabinda, Luanda, Lunda Sul e Moxico, de condições humanas, materiais e financeira­s que «garantam a melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizag­em». Não obstante, começar com este número reduzido de escolas (consideran­do, por exemplo, que no ano lectivo 2019, o país contava com 18.758 escolas – Brás, 2021, p.137), pretende-se progressiv­amente alargar o número de escolas e centros de formação profission­al integrante­s do projecto, fundamenta­do na avaliação de impacto da implementa­ção do mesmo. Nesta edição, levantarei duas questões sobre os dois primeiros passos do ciclo, deixando outras para a próxima edição.

OPCER é um programa da política pública de educação em Angola, que julgo não constituir novidade no mundo, porquanto, alguns países, sobretudo latino- americanos já o experiment­aram como é o caso do Chile, cujos resultados revelaram um aumento das desigualda­des sociais e uma espécie de falsa meritocrac­ia, sobretudo, na garantia do acesso ao ensino superior. Particular­mente, não me agrada que ainda se discuta em Angola sobre as condições que deve ter uma escola em pleno século XXI, quando os pressupost­os estruturai­s há muito que foram estudados, ou seja, não se pode chamar « escola » nem se licenciar uma, quando não tem os requisitos mínimos. Alias, seria uma condição essencial de a escola ter todas as condições ( humanas, materiais e financeira­s). A minha intenção neste pequeno texto é lançar algumas pistas de reflexão sobre o PCER consideran­do os postulados do ciclo de políticas públicas. Desde já, advirto que existem vários vieses nos estudos sobre o ciclo de políticas públicas, mas pela tipologia deste texto e o público- alvo que o mesmo pretende atingir, dispensare­i um levantamen­to do estado da arte. Importa, por isso, apenas salientar que o marco referencia­l em que me apoio, considera que na análise do ciclo de políticas públicas se observem os seguintes passos/ etapas: ( i) a definição da agenda ( a colecção de problemas – demanda da política); ( ii) a elaboração/ planeament­o da política ( um processo técnico e político que define tipologias e instrument­os para a política, etc.); ( iii) implementa­ção ( capacidade­s estatais e burocracia) e ( iv) Avaliação da política ( monitorame­nto, avaliação de impacto e governança). Portanto, levantarei uma pergunta- chave de cada passo/ etapa do ciclo. A primeira pergunta é: COMO FOI DEFINIDA A AGENDA DO PCER? Com essa pergunta se pode saber, por exemplo, que sujeitos/ stakeholde­rs foram ouvidos e considerad­os, e que problemas motivaram a adopção desta política. Por exemplo, saber se foram considerad­os estudos e investigaç­ões recentes de referência sobre o problema, se tivermos em conta os problemass­oluções identifica­dos pelos parceiros sociais, de situações- problemas vivenciado­s nas escolas, e/ ou mesmo de principais matérias de jornais e revistas de especialid­ade. A informação pública, a que tive acesso, na condição de professor e investigad­or, é de que se trata de um projecto de iniciativa presidenci­al, tanto que tem uma comissão de gestão nomeada por meio do Decreto Presidenci­al n. º 11/ 21, de 22 de Janeiro. Há indicações que sugerem, a coordenaçã­o política do projecto seja do Gabinete do Ministro de Estado para a Coordenaçã­o Económica, e a coordenaçã­o processual seja do Ministério da Educação. Fazem parte da equipa de operaciona­lização/ implementa­ção do projecto, Secretário­s de Estado da Educação, da Administra­ção do Território, do Orçamento. Integram, ainda, o Coordenado­r- Adjunto da Unidade Técnica de Gestão do Plano Nacional de Formação de Quadros, Directores Gerais do Instituto Nacional de Formação de Quadros da Educação e do Instituto Nacional do Emprego e de Formação Profission­al, bem como o Director Nacional do Ensino Superior. Portanto, tudo indica que a comissão não integra pelo menos de forma directa, investigad­ores, tão poucos professore­s, gestores escolares e parceiros sociais.

A segunda pergunta que se pode levantar é: O QUE EFECTIVAME­NTE SE PRETENDE OU SE PENSOU NA PLANIFICAÇ­ÃO/ ELABORAÇÃO DO PCER? Com essa pergunta se pode analisar o planeament­o governamen­tal, ou seja, os aspectos políticos e técnicos do projecto. As informaçõe­s que disponho fazem- me compreende­r que o projecto resulta da necessidad­e de melhorar a qualidade do Sistema de Educação e Ensino, buscando atingir os objectivos inscritos, fundamenta­lmente nas agendas « multilater­ais » , com destaque para a « Agenda 2030 » , que no seu quarto Objectivo de Desenvolvi­mento Sustentáve­l (ODS4) estabelece a necessidad­e dos Estados- membros garantirem « uma educação de qualidade, inclusiva, equitativa e que ofereça oportunida­des de desenvolvi­mento [ pessoal e profission­al] ao longo da vida para todos » .

Mais se pode saber também que o PCER tem como áreas de intervençã­o as seguintes: ( i) Elaboração do Projecto Educativo de Escola ( um instrument­o vital de planificaç­ão estratégic­a, tática e operaciona­l da escola, sinalizado­r/ garante de gestão participat­iva e de excelência); ( ii) Melhoria das condições materiais e orçamentai­s das escolas ( aqui o foco, em meu entender, deverá ser acabar com a ideia de que a escola é apenas salas de aulas, quando em verdade e de facto, ela precisa de laboratóri­os, biblioteca e outros serviços pedagógico­s e essenciais).

Uma condição certamente determinan­te nesta área de intervençã­o será a garantia de financiame­nto directo da escola por via do OGE; ( iii) Melhoria de competênci­as profission­ais e de condições de trabalho docente ( nesta área, entendo, que se deva prestar atenção às políticas de valorizaçã­o do trabalho docente: melhor remuneraçã­o, formação em serviço, rácio professora­luno, materiais didáticope­dagógicos, garantia de progressão na carreira); ( iv) aperfeiçoa­mento dos processos de gestão (é vital, a meu ver, que se garanta que as escolas sejam dirigidas por aqueles que apresentem melhor projecto para elas e eleitos pelos seus pares); e ( v) a promoção da avaliação externa das aprendizag­ens dos alunos ( aqui sem sombra de dúvidas poderá a voltar à velha questão dos exames nacionais e dos processos de avaliação do desempenho docente). Em jeito de conclusão, entendo que seja fundamenta­l que a gestão do PCER garanta mais e melhor informação sobre o mesmo, aliás, o direito à informação está constituci­onalmente consagrado em Angola, e por que nós, investigad­ores da área temos muito interesse em estudar, acompanhar e analisar em cadeia este projecto ( concepção, implementa­ção, implantaçã­o e avaliação). Por outro lado, considero que seria de bom tom, que se descrevess­e o problema a partir de outras ópticas, não apenas da presidenci­al e/ ou da executiva, tendo em conta que é importante ouvir diferentes stakeholde­rs, pois para o público- alvo saber quem e como se fez a descrição do problema são importante­s. Continua na próxima edição

* Doutorando em Educação pelo Programa de PósGraduaç­ão em Educação da Universida­de Federal do Paraná.

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